Talentos sobrevivem ao mau ensino

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Os alunos brasileiros têm péssimo desempenho em matemática. As notas médias vão caindo a cada série, um grande número de estudantes ignora técnicas algébricas simples de resoluções de equações e outros não conseguem resolver questões que exigem conhecimento mínimo da disciplina.  
 
Esse quadro, desalentador, já era um pouco esperado pelos organizadores da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. A surpresa foi constatar que ao menos 30 mil alunos se destacaram, muitas vezes, em situações adversas. São, na definição da vice-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, Suely Druck, talentos individuais que resistem ao péssimo ensino público ou alunos que foram motivados por bons professores. Às vezes, há a soma desses dois fatores. Foi o que aconteceu com os irmãos Luís Paulo Carvalho, 12, e Luís Fernando Carvalho, 15. Filhos da empregada doméstica Rosimar Gonçalves, 46, o mais velho ficou entre os 2001 melhores alunos do país e, por isso, ganhará uma bolsa do CNPq. O menor ganhou menção honrosa por ficar entre os 30 mil melhores. Num universo de 10,5 milhões, estão entre os 0,3% melhores estudantes.  
 
Em casa, apesar das dificuldades, eles receberam apoio da mãe. Com R$ 500 de seu salário, ela sustenta, sozinha, os dois e uma filha de sete anos. Na maior parte do tempo, os filhos ficam sozinhos em casa. “Sei que o dinheiro é pouco, mas, enquanto eu existir, meus filhos só vão trabalhar quando forem homens. O sonho do mais velho é ter um computador, mas eu explico sempre que não dá para comprar muita coisa porque o mais importante é garantir comida“, conta a mãe.  
 
Os dois também aproveitaram bem a oportunidade de serem alunos do professor Luiz Felipe Lins na Escola Municipal Silveira Sampaio, em Curicica (zona oeste do Rio). Ex-aluno da escola onde hoje ensina matemática, desde 2005 Lins dedica seus sábados a preparar as crianças para a olimpíada. Ele não ganha nada a mais por isso e os alunos não são obrigados a comparecer. Mesmo assim, a turma encheu e, como resultado, a escola foi considerada no ano passado a melhor da rede municipal do Rio, com 21 alunos premiados. “A escola em que eu estudei, há 20 anos, era para poucos. Apesar de pobres, os alunos vinham de famílias estruturadas. Hoje, essa mesma escola recebe todo tipo de criança. Muitos estão aqui só porque o pai recebe Bolsa-Família ou Cheque Cidadão [programa de renda do governo do Rio]. É por isso que nosso desafio é maior“, afirma.  
 
Para Lins, a olimpíada de matemática é uma maneira de mostrar para as crianças que elas podem se destacar não só no esporte ou na música. Situação ainda mais adversa foi superada por Paulo Ramos, 17, que ganhou medalha de ouro na prova, concedida aos 300 melhores entre os 10,5 milhões. Aluno de uma escola pública de Brasília, Paulo é portador de artrite reumatóide. Por isso, utiliza cadeira de rodas, não enxerga e ouve com dificuldade.  
 
“Ele sempre foi bom aluno, mas só descobri que era tão bom em matemática agora“, afirma a mãe, Maria Santos. Paulo também contou com a ajuda dos seus professores, mas diz que nem sempre foi assim. “Em outra escola, os professores não sabiam bem o que fazer e eu me atrasei bastante“, diz. Assim como Paulo, outros portadores de algum tipo de deficiência tiveram bom resultado. De 338 que se inscreveram, 157 (46%) passaram para a segunda fase -em que participam os 5% com melhores notas- e 24 foram premiados.  
 
 
 
Escola chega a vetar teorema de Pitágoras  
Folha de São Paulo 
 
O grande número de alunos e professores que participaram voluntariamente das olimpíadas de matemática do ano passado permitiram ao Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e à SBM (Sociedade Brasileira de Matemática) ter um panorama de como anda o ensino da disciplina no país.  
 
Além de premiar alunos, a competição (organizada também pelos Ministérios da Educação e Ciência e Tecnologia) destaca os melhores professores, que recebem curso de aperfeiçoamento no Impa, no Rio. Esse contato dá pistas de por que o ensino de matemática é ruim no país. “Há uma interferência indevida de gestores mal-qualificados na definição de metodologias e conteúdos de matemática no Brasil. Um dos professores que participaram da olimpíada nos contou que, na rede dele, chegaram a proibir o teorema de Pitágoras porque era algo velho demais. Como o aluno vai aprender matemática sem conhecer o teorema?“, afirma Suely Druck, vice-presidente da SBM.  
 
Outro ponto que a SBM e o Impa apontam como entrave é o fato de a carreira de professor ser pouco atrativa para quem se forma em matemática. A maioria, diz Druck, vai trabalhar em bancos ou em áreas onde seu conhecimento é mais valorizado. Para o diretor do Impa, César Camacho, o Brasil paga caro por não investir mais na educação tecnológica.  
 
“O país não dará um salto de desenvolvimento se não tiver recursos humanos qualificados na área de engenharia, por exemplo. Até países com mais complicadores do que o Brasil, como a Índia, estão investindo mais rápido no setor“, afirma. As inscrições para a olimpíada deste ano vão até sexta-feira. No mesmo dia, alguns vencedores da competição do ano passado receberão das mãos do presidente Lula as medalhas. Mais informações podem ser obtidas no site www.obmep.org.br.  
 
Professor da USP – Em São Paulo, desde 1977 um professor da USP revela alunos com alto potencial em matemática e os encaminha, muitas vezes por conta própria, para colégios particulares. A atuação de Shigeo Watanabe, 81, começou quando o pai de um dos vencedores da Olimpíada Paulista de Matemática disse que seu filho deixaria de estudar para trabalhar.  
 
 
 
Matemática não é só para gênios, diz educador  
Folha de São Paulo 
 
Ganhador em 2006 da medalha Felix Klein, do Comitê Internacional de Educação Matemática, o professor da PUC-SP Ubiratan D´Ambrosio vê nas olimpíadas uma excelente oportunidade para identificar e estimular talentos, mas diz ser mais importante tratar da massa de estudantes que não gostam e não vão bem na disciplina.  
 
Segundo ele, há o risco de esses estudantes que não receberam prêmios se sentirem inferiores ou perdedores. “Uma boa educação deve atingir todos, e não apenas alguns. Para esses alguns, tem que haver estímulo para que voem o mais alto possível. Essa é a função das olimpíadas. Para os demais, é importante evitar a frustração e a perda de auto-estima“, diz.  
 
Para o educador, é possível fazer a disciplina mais acessível para a maioria, ensinando uma matemática “interessante e gostosa“, que não seja “seca, árida ou difícil como a que é ensinada hoje nos cursos tradicionais“. “O fazer matemático, em doses acessíveis, não dá indigestão. Não é coisa só para gênios.“  

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