Um novo fundo que não sai do fundo da gaveta

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O ano de 2006 começa e uma das prioridades do governo federal no setor educacional, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), se mantém cercada de incertezas.  
 
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 415/2005, que cria o fundo e que tramita no Congresso Nacional, será aprovada neste ano? A disputa eleitoral à presidência, governos de estados e casas legislativas, neste ano, prejudicará a aprovação do projeto? O Fundeb realmente será um choque de qualidade na educação básica brasileira, como afirma o governo? E ele, por si só, será suficiente para reverter o quadro de falência da educação pública brasileira?  
 
No início deste que é o último ano do governo Lula (ou pelo menos de seu primeiro mandato), autoridades políticas e educadores analisam essas questões, opinando sobre esse novo fundo, que substituirá o Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) e destinará recursos não só à faixa de 1ª a 8ª séries, mas também à educação infantil e ao ensino médio.  
 
O próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, usou seu primeiro programa de rádio de 2006 para pedir, a deputados e senadores, que deixem suas divergências políticas de lado e aprovem o fundo. “A minha expectativa é que os congressistas levem em conta o que é importante para o Brasil e não permitam, pelo fato de termos eleições este ano, ou seja, a disputa ideológica atrapalhe que os projetos importantes sejam votados“, afirmou Lula.  
 
“Aprovado o Fundeb, nós vamos ter mais dinheiro para cuidar das nossas crianças, para cuidar das creches, para cuidar do ensino fundamental e do ensino médio. Se isso não acontecer, as crianças brasileiras perderão um ano, o que não é bom para as crianças e eu acredito que não é bom para o Brasil“, disse o presidente, durante o programa de rádio, exibido no dia 2 de janeiro.  
 
A vice-presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, Maria do Rosário (PT/RS), pertence à ala dos otimistas. Para ela, o Fundeb. deve ter sua primeira votação logo no retorno das atividades do plenário da Casa, em 16 de janeiro. Tanto é que a matéria foi incluída na pauta de votação da convocação extraordinária do Congresso, que começa no próximo dia 16 e se estende até o dia 14 de fevereiro. “Será uma vergonha, mais uma vergonha para um Congresso Nacional já desgastado, se essa matéria não for aprovada agora na convocação extraordinária“, disse.  
 
Duas votações na Câmara e uma no Senado – Para a PEC do Fundeb ser aprovada, ela precisa ser aprovada por 307 dos 513 deputados federais, em duas votações. Em seguida, ela será encaminhada ao Senado Federal, onde também terá que ser aceita. No caso de sofrer modificações, ela ainda retorna à Câmara dos Deputados para mais uma votação.  
 
A parlamentar não acredita que divergências políticas e eleitorais prejudiquem a votação da PEC. Ela explicou que, no início da tramitação do Fundeb, no meio do ano passado, havia uma resistência de alguns blocos partidários da oposição contra o Fundeb. Mas, hoje, segundo ela, isso já teria sido ultrapassado.  
 
“Até o ano passado, havia essa resistência, que não se revelava publicamente, mas que operava nos bastidores da oposição. Mas agora quem se posicionar contra também vai ter que responder nas urnas. O posicionamento favorável (ao Fundeb) é o mais natural, frente à pressão da sociedade, que exige o novo financiamento.“  
 
Apesar de não esperar resistência de parlamentares, Maria do Rosário teme a pressão de algumas prefeituras e governos de estados, já que a maior parte dos recursos do Fundeb será originário de impostos estaduais e municipais. “Apesar de mais de dois anos de trabalho para um acordo, sempre há aqueles que pensam que vão ficar sobrecarregados“, disse a deputada, lembrando que a Confederação Nacional dos Municípios se mobilizou inicialmente contra a PEC.  
 
O secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Francisco das Chagas Fernandes, também espera que a votação do Fundeb aconteça até o dia 14 de fevereiro, para que o projeto de lei que regulamenta a PEC possa também ser votado neste ano. “O que nós queremos é que a proposta seja aprovada para que, ainda em 2006, possamos fazer a implementação do Fundeb“, disse Fernandes, lembrando que a Câmara dos Deputados já prevê uma emenda ao Orçamento Geral da União de 2006 que destina R$1,1 bilhão ao Fundeb.  
 
