Um novo enfoque nas aulas de História

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Como o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado na última segunda-feira, vem sendo tratado nas escolas? Professores de História e especialistas na cultura africana destacam que, apesar dos avanços, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Entre os entraves apresentados para uma maior conscientização, está a falta de material acadêmico disponível no mercado editorial brasileiro para a preparação das aulas e o cumprimento da legislação que determina o ensino da história e da cultura afro-brasileira.  
 
Na última segunda-feira, dia 20, foi comemorado o Dia Nacional da Consciência Negra. A data, não foi escolhida por acaso, e sim como homenagem a Zumbi, líder máximo do Quilombo de Palmares e símbolo da resistência negra, assassinado em 20 de novembro de 1695. Passados mais de 300 anos, qual o real significado desta data e como está sendo abordada nas escolas?  
 
“Esse dia é fundamental, afinal de contas, os heróis da nossa sociedade são brancos e geralmente criados pelas elites. Sempre houve uma desvalorização do que representava uma reação contrária ao modelo de sociedade vigente, como foi o caso de Zumbi dos Palmares. Eu mesmo só estudei sobre o Quilombo de Palmares, mas hoje em dia sei que existiram milhares de quilombos. Atualmente, ainda encontramos 743 comunidades descendentes de quilombos. Esta data, portanto, é importantíssima, pois ocorre uma falta de consciência dos próprios negros. O monumento a Zumbi, localizado na Praça Onze, já foi alvo de pichações de negros“, argumentou o coordenador de História do Liceu Franco-Brasileiro, professor Rubim Aquino.  
 
O professor Aquino, apesar de defender a data comemorativa, acredita ser necessária uma maior dedicação das escolas no ensino da cultura negra. “Isso não está sendo abordado nas escolas como deveria, embora tenha sido criada, em 2003, a Lei 10.639, que obriga essas instituições a fornecerem o conhecimento da história e da cultura afro-brasileira. A coisa mais avançada que sei a respeito deste assunto é por parte do governo municipal de Salvador, que criou uma secretaria de interação, onde há estudos em andamento para a formulação de um programa que aborde esta problemática. Isso não é fácil, pois a maioria dos professores de História que se formaram, estudaram sobre uma perspectiva europocêntrica, onde a Europa é o centro de tudo“, destacou.  
 
O educador comentou ainda a necessidade de um maior preparo das escolas e dos professores para o aperfeiçoamento desse ensino. “Sei que para as escolas poderem trabalhar melhor a cultura africana, é necessário terem material sobre isso. O professor teria que ganhar mais para comprar mais livros e estudar mais, para que a questão seja abordada corretamente. De 2003 até agora, poucos colégios passaram a estudar a História da África com mais ênfase“, disse.  
 
O professor de História Maurício Silva Santos, concorda com o ponto que trata da falta de conhecimento do assunto por parte das escolas. “O que temos de testemunho do que se chamaria a cultura africana é muito limitado. Não se tem, realmente, um conhecimento aprofundado disso. Agora, já se fala em ensinar Iorubá nas escolas. Precisamos pesquisar e buscar o que não sabemos a respeito. Só temos informação oral sobre o que representou a cultura negra, deixando a necessidade de algo mais concreto“, ressaltou.  
 
Para o coordenador do Colégio Andrews, José Loureiro Rodrigues, algumas escolas se preocupam em ensinar uma história mais crítica, enfatizando um pouco mais este assunto. “Os professores de História, em sala de aula, a todo o momento procuram desenvolver uma História crítica. Dessa forma, mostramos a importância dos negros, assim como a dos índios, tão relevantes quanto a dos colonizadores brancos“, afirmou. 
 
A cultura negra e o preconceito 
 
A mestre em educação e professora da rede estadual, Eunice Bárbara Nogueira, acredita em uma melhora do trabalho feito nas escolas em relação a esta cultura. Porém, destaca que ainda não é o ideal. “A cultura afro-brasileira está sendo enfatizada nas escolas e os professores estão trabalhando melhor a questão do negro. Apesar de não ser discutida em uma disciplina isolada, ela é trabalhada em um tópico do conteúdo programático de História, onde o tema está sendo discutido e são ressaltadas as diferenças de inclusão e a ascensão do negro na sociedade“, salientou.  
 
