Só 1/3 do ensino particular é adequado

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O diagnóstico do quadro precário da educação brasileira costuma ser feito olhando-se só para as escolas públicas. No entanto dados tabulados a pedido da Folha pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do MEC, mostram que a situação dos alunos de escolas privadas no ensino básico também não é satisfatória.

Apenas 27,6% dos alunos da rede privada que fizeram as provas de matemática e de língua portuguesa do Saeb (exame do MEC que avalia a qualidade da educação) tiveram desempenho considerado adequado pelo ministério. Comparando com o desempenho da rede pública, o resultado pode parecer uma maravilha -a porcentagem de alunos no nível adequado nas públicas foi de 3,7% no teste de língua portuguesa e de 2,1% no de matemática.  

Para o presidente do Inep, Eliezer Pacheco, porém, os resultados são preocupantes: “Os alunos de escolas particulares, em sua maioria, têm muito mais acesso a bens culturais do que os da rede pública. Se a clientela desses estabelecimentos é de pessoas de nível socioeconômico muito mais favorável ao aprendizado, esse resultado é motivo de preocupação“.

Para Pacheco, é preciso sempre levar em consideração na comparação do resultado entre colégios públicos e particulares que o perfil do aluno é muito diferente. “A desigualdade no rendimento dos alunos das públicas e das privadas é muito mais reflexo da realidade econômica do que indicador de um nível de aprendizado. A maior parte do aprendizado é explicada por fatores extra-escolares“, diz.

Os resultados do Saeb, divulgados neste mês, mostraram que, pela nota média obtida na prova de língua portuguesa dos alunos de todas as redes da 4ª série do ensino fundamental, a maioria é capaz de achar informações explícitas em textos narrativos mais longos e em anúncios de classificados, mas não compreende textos mais complexos e informativos.  

Para o educador Ruben Klein, não há dúvida quanto ao fato de o nível socioeconômico do estudante explicar boa parte do sucesso ou do fracasso escolar.

Ele diz, porém, que análises feitas nos resultados do Saeb de anos anteriores mostram que o desempenho do aluno da rede privada é melhor mesmo quando são comparados estudantes com o mesmo nível socioeconômico.

Todos os educadores ouvidos pela Folha lembram que é preciso ter em mente que, mesmo no setor privado, as escolas podem ser muito diferentes. Há desde escolas que atendem só uma elite econômica até instituições que cobram mensalidades bem mais baratas, tentando atrair pais insatisfeitos com a rede pública.

Rose Neubauer, ex-secretária estadual da Educação de São Paulo e pesquisadora do Instituto Protagonistes, diz que a troca da escola pública por uma privada de mensalidade muito baixa pode não resultar na melhoria do aprendizado. “Quando o ensino privado é muito barato e ainda tem que ter lucro, pode não ser melhor do que o da rede pública.“

Mas ela diz que há fatores que podem fazer do ensino privado melhor do que o público mesmo em escolas mais baratas. “Um professor da rede pública pode faltar a várias aulas e, mesmo assim, dificilmente será mandado embora. Na rede privada, isso é mais difícil de acontecer.“
 
Para Ruben Klein, mesmo nas escolas mais caras há alunos com bom e mau desempenho: “Mesmo nas escolas boas, nem todo mundo sabe matemática da maneira como ela é exigida. Tanto é assim que nem todos os alunos, mesmo dos melhores colégios, passam no vestibular“.

O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo, José Augusto Mattos Lourenço, contesta o resultado: “Não acredito que a escola particular esteja num patamar tão baixo como o demonstrado. Mesmo assim, é preciso levar em conta que há escolas com tecnologia de ponta e outras que não têm condições de oferecer essa estrutura aos alunos“.

Para Neubauer, é preciso discutir se os padrões de desempenho considerados adequados pelo Saeb não são quase impossíveis de serem atingidos. Pacheco, do Inep, defende o nível de dificuldade da prova: “Esse rigor é um instrumento importante para a melhoria da qualidade do ensino“. 
 
Elite brasileira também tem resultado fraco  
Folha de São Paulo, da Sucursal do Rio 
 
A comparação do desempenho de estudantes da elite brasileira com o de alunos mais ricos de países desenvolvidos é outro indicador que mostra que o ensino básico recebido pelas classes mais altas no Brasil pode deixar muito a desejar.

Estudo divulgado em 2000 pelo pesquisador Creso Franco, do Departamento de Educação da PUC do Rio, mostrou que os alunos mais ricos do Brasil tinham desempenho inferior aos de maior renda da Espanha, EUA, Rússia, França, Portugal, Coréia do Sul e México.

A comparação do desempenho foi feita a partir dos resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), exame internacional realizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que permite confrontar as notas de alunos que fizeram um mesmo teste em vários países.

O estudo mostrou que o Brasil teve o menor percentual de alunos da elite com notas que os colocam nos dois níveis mais avançados de aprendizado do Pisa (há seis níveis). Só 21% dos alunos mais ricos no Brasil estavam nesses dois níveis. França (57%), Coréia do Sul (55%), Estados Unidos (53%), Portugal (48%), Espanha (46%), Rússia (33%) e México (27%) tiveram desempenho superior.

