Web currículo: a convergência digital é o futuro

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No princípio era uma escola, onde não havia cultura digital e a tecnologia não interferia no currículo. Quando se começou a trabalhar em tecnologias móveis – laptops, tablets, smartphones – veio a grande mudança, mas até agora essa revolução ainda não foi entendida e trabalhada como deveria. A professora Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, docente no Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, tem participado de estudos e pesquisas sobre as grandes transformações trazidas pela era digital à educação e é taxativa na sua avaliação: “É preciso trabalhar com a convergência, com o que está aí e com o que ainda virá, procurando explorar os benefícios dessa convergência de mídias e tecnologias no uso pedagógico.

O aluno leva a tecnologia para todos os espaços, dentro e fora da escola. Ela e seu grupo na PUC trouxeram luz ao termo web currículo, como explica: “Ele não é só a informatização do ensino, o web currículo é muito mais, representa a integração curricular abrangendo a tecnologia e toda sua multiplicidade de linguagens. O mundo mudou, a educação mudou, é preciso investir no funcionamento das redes de ensino”. Coautora do livro Cenários de inovação para a educação na sociedade digital, ela tem atuado ativamente neste debate e dia 30 de abril estará, como presidente da comissão organizadora do Web Currículo, participando do I ENVIE – Encontro Virtual Internacional de Educação, das 20 às 22 horas. Os interessados podem conferir detalhes neste endereço:

http://encontrovirtual.wordpress.com/2014/03/16/304

Quais são os maiores desafios para implantar a tecnologia na Educação?

Realmente não é um processo simples, e não só na área de políticas públicas. É uma questão muito complicada. Temos uma trajetória voltada para uso da tecnologia como ferramenta cujos dispositivos e softwares estavam disponíveis no laboratório, ou em alguns espaços da escola, e eram utilizados uma ou duas vezes por semana. Não havia a criação de uma cultura digital na escola e a tecnologia não interferia no currículo. Era um projeto que interessava e empolgava os alunos, um ou outro professor levava o tema ocasionalmente para as aulas. Quando se começou a trabalhar com tecnologias móveis – laptops, tablets, smartphones – veio a grande mudança, porque é preciso trabalhar com a convergência com o que está aí e com o que ainda virá, procurando explorar os benefícios dessa convergência de mídias e tecnologias no uso pedagógico. O aluno leva a tecnologia para todos os espaços, dentro e fora da escola, o que possibilita a expansão dos processos de ensino e aprendizagem.

Quando começou esse processo mais consciente na Educação?

Podemos dizer que foi por volta de 2007 com o projeto UCA/um computador por aluno. Esse momento evidenciou a interferência da tecnologia no desenvolvimento do currículo, sua influência na constituição efetiva para apoiar o ensino e a aprendizagem e a necessidade de preparar o professor para que ele pudesse compreender e utilizar essa tecnologia. A própria concepção de currículo é afetada por esse processo de integração. Ocorreu a percepção do que era a real integração entre o currículo e a tecnologia, com interferências mútuas e transformações. Isso já estava na literatura, mas passou também a ser vivenciado na escola, em especial nas situações nas quais se conta com mais flexibilidade para entender qual é a especificidade da tecnologia que propicie os avanços no desenvolvimento do currículo. E estamos falando de ensino público e privado.

Quais foram as maiores mudanças?

As mudanças provocam a flexibilidade curricular e trazem menos rigidez para o ambiente escolar. A cada momento surgem novos recursos e interfaces tecnológicas e se a gente não se der conta de seu potencial educativo e de como as crianças e os jovens os utilizam, vai ficar parado no tempo. Temos que olhar quem é esse novo aluno, o que ele tem em mãos e integrar essas ferramentas e linguagens à escola. É uma outra realidade, as crianças devem ser incentivadas a trazer para a escola a tecnologia que têm em casa, embora muitas escolas até proíbam isso, aqui no Brasil e em outros países como os Estados Unidos também. A lógica do funcionamento da escola precisa mudar porque a escola está sendo impactada pela tecnologia nos espaços e no tempo, quer faça uso ou não desses recursos, porque eles estruturam os modos de pensar, de representar o pensamento e de se relacionar em rede. É preciso investir no funcionamento das redes de ensino na perspectiva de rede, que interliga pessoas, instituições, informações e recursos.

Qual é o papel do Poder Público?