Segundo o senador Cristovam Buarque (PDT/DF), ministro da Educação no primeiro ano do governo Lula, o governo não pode culpar o parlamento pelo atraso no Fundeb. “O projeto do Fundeb foi entregue pelo MEC no Palácio do Planalto, no dia 15 de Dezembro de 2003. Foi o presidente quem esperou quase dois anos, engavetando um projeto tão importante. Agora, quer que o Congresso aprove sem discutir, sem melhorar, em poucos meses, aquilo que o presidente esperou três anos de governo para enviar“, disse.  
 
Simples criação do Fundonão garantirá evolução  
 
A ex-secretária municipal e estadual do Rio e consultora da Fundação Cesgranrio, Terezinha Saraiva, acredita que o Fundeb só deverá funcionar em 2007. “O Fundeb vai ajudar financeiramente os estados e municípios a poder aumentar as oportunidades para atender creches, pré-escolas, ensino fundamental e ensino médio. Além disso, ele permitirá que estados e municípios possam melhorar o trabalho dos professores. Agora, ele sozinho não resolverá nada, como o Fundef não resolveu“, alerta a educadora.  
 
O professor Nicholas Davies, pesquisador na área de Financiamento da Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), não arrisca dizer se o Fundeb será aprovado ou não neste ano. Mas, segundo ele, o governo federal encampou o Fundeb como prioridade em 2005 e 2006 por questões eleitorais. Prova disso é que, nos dois primeiros anos do governo, a atenção ficou voltada para outros temas como a Reforma da Previdência e a Reforma Universitária.  
 
Davies cita como outro exemplo de “politicagem“ o projeto que prevê a prorrogação do Fundef, que termina no final deste ano, por mais dez anos. O projeto tramita paralelamente à PEC que cria o Fundeb. “Como o Fundef é uma criação do PSDB, com apoio do PFL, eles resolveram prorrogar o Fundef. Não porque eles estão preocupados com a educação, mas porque seria uma forma de disputar o PT. O PT é pai do Fundeb e o PSDB é pai do Fundef. Ambos querem que seus ‘filhotes’ sejam aprovados para, depois, faturarem politicamente com isso.“  
 
Apesar de considerar o Fundeb um avanço com relação ao Fundef, por contemplar mais segmentos do ensino, Davies diz que o novo fundo ainda não tem regras muito claras, que precisariam ser melhor definidas. “A União, por exemplo, disse que complementará os recursos do fundo se o dinheiro arrecadado pelos estados e municípios não for suficiente para garantir um padrão mínimo de qualidade. Mas que padrão é esse? Isso significaria número de alunos por turma? Remuneração do professor? Condições de trabalho? Nunca se definiu isso para o Fundef e ainda não está definido para o Fundeb.“  
 
Falta seriedade à administração pública – Assim como Terezinha Saraiva, Davies ressalta que o Fundeb não irá, por si só, salvar a educação pública brasileira. É preciso que haja políticas públicas paralelas e um acompanhamento eficaz da aplicação das verbas do fundo. “Muitas prefeituras não aplicam a verba devida em educação. Eu faço essa denúncia há muito tempo. O problema não é o dos fundos, mas os governos, dos mais variados partidos, sistematicamente, não aplicam a verba devida em educação. Não adianta aumentar a verba para a educação, a saúde ou para qualquer outro setor, se não houver garantia de que essa verba será aplicada.“  
 
Como exemplo, o pesquisador, que acompanha o Fundef há alguns anos, diz que o fundo do ensino fundamental não trouxe grandes melhorias para a qualidade da educação. “O Fundef não trouxe a melhoria salarial para os profissionais de educação como um todo. Pode ter acontecido, em uma ou outra rede, alguma melhoria, mas de um modo geral não houve essa melhoria supostamente trazida pelo Fundef. Os salários continuam muito baixos.“  
 
De acordo com o secretário do MEC, Francisco das Chagas Fernandes, a aplicação das verbas do Fundeb, assim como acontece como o Fundef, será acompanhada por conselhos de fiscalização, pelos tribunais de contas e pelo Ministério Público. “No caso do Fundef, existem várias comprovações de problemas em algumas prefeituras, onde os recursos não são devidamente investidos. Nós estamos aperfeiçoando a lei para que isso não aconteça“, conta.  
 
Fernandes também concorda que o Fundeb por si só, não será suficiente para melhorar a educação brasileira. No entanto, com os recursos que serão disponibilizados pelo fundo, será possível caminhar para uma qualidade do ensino. “Se nós temos os recursos, podemos ter melhores salários para o professor, em várias regiões do país, e podemos continuar melhorando a qualificação e a formação dos professores“, ressalta o secretário.  

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