Para fazer a comparação, Franco separou o grupo dos estudantes brasileiros que fazem parte dos 7% de maior renda da amostra (o mesmo corte foi feito no México) e comparou com o grupo de estudantes que compõem os 25% mais ricos dos países desenvolvidos.

A fatia da elite no Brasil e no México é menor (7%) do que nos demais países comparados (25%) para evitar distorções. Como em países desenvolvidos há um maior número de pessoas com padrão de vida elevado, a comparação do mesmo percentual poderia ser desfavorável para Brasil e México porque, nesses dois países, haveria muito mais estudantes de menor renda entre os 25% mais ricos. 
 
 
Ranking confirma desempenho ruim  
Folha de São Paulo, da Sucursal do Rio 
 
Dados de um ranking de escolas elaborado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) com base no desempenho dos colégios em seu vestibular confirmam a tese de que estudar numa escola privada não significa, necessariamente, que o aluno terá uma educação melhor do que a que receberia na rede pública.

A UFRJ costumava divulgar um ranking elaborado a partir da nota média dos estudantes de cada escola em seu vestibular. O último ranking a ser divulgado em seu site é referente a 2000 e mostra que a maioria das escolas que mais aprovam é privada. O levantamento mostrou também, no entanto, que há um número significativo de colégios pagos entre as últimas colocadas.

Das 20 instituições com melhor desempenho, 18 são particulares. Essas escolas são instituições privadas com mais tradição e que atendem, com raras exceções, apenas a elite econômica e intelectual carioca.

A análise das 20 escolas com pior desempenho mostra que metade delas também é privada, incluindo as quatro últimas colocadas. Essas instituições tiveram em 2000 desempenho no vestibular muito inferior do que a média das escolas públicas. Nesse ano, 283 instituições tiveram alunos inscritos no vestibular da UFRJ.

Para o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro, José Antônio Teixeira, a desigualdade entre as escolas particulares não acontece apenas numa mesma cidade, mas também nacionalmente.

Estudantes de três escolas particulares do Rio poderão começar o ano estudando física por um assunto diferente. Se trocarem de escola no meio ano, provavelmente ficarão com um déficit em algum assunto. Essa diferença acontece numa mesma cidade, mas, também, entre Estados“, diz Teixeira, que defende a existência de um conteúdo mínimo para todos os alunos do país que dê espaço às diferenças regionais.

Teixeira afirma também que há uma parcela significativa de estudantes da rede privada que tem o mesmo perfil do aluno da escola pública. São estudantes que, com muita freqüência, são transferidos da escola privada para a pública e vice-versa. 
 
Reprovado no Saeb passa no Saresp  
Folha de São Paulo ,Cláudia Collucci e Fábio Takahashi  
 
Apenas 1,8% dos alunos do 3º ano do ensino médio estadual de São Paulo tem desempenho considerado adequado em língua portuguesa, segundo dados do Saeb 2003 (avaliação nacional do Ministério da Educação).

Para o Saresp 2003 (avaliação feita pelo governo de São Paulo), mais de 70% dos alunos da mesma série tiveram bom desempenho: 70% acertaram mais de 50% das 45 questões das provas objetivas e 78% tiveram nota acima de 5 na prova de redação.

Ainda que o número de alunos avaliados e a metodologia dos exames sejam diferentes, o que impossibilita comparações, a discrepância entre os resultados é muito grande, na opinião dos educadores da própria rede.

As diferenças se repetem nas demais séries avaliadas pelos dois sistemas. “Os professores ficaram muito surpresos com os resultados do Saresp. Parece o mundo da fantasia“, diz Carlos Ramiro de Castro, presidente da peoesp (sindicato dos professores da rede estadual). Para ele, os números do Saeb estão mais próximos da realidade das salas de aula do ensino básico.

A assessoria de imprensa da Secretaria Estadual da Educação afirma que não é válida a comparação entre os dois exames, por possuírem métodos e aferições diferentes. A divulgação do Saresp foi parcial, restringindo-se aos resultados positivos do teste.

Até 2003, o Saeb foi aplicado para cerca de 300 mil alunos em todo o país, por amostragem, na 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e na 3ª do ensino médio (dos sistemas público e particular).

Já o Saresp, feito pela Fundação Carlos Chagas ao custo de R$ 9,9 milhões, foi realizado por 4.274.404 alunos (89,4% do total) de todas as séries do ensino básico do Estado. Não foi informada qual a distribuição dos alunos nas faixas de aproveitamento. Os dados apresentados juntaram os alunos que acertaram de 50% a 100% da prova. Segundo o secretário da Educação, Gabriel Chalita, a metodologia utilizada foi opção da Fundação Carlos Chagas.  

O diretor de educação básica do Inep (instituto de pesquisas do Ministério da Educação), Carlos Henrique Araújo, classificou como “horrível“ os resultados apresentados pelos alunos do ensino médio de São Paulo no Saeb.

Para atingir o estágio adequado na 3ª série do ensino médio, o estudante precisa acertar 350 pontos, dos 500 do total (70%). Nesse nível, o aluno sabe distinguir, por exemplo, opiniões diferentes em dois textos sobre o mesmo tema.

“Não deveríamos ter aluno no crítico e muito crítico. Nessa situação, eles não absorveram quase nada do aprendizado“, diz. 

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