Vida leitora começa na primeira infância, diz neurocientista

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Pediatras deveriam incluir uma indicação de livro em cada consulta de rotina de seus pequenos pacientes. Para a neurocientista e educadora da UCLA (Universidade da Califórnia, Estados Unidos) Maryanne Wolf, a prescrição seria uma maneira de comover os pais e responsáveis a aderir ao hábito da leitura para seus filhos desde o começo da vida. “Podemos fazer muito quando lemos para uma criança”, diz. E ela explica o porquê.

“As crianças não aprendem a ler naturalmente”, ressalta. “Do ano zero aos 5 anos de idade, antes de o cérebro se tornar leitor, ele está em pleno desenvolvimento. Tudo o que acontece nessa fase é importante para o que vem depois. Todas as histórias que contamos e os livros que mostramos, portanto, fomentam esse progresso. O cérebro da criança absorve melhor a linguagem quando há a leitura por parte de um adulto”, afirma.

A importância do ato de ler desde a mais tenra idade foi um dos pontos trazidos por Maryanne no webinário “A leitura no mundo digital”, promovido pelo Itaú Social na quarta-feira, 21 de setembro. Ela compara um circuito de energia de uma casa com um cérebro que amplia os circuitos neurais a partir da leitura, conectando visão, linguagem e conhecimento. “A leitura é uma invenção, uma descoberta. O que o cérebro faz com invenções é criar novos circuitos.”

Autora do livro “O cérebro no mundo digital – os desafios da leitura na nossa era”, Maryanne vê na leitura a base da formação socioemocional. “Na escola, aprendemos o processo de leitura profunda. Tudo o que trazemos da primeira infância, o que já sabemos, se conecta aos novos aspectos da linguagem”, explica. O incentivo à leitura aprofundada ajuda a expandir conceitos importantes: o pensamento crítico, a empatia e a reflexão, competências fundamentais do século 21.

“Queremos que nossos filhos aprendam a inferir, a entender, para ajudar a sociedade a respeitar o sentimento alheio e não aceitar tudo o que é dito. É uma combinação importante para uma sociedade democrática, para que se saiba votar com sabedoria, sem aceitar o que qualquer político demagogo diga”, exemplifica a educadora. “Por isso, é preciso entender, em primeiro lugar, a qualidade da atenção que estamos disponibilizando às crianças.”

Menos telas, mais atenção

A exposição aos meios eletrônicos cedo demais, e por muito tempo, é prejudicial, aponta Maryanne. Nos primeiros anos de vida, não se recomenda nenhuma tela. “É preciso que essa etapa seja marcada pela interação com a linguagem nos livros impressos. Os bebês escutam a fala e constroem o pensamento a partir dos fonemas, dos sons, da língua materna”, ensina. “A partir dos 4 anos, podem aprender competências digitais, mas elas devem começar com o material impresso. Assim, no futuro, quando fizerem uma leitura profunda no papel, podem ter a capacidade de fazer uma leitura profunda na tela”, sugere.

Impresso x digital?

A educadora reforça que a leitura é um ato de resistência em um mundo tão cheio de distrações. Ela diz ainda que a cultura digital está mudando o nosso cérebro, mas nem sempre de maneira positiva. Se passamos de dez a doze horas diárias em frente a uma tela, absorvendo uma enorme quantidade de informações, como ter tempo para imergir na leitura? “Fazemos muitas coisas ao mesmo tempo, e isso pode ser bom ou ameaçador. Lemos superficialmente, nossos olhos fazem o movimento da letra ‘z’, damos ao cérebro menos tempo para entender a complexidade de um texto”, explica.

Mas ela não defende só o meio impresso, tampouco demoniza o meio digital. “Não é algo binário, preto ou branco, bom ou ruim. Precisamos entender como cada meio nos afeta. Ambos têm custos e pontos fracos”, afirma, exemplificando com um trabalho que implementou na Etiópia.

“Realizo uma pesquisa em uma aldeia. Ali, os estudantes ainda não haviam aprendido a ler e pudemos levar alguns dispositivos digitais como suporte para apoiar a aquisição do letramento. A grande vantagem do meio digital é a disseminação do conhecimento, o apoio para uma sala de aula com muitos alunos”, comenta a neurocientista. “A tecnologia digital pode ser boa, mas acesso e questões de equidade permeiam tudo o que eu digo. Parte do que eu quero é justiça social.”

“Ampliemos o cérebro leitor de nossas crianças”, sugere Maryanne. Para tanto, é preciso considerar o que é necessário para desenvolver um “cérebro biletrado”, como ela mesmo define, adaptado tanto à alfabetização digital quanto à impressa, “que possa ler em profundidade em qualquer meio e impulsione a empatia e a análise crítica”.

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“De 0 a 5” é um podcast sobre a primeira infância que discute como atravessar essa fase em uma pandemia. Produzido pelo Porvir em parceria com a Rede Nacional Primeira Infância, o podcast é apresentado por Marta Avancini e Ruam Oliveira.

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