Venda de livros cai ao nível de 1991

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Luiz Antônio Clemente, 55, é um devorador de livros. Só em casa, tem mais de 3.000. Ele tentou passar a paixão pela leitura para seus seis filhos, mas só um herdou o gosto do pai. “Meu mais velho até que gosta, mas os outros odeiam ler“, conta. Essa paixão de Clemente pela leitura poderia ser considerada o que os matemáticos chamam de desvio estatístico. Maquinista aposentado, ele mora em Bangu, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro que tem a terceira maior população da cidade. O número de bibliotecas na região, no entanto, é zero. 
 
Formar leitores como Clemente no Brasil é tarefa difícil. Prova disso é que o mercado editorial de livros não-didáticos teve em 2004 um desempenho em vendas igual ao verificado em 1991. Segundo a Câmara Brasileira do Livro e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, foram vendidos no ano passado 289 milhões de livros, ou 1 milhão a menos do que o montante negociado no início da década passada. Os números de 2004 até representam um avanço em relação aos do ano anterior, mas isso não é lá grande coisa, já que em 2003 o mercado viveu seu pior ano desde 1992. 
 
Esse pífio desempenho do mercado editorial ocorreu no  
mesmo período em que, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), houve aumento na renda média do trabalhador brasileiro. Ela, apesar de ter oscilado após atingir seu pico em 1996 e ter voltado a cair desde então, cresceu 16,3% no período 1992 a 2003, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. 
 
Os indicadores de escolaridade da população, em tese, também deveriam beneficiar o setor. De 1992 a 2003, a população com mais de dez anos de idade aumentou em 29 milhões. A proporção de pessoas com mais de oito anos de estudos cresceu no período de 25,4% para 41,2%, ao mesmo tempo em que caiu a taxa de analfabetismo e a porcentagem de crianças fora da escola. 
 
Para Marino Lobello, vice-presidente de Comunicação da CBL (Câmara Brasileira do Livro), o aumento da renda e da escolaridade pouco influem no mercado por causa de uma questão cultural. “É verdade que esse é um país de renda média baixa, mas, mesmo que a renda aumente, o livro não faz parte da cesta básica cultural do brasileiro. É por isso que o mercado fica estabilizado num patamar. Ele cresce um pouquinho, cai depois, mas continuam sendo apenas 26 milhões de brasileiros que lêem quatro livros por ano e ponto final“, afirma ele. 
 
Comparação 
De fato, o índice de leitura no Brasil é muito baixo quando comparado com países desenvolvidos. De acordo com a pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, de 2001, a média de livros lido per capita aqui é de 1,8. Na Inglaterra, essa média chega a 4,9. Nos Estados Unidos, é de 5,1 e, na França, atinge 7. 
 
O gasto médio das famílias brasileiras com livros, jornais ou revistas também é muito baixo se comparado com outros produtos que poderiam ser considerados supérfluos. 
 
A Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, realizada em 2003, mostra que, na divisão dos gastos em praticamente todas as classes sociais, esses artigos ficam atrás das despesas médias com cigarro, perfume ou cabeleireiro e manicure. 
 
 
 
Gasto com internet e celular afetam vendas  
Folha de São Paulo 
 
Para os economistas Fábio Sá Earp, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e George Kornis, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), que realizaram no ano passado um estudo sobre o mercado editorial brasileiro a pedido do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), parte da explicação do problema com as vendas de livros está também no fato de as famílias de maior renda terem passado a dividir seu orçamento com outros gastos, como telefones celulares, TV a cabo e internet. 
 
“Os compradores significativos de livros são os 10% mais ricos no Brasil. Esses tiveram queda na renda de 1993 a 2003 e, ao mesmo tempo, apareceram novas necessidades, como o celular e a internet, com o que estes consumidores têm um gasto de quatro a seis vezes maior do que com bens editoriais, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE“, afirmam os economistas. 
 
Earp e Kornis citam ainda como empecilho o alto preço dos livros: “Para os livros caberem no bolso dos brasileiros, eles teriam que custar menos de um terço do que custam hoje“. 
 
Marino Lobello, da CBL (Câmara Brasileira do Livro), concorda, mas diz que isso se deve também a um problema de escala: como o brasileiro lê pouco, as tiragens são baixas. Sendo baixas, o preço do livro é mais caro para justificar o investimento. Para resolver esse problema, ele defende um investimento maior no número de bibliotecas e livrarias. 
 
“Se você faz um livro com 2.000 exemplares, cobra R$ 30 por ele. Mas, se pudesse fazer 5.000, o preço cairia para R$ 20. Isso criaria, então, um círculo virtuoso. O editor ganharia mais, a livraria ganharia mais, e o consumidor pagaria menos. O livro é um produto muito sensível à tiragem“, diz. 
 
Para aumentar o hábito de leitura, o vice-presidente da CBL sugere a criação de bibliotecas atualizadas e acessíveis à população de baixa renda: “Países com tradição de leitura têm várias bibliotecas modernas, sortidas e atualizadas que ajudam a disseminar o hábito de leitura. Não adianta ter apenas obras históricas. É preciso oferecer também a novidade do mercado. É por isso que, em países como os EUA, um filho de operário lê mais do que um adolescente de classe média no Brasil“. 
 
Jason Prado, diretor-executivo da organização não-governamental Leia Brasil, cita ainda como problema a formação de professores. “Nos cursos de formação de professor, não há quase nenhuma carga horária destinada a fazer dele um leitor. Como formar um aluno leitor se o professor não lê?“, indaga. 
 
 
 
ONG busca criar público leitor 
Folha de São Paulo 
 
Quando iniciou seu trabalho, no início da década de 90, a organização não-governamental Leia Brasil logo percebeu que, para estimular a formação de um público leitor, não bastava facilitar o acesso ao livro. “A gente achava que o acesso ao livro, por si só, seria o grande estimulador da leitura no Brasil. Com muita rapidez, no entanto, verificamos que o livro ficava às moscas nas escolas, porque o professor não sabia o que fazer com ele e o aluno não tinha curiosidade“, conta Jason Prado, diretor-executivo da ONG. 
 
A atividade do Leia Brasil, que no início era centrada principalmente na oferta de livros, passou então a ser acompanhada de uma série de outras paralelas para criar um ambiente propício ao estímulo à leitura na escola. 
 
A ONG possui caminhões-biblioteca que visitam escolas públicas emprestando livros, revistas e vídeos e realizando atividades como exposições que, de alguma maneira, possam ajudar a formar um público leitor. 
O foco da entidade deixou de ser apenas o aluno para englobar também o professor, que recebe treinamento e material didático que dá suporte a essas atividades. 
 
“Uma das melhores coisas que fizemos foi ter oferecido gratuitamente esse material para as escolas sem obrigatoriedade de elas terem algum tipo de resposta acadêmica. Nós levamos o livro para dentro da escola tentando tirar essa característica de tarefa ou de obrigação“, diz Prado. 

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