Tudo resolvido até 2022. E isso não é utopia

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O bicentenário da Independência do Brasil, a ser comemorado em 2022, é a data-limite para que o País resolva suas principais deficiências na área de Educação. Utopia? Para o movimento Todos Pela Educação, trata-se de um objetivo factível: até lá, será possível construir um sistema de Educação básica de qualidade para toda a população, com a premissa de que todos os setores da sociedade se mobilizem para isso.

Criado em 2006 por lideranças da sociedade civil, acadêmicos e empresários – como Maria Alice Setubal, do Banco Itaú; Viviane Senna, do Instituto Ayrton Senna; e Jorge Gerdau Johannpeter, da Gerdau – o movimento Todos Pela Educação partiu do princípio de que as deficiências na Educação ameaçam a soberania nacional e o papel que o País pretende assumir nos próximos anos.

Para estimular a mudança, o movimento começou a pesquisar indicadores de qualidade do Ensino em diversos países e, após realizar vários encontros com especialistas na área, estabeleceu cinco metas principais: toda criança e jovem de 4 a 17 anos na Escola; toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; todo Aluno com aprendizado adequado à sua série; todo jovem com o Ensino médio concluído até os 19 anos e investimento em Educação ampliado e bem gerido. As metas estipuladas pelo movimento receberam a adesão do Ministério da Educação em 2006. “O Brasil não está mais no momento de pujança econômica que vimos nos últimos anos.

A Educação de qualidade sempre foi estratégica, mas agora a questão é mais do que urgente, é urgentíssima”, afirma Priscila Cruz, diretora executiva da entidade. O Brasil, diz ela, perde vantagens competitivas em não universalizar o acesso ao Ensino e melhorar a qualidade da Educação. “Os 50 países com os maiores PIBs do mundo já universalizaram o acesso à Educação, menos o Brasil, que é a sexta economia.

Temos 3,8 milhões de crianças e jovens fora da Escola, o que é escandaloso.” O País tem hoje 98% das crianças matriculadas no Ensino fundamental. No Ensino médio, esse índice cai para 80%. Segundo Priscila, o Ensino médio enfrenta um duplo desafio: sair da estagnação – os números de matrículas não aumentam há dez anos – e se tornar atrativo para os jovens.

 

“De cada 100 Alunos que ingressam no primeiro ano do Ensino fundamental, só 50 concluem o Ensino médio. Eles sofrem com a defasagem que trazem dos anos anteriores e ficam desestimulados.” O empresário Luís Norberto Pascoal, presidente do Grupo DPaschoal, que atua nas áreas de serviços automotivos e agronegócio, foi um dos fundadores do Todos Pela Educação.

Já experiente em programas de incentivo à Educação – Pascoal mantém a Fundação Educar, de apoio ao Ensino público –, o empresário viu no movimento a possibilidade de dar escala aos projetos das entidades do terceiro setor e fomentar políticas públicas mais abrangentes. “Um dos principais desafios, além de colocar emanter o jovem na Escola, será o de capacitar 2 milhões de Professores até 2022. E isso só será possível se abrirmos quatro ou cinco frentes de batalha”, diz Pascoal. “Não teremos um Ensino médio bom se o fundamental tiver carências. Então, a atuação tem que ser integral.”

Terceiro setor se volta para o ensino médio

O chamado terceiro setor – que reúne as organizações não governamentais e sem fins lucrativos, institutos e fundações ligadas a empresas – há tempos elegeu a Educação como área prioritária para suas ações.

De um total de 134 instituições mapeadas pelo Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), 82% investem em programas educativos ou de apoio à Educação pública, segundo estudo concluído em 2010 e que está sendo atualizado. O Ensino fundamental ainda recebe mais de 80% dos investimentos sociais, mas cresce o apoio ao Ensino médio– 75% das entidades direcionam recursos para este fim –e também ao Ensino profissionalizante (39% das instituições).

A atenção ao Ensino médio e profissionalizante não ocorre à toa. O maior déficit educacional brasileiro está concentrado no Ensino médio: de um universo de 3,8 milhões de crianças e jovens que estão fora da Escola hoje, 1,7 milhão se encontra na faixa etária entre 15 e 17 anos– o que representa grave risco para a economia brasileira no médio e longo prazos.

Na prática, alertam especialistas, o Brasil desperdiça o chamado bônus demográfico – situação em que a população economicamente ativa supera a de dependentes, como crianças e idosos. “O maior gargalo da Educação brasileira está, sem dúvida, no Ensino médio. Já estamos desperdiçando o bônus demográfico e colocando sob ameaça os recentes ganhos de mobilidade social e redução das desigualdades registrados nos últimos anos”, afirma Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco – braço social da instituição financeira que em 2008 foi incorporado pelo banco Itaú e investe em projetos voltados para jovens na área de Educação e gestão Escolar.

Para Henriques, que trabalhou nos Ministérios de Assistência Social (2003 a 2004) e Educação (2004 a 2007) e foi um dos responsáveis por desenhar o programa Bolsa Família, o Brasil precisa acelerar o processo de tornar a Escola um ambiente mais atraente para o jovem –e isso passa pela ajuda das organizações não governamentais.

 

“A fronteira educacional avança no mundo e o Brasil está lento. Nossos jovens estão ficando para trás na corrida pelo conhecimento e boas oportunidades de trabalho”, diz Henriques. “Para acelerar esse processo é preciso política pública, mas o terceiro setor pode ajudar com métricas inovadoras e apoio à gestão Escolar para que as iniciativas bem sucedidas ganhem escala.”

