Revisão de livros didáticos deve levar em conta a inserção de narrativas da população silenciada

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O revisionismo é o ato de revisar algum conteúdo, alterando-o na maioria das vezes. Quando colocado na pauta dos livros didáticos, a forma de formulação, além dos temas abordados, precisa ser repensada. “A parte metodológica desses livros, conteúdos e métodos tem sido mudada com muita falta de cuidado, ou se não com muito cuidado, para implementação de um ensino de caráter mais técnico”, comenta Circe Bittencourt, doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. “Há também uma posição política contrária à interferência de professores, de intelectuais que trabalham na área de educação, nas diferentes disciplinas e na entrada de novos sujeitos, principalmente nesse último governo [de Jair Bolsonaro]”.

A professora Carlota Boto, da Faculdade de Educação da USP, acrescenta: “O revisionismo tem que ser feito a partir de uma interpretação progressista da história, de uma interpretação que possa fazer jus aos povos que foram oprimidos, a parte da população que foi subalternizada e que foi silenciada por parte de processos de opressão e de violência. É necessário que haja uma revisão desses conteúdos, de modo que possa haver essa reparação por parte da memória que se constitui a partir desses fatos“.

Modelo

Circe descreve o modelo dos livros didáticos atuais como tecnicista, ou seja, uma formação focada mais no mercado do que no conhecimento a ser adquirido pelo aluno: “As disciplinas estão se transformando em disciplinas de formação para o mercado mesmo. Esses métodos são agora tecnicistas. O aluno lembra o texto, aprende apenas o essencial para responder a testes”.

Ela ainda coloca como “catequético” o modelo: “As análises dos livros didáticos hoje são extremamente simplificadoras do conhecimento. É uma simplificação porque não desenvolve a capacidade do aluno de pensar. Eu, que estudei muito a história dos livros didáticos: como eram os exercícios ? Quem descobriu o Brasil? Pedro Álvares Cabral. Em que ano foi descoberto o Brasil? Ai, você responde. Esse é o método catequético”.

Conteúdo

Durante o governo Bolsonaro, uma mudança no edital de compra de livros didáticos foi notícia, já que deixava de exigir dos novos materiais a concordância com a agenda da não violência contra as mulheres, promoção das culturas quilombolas e dos povos do campo. A alteração foi anulada e a culpa, colocada no governo anterior.

A representatividade das parcelas da população que são apagadas da história é fundamental na hora de revisar os livros didáticos: “Eu penso que, hoje, mais importante do que a revisão de conteúdos curriculares já trabalhados, é a inserção de novas narrativas, de novos conteúdos que contem outras histórias dos povos e das populações silenciadas. É preciso abordar no currículo ‘o silêncio dos vencidos’, a expressão é do Edgar de Decca, e é importante nós trabalharmos essa dinâmica, que é composta por luta e por resistência. É preciso que as histórias vencedoras sejam confrontadas e sejam substituídas, eventualmente, pelos gritos dos excluídos. É nesse sentido que é importante o currículo ser redimensionado”.

Além do acréscimo de narrativas das parcelas silenciadas, a revisão não apenas terminológica, mas também de conceitos, é outro tópico a ser analisado no âmbito do revisionismo dos livros didáticos: “É muito importante uma revisão dos significados que estão na base dos conceitos e das interpretações acerca de diferentes fenômenos e fatos históricos. Por exemplo, a palavra índio é uma palavra equivocada e a palavra indígena é uma palavra socialmente construída e que tem um significado muito mais amplo do que a primeira. Assim como a substituição da palavra revolução pela palavra ditadura. Isso tem sido feito há algum tempo nos livros didáticos, então a ideia da ditadura de 1964 já tem aparecido e a palavra revolução já é revogada, por assim dizer”. Embora o último exemplo seja real, durante o governo Bolsonaro, o filho do presidente e também deputado, Eduardo Bolsonaro, incitou o revisionismo do período ditatorial retratado pelos livros didáticos.

Publicado por Jornal da USP em 30/01/2023.

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