Apesar da melhora, Eunice diz que a cultura ainda é vista com preconceito. “Isso é algo que não se muda de uma hora para a outra. É um trabalho que deve ser feito em longo prazo“. Ele entende que a consciência negra deveria ser celebrada todos os dias. “Precisamos praticá-la todos os dias, e não ter um dia específico para isso. O objetivo seria pensar como foi a vida dos negros do período da escravatura até hoje, analisando as grandes perdas ocorridas. Já que o dia foi instituído, pelo menos poderia ser utilizado para ressaltar esses assuntos. Infelizmente isso não acontece. Sendo um feriado, os alunos não vão à escola e, provavelmente, não discutem a respeito disso. Se fosse um dia normal, no qual o tema fosse inserido no conteúdo programático, certamente valeria mais a pena“, criticou.  
 
O educador José Loureiro também compartilha da idéia de Eunice. “Essa data, de repente, se tornou oficial. Porém, a data da consciência negra, da índia e da branca, enfim, a data da consciência do cidadão, deve ser conquistada no dia-a-dia. Podemos até fazer algumas comemorações, mas essa consciência, enquanto cidadão, deve ser uma conquista diária“, disse.  
 
O papel da Educafro – Há 30 anos, ele iniciou sua militância pelos direitos do povo negro. Zumbi foi uma grande inspiração para sua luta. Frei David é diretor executivo da Educafro – ONG coordenada pelos missionários franciscanos no Largo São Francisco, que batalha pela educação e cidadania de afro-descendentes e carentes. “A primeira conquista da comunidade negra foi ter conseguido que o presidente Lula assinasse, m 2003, a Lei 10.639, que obriga a todas as escolas, públicas e particulares, o estudo da questão do negro em sala de aula. Infelizmente, parte das escolas não está trabalhando a lei com seriedade“, comentou.  
 
Frei David disse que as devidas providências já estão sendo tomadas em relação a isso. “A sociedade negra já foi ao Ministério Público reclamar dessa falta de respeito em relação à lei. Até agora, mais de 200 secretarias de educação foram intimadas a dizer porque as escolas ainda não colocaram a lei em prática. Portanto, a culpa pelo descaso não é somente dos professores, mas também das secretarias estaduais e dos órgãos fiscalizadores, que não têm sido autênticos em respeitar a lei brasileira. A partir disso, percebemos que o caminho é entrar com processos contra essas escolas“, analisou.  
 
Entretanto, o militante destaca que, de 2003 até hoje, foram lançados mais de 200 livros de dicas para o trabalho da cultura negra nas escolas. “Todos estes livros foram lançados pelo governo e pela  
sociedade, o que é algo fantástico. Se este era um assunto adormecido na sociedade brasileira, podemos dizer que, agora, com a luta da comunidade negra e com essa lei, tivemos uma revolução na área pedagógica e na produção acadêmica deste tema“, afirmou.  
 
Uma das maiores bandeiras de Frei David e da Educafro é a inclusão de jovens negros nas universidades brasileiras. Para ele, o ingresso de afro-descendentes e de outros grupos marginalizados ainda é insuficiente. “A cultura indígena e afro são radicalmente marginalizadas, assim como todas as expressões culturais dos nordestinos. Isso acontece em todos os setores. Em São Paulo, por exemplo, temos a USP, que é uma das mais importantes universidades do pais, localizada na maior cidade nordestina fora do Nordeste, onde se encontra menos de um por cento de alunos nordestinos. A exclusão é algo gritante e a escola é o primeiro instrumento que cria esses patamares, que precisam ser derrubados. É preciso trabalhar o respeito das diferenças, as diversidades para que possamos construir um país que ame e conviva bem com a pluralidade“, ressaltou.  
 
Frei David indica o caminho para a mudança estrutural nas escolas brasileiras. “Um primeiro passo para isso é que todas as secretarias municipais organizem seminários de reciclagem dos professores da redepública. Elas devem determinar que as escolas da rede particular também façam uma reciclagem dos seus professores. Nós percebemos que grande parte dos educadores nunca tiveram a oportunidade de refletir sobre esse problema“, concluiu. 
 

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