Reforço. Um dos programas que Henriques coordena no Instituto Unibanco tem foco no aprimoramento da gestão Escolar no Ensino médio. A ideia é apoiar a gestão da Escola e a capacitação dos Docentes, para que os Professores se dediquem 100% à tarefa de reforçar a aprendizagem dos Alunos. A experiência positiva em Escolas de São Paulo e Minas Gerais fez com que a metodologia utilizada se tornasse política pública: este ano, o instituto assinou um convênio com o MEC para expandir o programa para mais cinco Estados e 3.715 Escolas.

O plano é beneficiar 3 milhões de estudantes até 2016, com melhoria nos índices de aprovação e nos indicadores de qualidade, como o Índice de Desenvolvimento da Educação básica (Ideb). O Instituto Ayrton Senna, que nasceu do desejo do tetracampeão do automobilismo de reduzir as disparidades sociais no Brasil, é outra entidade do terceiro setor cujo trabalho influencia políticas públicas.

Fundado em 1994, logo após a morte de Senna, e gerenciado pela irmã dele, Viviane Senna, o instituto se notabilizou por trabalhar em parcerias com a rede pública de Ensino. Introduziu programas de reforço Escolar – para ajudar Alunos repetentes, em defasagem de aprendizado e com dificuldades no processo de Alfabetização –, gestão Escolar e treinamentos para uso de tecnologia em sala de aula, entre outros.

Em 18 anos, atingiu a marca de 2 milhões de estudantes beneficiados, em 1.300 Escolas em todo o País. “Esse é o trabalho que o terceiro setor pode fazer pela Educação: mostrar que o Ensino público pode ser de qualidade”, diz Inês Kisil Miskalo, coordenadora da área de Educação formal do Instituto Ayrton Senna. Segundo ela, as metodologias utilizadas pelo instituto acabaram se disseminando no boca a boca dos Professores e secretários de Educação.

 

“As boas práticas se espalham entre as Escolas, os Professores vão se apropriando daquele conhecimento e isso acaba contaminando positivamente toda a comunidade”, conta Inês. Há casos de municípios, como a pequena Castelo do Piauí (PI), de 18 mil habitantes, em que a melhoria na Educação pública influenciou a articulação de outras secretarias, como Saúde e Assistência Social, e a uma melhoria ampla nos indicadores sociais, como redução da mortalidade infantil e da gravidez na adolescência.

Ensino profissionalizante. Além do investimento social privado, outra vertente em que as ONGs atuam é no Ensino profissionalizante e capacitação para os jovens entrarem no mercado de trabalho.

Um exemplo é a Espro (Ensino Social Profissionalizante), entidade ligada ao Rotary Clube, que atua na capacitação profissional de jovens desde 1979 e é mantida com recursos da iniciativa privada. Nas unidades de formação, os jovens têm contato com noções básicas sobre o mercado de trabalho e também podem fazer cursos na área de práticas bancárias, varejo, técnicas administrativas, gestão hospitalar, entre outros.

O Espro também funciona como um banco de jovens talentos para as empresas contratarem aprendizes como forma de cumprir a Lei do Aprendiz (nº 10.097/00), que estabelece que todas as empresas de médio e grande portes devem ter no seu quadro de funcionários uma porcentagem de 5% a 15% de aprendizes entre 16 e 24 anos. “O crescimento econômico dos últimos anos ajudou a ampliar os postos de trabalho, mas o acesso ao primeiro emprego ainda é difícil para a maioria dos jovens”, afirma Marinus Jan van der Molen, superintendente executivo do Espro. Com dez centros de formação só na cidade de São Paulo e sete filiais nas principais regiões metropolitanas, o Espro já auxiliou na formação de mais de 60 mil jovens.

 

Educação ferramenta para o desenvolvimento

O Brasil corre para não perder espaço no cenário mundial. O governo anuncia planos para estimular a economia. Os juros nunca estiveram tão baixos.

Para manter o crescimento, porém, falta um elemento essencial: mão de obra qualificada. Investir em inovação e Educação profissionalizante é fundamental para aumentar a produtividade. O tema foi debatido no terceiro encontro da série Fóruns Estadão Brasil Competitivo, promovido pelo Grupo Estado em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Apenas 6,6% dos jovens brasileiros de 15 a 19 anos estão matriculados em Escolas de Ensino médio profissionalizante, afirmou o presidente do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Rafael Lucchesi. Na avaliação dele, esse porcentual é muito baixo se comparado à média de 42% dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O desafio fica ainda maior quando considerada a necessidade de o Brasil formar 7,2 milhões de profissionais de nível técnico até 2015. Diante desse quadro, especialistas apontam que a valorização do diploma universitário em detrimento do Ensino técnico chega a ser prejudicial para o desenvolvimento do País –mesmo o Brasil tendo irrisórios 15% de jovens ingressando no Ensino superior.

 

“Temos problemas antigos de capacitação de mão de obra que se devem à cultura bacharelesca, à ideia de que apenas um diploma de Ensino superior seja capaz de garantir uma boa carreira profissional”, disse James Wright, Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo e coordenador do Programa de Estudos do Futuro da Fundação Instituto de Administração da USP.

Nesse cenário, porém, existem iniciativas importantes do governo e da iniciativa privada. Odebrecht e Embraer, por exemplo, têm experiências bem-sucedidas. “No Colégio Embraer Juarez Wanderley, há módulos de pré-engenharia nos quais os Alunos têm a oportunidade de conhecer a área antes de ingressar num curso superior. É uma forma de motivação”, disse Emilio Matsuo, engenheiro chefe da Embraer.

Este caderno especial é um convite ao aprofundamento do debate sobre um tema fundamental para que a economia brasileira mantenha a posição de destaque que conquistou nos últimos anos e aumente sua competitividade diante dos concorrentes globais.

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