O papel do governo, em todos os níveis, é o de universalizar o acesso à tecnologia e incentivar a criação da cultura digital na escola, criada pelas pessoas que fazem parte desse contexto em articulação com outros contextos e culturas. Não basta ter a tecnologia. Para isso é essencial preparar os professores, no entanto a formação inicial em cursos de licenciatura ainda não prepara o professor para lidar com alunos da geração digital. O mundo está mudando, vemos algumas universidades cujos projetos pedagógicos ainda não incorporam as diretrizes curriculares nacionais que devem ser seguidas. Acredito que o ideal seria que cada instituição de formação pudesse prever atividades de uso e estudo sobre a tecnologia nos processos educativos e não apenas ficar em cursos instrumentais sobre as tecnologias já dominadas pelos professores, tampouco em discussões teóricas sobre a sociedade tecnológica. É importante que a formação de professores se desenvolva por meio da integração entre o domínio da tecnologia, a prática pedagógica com o uso de tecnologias e as teorias educacionais que permitam compreender tais práticas e as contribuições das tecnologias ao currículo, à aprendizagem e ao ensino.

E os professores, como estão nesse processo?

O Comitê Gestor de Internet no Brasil, por meio do CETIC, realiza uma pesquisa (http://www4.pucsp.br/gpcted/) sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na escola, há dois anos, e o estudo publicado em 2013 mostra que os professores têm um domínio superior da tecnologia em relação ao domínio registrado na população em geral. Esse domínio já se destaca na escola, mas nem sempre a escola oferece condições para que o professor desenvolva sua prática pedagógica com o uso das TIC. A conexão à Internet é muito cara no Brasil. Há muitas coisas impedindo avanços mais efetivos nas escolas. A preparação do professor tem que ser voltada para o descobrimento das competências do uso pedagógico das TIC.

Que tipo de recursos estão sendo oferecidos aos professores?

No Brasil temos muitas atividades de formação continuada realizadas pelo MEC ou de iniciativa de estados, municípios e até empresas, com cursos presenciais e online oferecidos para professores. Um grande problema é a alta rotatividade dos professores na escola pública em nosso país. Os professores recebem a formação e mudam para outra escola, exigindo um recomeçar com as novas equipes docentes. A rotatividade fica em torno de 50% ou mais em algumas redes de ensino.

Hoje, em alguns casos, os alunos sabem mais do que os professores. Como fica essa situação?

Estamos em uma época de compartilhamento do conhecimento e os dois, professor e aluno, devem entender essa questão. Há uma mudança de postura do papel do professor, ele não é mais o único detentor da informação e deve ter clareza da intencionalidade pedagógica do ensino para ver o aluno como um parceiro que pode ajudá-lo a se apropriar da tecnologia. Os alunos cooperando em parceria terão mais noção de valores e estarão mais abertos para aprender. Dessa forma, o compartilhamento do conhecimento poderá ser muito saudável e frutífero nos processos de ensino e aprendizagem, que têm como foco não o domínio da tecnologia em si mesma, mas o seu uso para aprender sobre distintos temas do currículo escolar, desenvolver projetos de investigação ou trabalhar com temas transversais.

Quais são as vantagens da tecnologia na sala de aula?

O professor poderá trabalhar mais facilmente os conteúdos educacionais com as ferramentas que já fazem parte do cotidiano das crianças e dos jovens. E a tecnologia será trabalhada com os lugares que permeiam o mundo desses alunos. O mais importante é entender que a tecnologia não é só o conteúdo programado, ela pode ajudar a produzir novas informações, criar atividades para ajudar os alunos a se perceberem como autores de sua própria história, com poder de explorar o novo conhecimento. E todo esse histórico ficará registrado pela tecnologia. Também o professor conseguirá intervir e ajudar o aluno a formalizar esse conhecimento. Poderá trabalhar aspectos éticos, como, por exemplo, falar sobre a exposição de uma foto nas redes, o que isso implica, os cuidados que devem ter com as postagens etc.

Politicamente o Brasil está preparado para esses novos tempos?

O Brasil tem uma tradição em que o poder central atua em parceria com os estados e municípios na execução de uma política educacional, mas isso não ocorre na definição das políticas públicas, que são definidas pelo poder central e compartilhadas com os entes federados para efetivá-las nas redes e unidades de ensino. Já avançamos muito, mas ainda há muito por avançar. Felizmente também temos um bom trabalho realizado seriamente pela Academia. Os pesquisadores são chamados a participar e são ouvidos. O desafio maior é conseguir universalizar essa participação. O Censo Escolar do Inep mostrou que há escolas de diferentes regiões do Brasil, inclusive da região amazônica, em que a Internet não chega.

