São Paulo quer mais português e matemática e menos panfletagem nas escolas

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

Com sotaque paulistano e perfil empresarial marcado pela liderança na Multilaser Industrial, onde atuou por 15 anos, o secretário de Educação do estado de São Paulo do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) assumiu a pasta com metas ambiciosas para o ensino público. Após quatro anos como secretário de Educação do Paraná no primeiro governo de Ratinho Junior (PSD), período o qual conseguiu elencar em 2021 o estado no 1º lugar do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do Ensino Médio, Renato Feder não tem planos menores para a rede de São Paulo.

“Vamos buscar o primeiro lugar. A grande visão é apoiar a sala de aula. A gente dá 600 mil aulas, precisamos que elas sejam boas e para isso precisamos apoiar o professor. E aí é uso de computador, formação de professores, material digital, prova com devolutiva rápida, matemática significada. Tudo isso para o aluno conseguir aprender mais, e aí conseguir o primeiro lugar no Ideb”, diz ele de seu gabinete, onde funciona a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

O casarão histórico no centro da cidade de São Paulo abrigou, entre os anos 1890 e 1970, a escola Caetano Campos, que foi símbolo da revolução do ensino público no Brasil e teve alunos ilustres como Sérgio Buarque de Holanda, Mário de Andrade e Cecília Meireles, tendo sido referência de qualidade escolar em uma época em que o ensino público tinha tanta ou mais qualidade que o ensino particular.

Com traços marcantes do arquiteto Ramos de Azevedo, o edifício que os preserva hoje paradoxalmente sedia equipes que tentam resgatar o nível do ensino público que ficou para trás. Dados compilados em janeiro pela organização da sociedade civil Todos Pela Educação mostram que, em 2019, apenas 43,4% dos alunos de São Paulo concluíram o Ensino Médio com aprendizagem adequada em Língua Portuguesa, enquanto somente 11,7% tiveram esse êxito em Matemática. Os números estão acima da média nacional, mas ainda muito distantes dos índices de referência mundial.

Ideologia no ensino público

Os planos do secretário de Educação de São Paulo em relação à doutrinação, tanto política quanto sexual dos alunos da rede, é não chamar atenção para estas pautas e sim focar nas matérias que devem ser ensinadas ao longo do ano letivo. “Não vamos abordar esquerda, direta, escola sem partido. É óbvio que isso acontece na escola, mas quando a secretaria tenta colocar isso como política, se joga tanto holofote nessas questões que a Matemática e a Língua Portuguesa ficam para trás”, diz ele. “Nosso foco é matemática, português, redação, e essas questões não vamos abordar como política e como estado indutor”, complementa.

Contratação e remuneração de professores

Um dos maiores desafios que Renato Feder encontrará na rede paulista para a qualidade do ensino público é a contratação de novos professores. Isso porque há cerca de nove anos o estado não abre concurso público e, para acompanhar a necessidade de expansão do quadro de docentes, principalmente diante da implementação do ensino em tempo integral, optou-se pela contratação de professores temporários.

Dados do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) mostram que quase 50% dos 204 mil professores das escolas públicas do estado estão em regime temporário. O governador Tarcísio anunciou concurso público para 15 mil vagas neste ano e fontes no governo afirmam que o objetivo é publicar o edital ainda neste primeiro semestre. O objetivo anunciado é realizar concursos todos os anos, aumentando as vagas para 20 mil no ano que vem. “No final da minha gestão quero ter muito menos temporários que temos hoje”, diz Feder.

Em relação aos salários, este mês passará a valer o ajuste de 15%, em média R$ 700 a mais, para 109,5 mil professores da rede que recebem menos de R$ 4.420,55 pela jornada de 40 horas semanais, medida tomada para adequar a remuneração dos docentes do antigo plano de carreira retroativamente a janeiro ao piso nacional. Já para os demais professores, como os que optaram pela nova carreira, cuja remuneração inicial é de R$ 5 mil, aprovada no ano passado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), a Secretaria estuda critérios para instituir os aumentos.

“Os professores estão aos poucos aderindo à nova carreira. Não terminamos de estabelecer como vai ser essa progressão, estou conversando com eles para ver quais serão os critérios. Na carreira antiga basicamente ocorre uma progressão quase automaticamente por tempo, com regras que eliminam a correção caso o professor falte muito. Estamos conversando com a rede para ver quais serão os critérios e então vamos publicar um decreto, sem precisar passar pela Assembleia, com as condições para a progressão dos professores”, diz Feder.

