Um livro a mais fere a quem? A livre escolha, a liberdade de publicar e o Estado Democrático de Direito

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O Fórum de Editores Educacionais, ligado à Associação Internacional de Editores (International Publishers Association – IPA), recebeu com surpresa e alarme a decisão da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo de não aderir ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e passar a utilizar unicamente materiais próprios em sua rede de ensino.

Um pilar fundamental defendido pelo Fórum é o direito da livre escolha dos materiais didáticos pelos professores e pelas escolas. A simplicidade do conceito da livre escolha encerra, em si, uma complexidade não tão evidente.

Cada estudante aprende de uma forma, cada professor possui uma prática de ensino própria, assim como cada comunidade apresenta particularidades. Justamente por isso o professor é a pessoa mais bem posicionada para escolher aquilo que efetivamente atende às necessidades de seu grupo escolar.

Apenas há escolha onde há opções, de diferentes formatos, conteúdos e concepções pedagógicas. Assim, a liberdade de escolha pressupõe a liberdade de oferta. E aí entramos na seara da liberdade de publicação, uma das maiores conquistas (ou seria condições?) do Estado Democrático de Direito, intimamente associada à liberdade de expressão.

No campo da educação e da publicação de materiais educacionais, essa liberdade ganha especial relevância. Afinal, é por meio das escolas e de seus livros que um país conta a sua história, consolida seus valores e pavimenta seu futuro. Não é coincidência que regimes extremistas, em diversos países, buscam controlar essa produção cultural e educacional, produzindo seus próprios conteúdos e, assim, criando as narrativas oficiais.

Ainda que possa não ser esse o caso de São Paulo, a publicação de materiais pelo próprio Estado, seja ele qual for, quando feita em caráter de exclusividade, traz riscos graves para a sociedade. Por si só representa uma arma carregada, que, ainda que não tenha seu gatilho apertado, já impõe um estado de ameaça contínua a princípios constitucionais do nosso sistema de ensino, como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, a liberdade de aprender e de ensinar.

A rede estadual já conta com materiais próprios há anos, que convivem harmoniosamente com os livros do PNLD. A oferta de fontes múltiplas de informação (desde que com qualidade) deveria ser um valor em si, não um problema. É um pilar do conhecimento, um instrumento necessário para o desenvolvimento da capacidade crítica, e uma garantia contra enviesamentos ideológicos. Ainda que haja valor na preocupação com a “coerência pedagógica”, agregar um livro a mais para o estudante dificilmente pode ser explicado como um prejuízo educacional. Ou deveríamos fechar livrarias, bibliotecas e a própria internet, também, para que estudantes e professores não tenham acesso a outras fontes de informação e de consulta?

Diante de tal quadro, por que proibir a existência concomitante dos materiais, da Secretaria e do PNLD (sem qualquer custo ao erário do Estado de São Paulo, lembre-se), e não manter a autonomia e liberdade de escolha dos professores, ainda mais quando envolvem publicações profissionais e em formatos que, de outra forma, não serão oferecidos? Um livro a mais fere a quem?

Publicado por KARINE PANSA E EDUARDO KRUEL RODRIGUES – PUBLISHNEWS em 08/08/2023.

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