O que é web currículo?

É uma concepção do meu grupo de pesquisa e em outubro realizaremos um novo colóquio sobre o tema, na PUC São Paulo, bem como um grande seminário em 2015. Não é só a informatização do ensino, web currículo é muito mais, ele representa a integração curricular abrangendo a tecnologia e toda sua multiplicidade de linguagens. Temos que pensar nos recursos abertos, no potencial de criação de novas interfaces e recursos utilizados pelos estudantes e na força do trabalho colaborativo que pode expandir o conhecimento para outros estados, outros países. O espaço da escola não é mais o único lugar de produção do conhecimento. A web trouxe a cultura dos museus e laboratórios virtuais e os alunos podem navegar em qualquer museu do mundo, realizar experiências e simulações e não apenas fazer as visitas programadas a esses espaços, o que nem sempre é viável.

E qual a melhor forma de implantar o web currículo?

Temos que começar de forma muito simples, despertar os gestores e professores para o que é possível fazer com os recursos disponíveis, planejar a partir das possibilidades de ações viáveis, analisá-las, transformá-las e avançar aos poucos na medida em que ocorre a apropriação pedagógica das TIC.

Como deve ser o currículo do século 21?

O currículo da escola do século XXI – integração das TIC ao currículo: inovação, conhecimento científico e aprendizagem, foi tema de uma pesquisa que coordenamos, financiada pelo edital PROUCA 2010 do CNPq, CAPES e MEC e desenvolveu-se no período de setembro de 2011 a setembro de 2013. Teve como objetivo principal identificar as contribuições e dificuldades das ações de formação e das práticas realizadas nas escolas participantes do Projeto UCA, as mudanças no currículo e nas práticas educativas, os indícios de inovação educativa. A pesquisa revelou a necessidade de mudanças nos currículos tradicionais e nas práticas escolares para acompanhar as mudanças provocadas pela tecnologia no cotidiano dos alunos. Mudanças até no vocabulário quando se apropriam de palavras da cultura digital que se disseminam no âmbito dos grupos e das famílias.

Que outras informações a pesquisa revelou?

A tecnologia trouxe avanços das competências de leitura, da expressão do pensamento com o uso de múltiplas linguagens empregadas em distintas práticas com o uso das tecnologias digitais de informação. A tecnologia proporcionou melhoria da autoestima, despertou o prazer da investigação realizada em diferentes espaços internos e externos da escola, propiciou a percepção do erro como objeto de reflexão, a reformulação do conhecimento, e ainda se observou a redução das faltas dos alunos às aulas e da evasão escolar.

Os resultados propiciam refletir sobre os avanços em relação ao uso da tecnologia no currículo e avanço na formação dos professores voltada para a integração das tecnologias aos processos de ensino e aprendizagem. A análise dos resultados indica a necessidade de se considerar em outras iniciativas voltadas à integração das TICs na escola, seja qual for o dispositivo tecnológico, a integração entre as dimensões pedagógica, organizacional (infraestrutura e logística de implantação, implementação e manutenção), da gestão, da formação de educadores (professores, gestores e outros profissionais das redes de ensino) e das políticas públicas.

A senhora acredita que o livro digital vai substituir o livro impresso na escola?

O livro digital não vai substituir o livro impresso, a tecnologia, seja ela qual for, não substitui outras ferramentas de aprendizado, há uma transformação desse aprendizado na prática educativa e das próprias tecnologias. As práticas educativas devem ser trabalhadas a partir do conceito de convergência e não de substituição.

Sobre Maria Elizabeth Almeida

Professora associada da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, docente no Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, linha de pesquisa Novas Tecnologias em Educação, da Faculdade de Educação da PUC-SP. Líder do grupo de pesquisa Formação de Educadores com suporte em meio digital, certificado desde 2003, com bolsa produtividade em pesquisa do CNPq. Realizou pós-doutorado na Universidade do Minho (2008), doutorado em Educação (Currículo) pela PUC/SP (2000), Mestrado em Educação (Currículo) pela PUC/SP (1996) e graduação (Licenciatura e Bacharelado em Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1973). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Tecnologia e Formação de Educadores, atuando principalmente nos seguintes temas: integração de tecnologias ao currículo, tecnologias na escola, educação a distância, tecnologia e formação de educadores, inclusão digital, gestão escolar e tecnologias.

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