Disciplinas no ensino integral e no Novo Ensino Médio

Além do desafio de contratar mais professores, a nova gestão quer diminuir o número de disciplinas ofertadas no Programa de Educação Integral (PEI) e no Novo Ensino Médio. Desde que esses novos modelos foram instituídos, as disciplinas ofertadas nos anos finais se multiplicaram, porém, na avaliação de Feder, o professor não tem qualificação para lecionar tantas matérias. “Os nomes são lindos. Tem direitos humanos, artes de todos os tipos, jornalismo, urbanismo. É muito bonito dar essas disciplinas na escola pública, mas o professor não sabe dar essa aula”, opina ele.

“Hoje a Secretaria não está dando apoio nenhum ao professor. Pelo que eu e meu time escutamos da rede até agora, o Novo Ensino Médio se abriu demais e a qualidade do que está sendo ofertado é ruim. Devemos propor uma diminuição desse catálogo para entregá-lo com mais qualidade”, defende Feder. Diminuir essas disciplinas, entretanto, é um ponto delicado na rede.
“Queremos priorizar algumas coisas, por exemplo oratória e liderança do lado das humanas e empreendedorismo e robótica do lado das exatas. Estamos ainda discutindo com a rede, mas a gente indica que entre empreendedorismo. Só que vamos treinar todos os professores, dar todo o material, ter provas, oferecer isso pronto como um apoio”, planeja o secretário.

Parcerias Público Privadas

Já em relação à participação da iniciativa privada na rede estadual, a ideia da Secretaria de Educação é realizar parcerias de serviços como manutenção de prédios. Na semana passada, ao anunciar 15 Parcerias Público Privadas (PPPs) no estado, o governador Tarcísio incluiu a adequação de escolas a um valor de R$ 5 bilhões para a primeira fase do projeto, que contemplará 500 escolas – o que corresponde a 10% da rede –, e poderá chegar a R$ 52 bilhões com a inclusão de novos estabelecimentos.

“Não temos intenção de fazer parceria privada pedagógica, mas sim da parte de serviços como manutenção de computadores, encanamento, vazamento, obras, reformas”, diz Feder. No final do ano passado, o chamado “Projeto Parceiros na Escola” buscou realizar iniciativa semelhante com um projeto piloto em 27 escolas do Paraná. Após consulta pública com cada uma das escolas, porém, apenas duas quiseram aderir ao modelo que visa contar com a iniciativa privada para fazer a gestão administrativa da escola por um valor de R$ 800 por aluno.

Tecnologia para melhoria do ensino público

Alguns dos pilares do plano de Feder pretendem contar com o uso da tecnologia para agilizar o dia a dia na escola e permitir ações mais eficientes dos professores e dos diretores, como diminuir a evasão escolar. “É uma ambição muito grande, nunca aconteceu isso em São Paulo. Queremos praticamente zerar a evasão escolar”, planeja Feder, citando os dados mais recentes do Inep, de 2021, que apontam que 4% dos alunos do Ensino Médio não concluíram os estudos, índice alto, mas ainda melhor que a média brasileira, de 5%.

Esse trabalho será feito por meio do aprimoramento do aplicativo Diário de Classe. Os professores já utilizam uma plataforma para fazer a chamada dos alunos, porém os diretores só recebiam esse relatório sobre os alunos faltantes no final do bimestre, podendo ser tarde demais para impedir a evasão escolar, uma vez que ela se inicia a partir de faltas que vão ficando cada vez mais frequentes.

A ideia é que o diretor passe a receber o relatório dos alunos presentes e ausentes na manhã do dia seguinte da chamada, de maneira que possa verificar mais agilmente os motivos das faltas. “Esse é um pilar e quando eu converso com os diretores eles piram, falam que não conseguem ver quais alunos vêm ou não porque têm uma escola grande com 800, mil alunos, e recebem o relatório da chamada no final do bimestre. Agora ele vai receber no dia seguinte, 5h da manhã ele já vai ver”, diz Feder, com entusiasmo.

Além disso, o secretário pretende agilizar as provas do ano letivo. A ideia é realizá-las em um dia certo para auxiliar a organização da escola e diminuir o tempo em que o resultado retorna ao aluno. “Às vezes, a devolutiva demorava muito, um mês depois da realização da prova e as escolas querem recebê-la já no dia seguinte. Com isso ,os professores conseguem ver de maneira mais clara o que os alunos aprenderam ou não”, afirma.

Outro pilar é usar um sistema que ajude os alunos a fazerem redação com o uso de inteligência artificial, iniciativa que também foi implementada na rede do Paraná. “Ainda não é o ChatGPT, mas basicamente um robô de português que não corrige a redação para o aluno, mas o ensina a deixá-la gramaticalmente perfeita. Depois disso feito, o professor corrige a parte de lógica e de argumentação da redação, o que facilita muito o trabalho do professor”, defende Feder.

O secretário também cita como objetivo a mudança do material didático das escolas. Entre as alterações está a unificação do material, que atualmente é composto por editoras diferentes em cada escola e não atendem as necessidades dos professores, na análise de Feder. “Não tem um material digital do estado de qualidade, a escola vota naquele livro e ele deve ser usado por quatro anos. Tem um material do estado que é muito teórico e os professores acham que têm poucos exercícios”, diz ele.

Um ponto controverso é a substituição do material impresso pelo digital. “A gente quer um material digital que não gasta dinheiro, que o professor possa receber no celular dele. Como todas as escolas em São Paulo têm televisão, o professor apresenta na tela a aula com Power Points editáveis, um material digital com exercícios, interatividade e vídeos”, diz Feder. Essa ideia pode, no entanto, dificultar o acesso dos estudantes ao material, uma vez que muitos não têm renda suficiente para possuírem celulares ou computadores pessoais de qualidade.

Para contornar essa limitação, o secretário afirma que os estudantes podem utilizar o computador da escola. “Ele pode usar o laboratório de informática para acessar depois da aula ou em tempos de estudo orientados, no caso das escolas de tempo integral. O aluno tem bastante tempo para usar o computador na escola dele”, diz Feder. Sabe-se, porém, que muitas escolas possuem acesso limitado aos computadores e à internet de qualidade, o que pode prejudicar o acesso dos estudantes.

Dados dos últimos seis meses da plataforma Conectividade da Comunicação, da instituição privada e sem fins lucrativos NIC.br, mostram que 96,7% da rede estadual possui conectividade à internet, porém de uma amostra de 3.694 que possuem medidores, que representam 63,5% das escolas da rede, apenas 1,46% possuem velocidade considerada ótima. A maioria possui internet considerada ruim (58,2%) ou péssima (3,11%), com menos de 1.000 kbit/s/aluno.

Ensino público profissionalizante

Outra intenção da nova gestão é investir em escolas profissionalizantes, um desejo forte do governador Tarcísio. Números apresentados por Feder apontam que só 9% dos estudantes da rede estadual estão na educação profissionalizante oferecida pelas Escolas Técnicas do estado, conhecidas como Etecs. Apesar da baixa porcentagem, mais de 50% dos estudantes gostariam de aderir a esse tipo de ensino público profissionalizante no Ensino Médio. Além disso, em regiões desenvolvidas como a Europa, esse tipo de educação corresponde a aproximadamente 50% da rede de ensino público.

“Queremos ofertar o ensino profissionalizante dentro da escola pública com qualidade e ampliação. Hoje só temos 80 mil alunos e queremos passar para 100, 200, 300, mais de 400 mil jovens no ensino profissional”, almeja Feder. A estratégia para este aumento consiste em transformar em ensino técnico uma classe entre as já existentes nas escolas regulares, sem ter de transformar a escola toda em Etec. “Assim eu consigo uma capilaridade muito maior para atender uma demanda gigante dos alunos e pulverizar a educação profissional da mesma forma como a Europa faz. Teríamos de contratar professores específicos para as disciplinas como administração, programação e enfermagem”, diz ele.

Sistema de meritocracia

Quanto aos sistemas de meritocracia que podem atribuir bônus à professores de escolas que cumprirem metas, o secretário de Educação afirmou que já existem programas, porém são confusos e a ideia seria aperfeiçoá-los. “Temos remuneração por resultado, mas infelizmente ainda são sistemas confusos.
Quando se conversa com os professores, não está claro para ele porque ganhou “x” ou “y” valor. Queremos arrumar e deixar muito claro desde o começo qual é a meta”, propõe ele.

Publicado por Luisa Purchio – Gazeta do Povo em 12/03/2023.

Menu de acessibilidade