Especialistas consultados pelo PublishNews nos últimos dias apontam alguns desafios evidenciados pela mais recente edição da Pesquisa Retratos da Leitura, divulgada na última terça (19): reverter o declínio da prática de leitura em sala de aula, tornar os livros mais acessíveis e pensar coletivamente o caráter socioeconômico da leitura, entre outros.
Pela primeira vez na série histórica, a proporção de não-leitores é maior do que a de leitores na população brasileira: 53% das pessoas não leram nem parte de um livro – impresso ou digital – de qualquer gênero, incluindo didáticos, bíblia e religiosos, nos três meses anteriores à pesquisa.
“Esse panorama convida à reflexão sobre os múltiplos papéis da leitura: na educação formal, no desenvolvimento do pensamento crítico, na promoção da criatividade e no fortalecimento da identidade e do exercício da cidadania”, analisa o presidente do Itaú Cultural, Eduardo Saron. O instituto é parceiro da Pesquisa, elaborada pelo Instituto Pró-Livro, aplicada pelo Ipec e coordenada pela socióloga Zoara Failla.
“Na educação formal, a leitura é a base do aprendizado, ampliando o vocabulário, aprimorando a capacidade de compreensão textual e desenvolvendo habilidades para articular ideias”, prossegue Saron. “No campo do pensamento crítico, ela fornece ferramentas para que os leitores questionem, interpretem e analisem informações de forma independente, algo indispensável em um mundo repleto de dados e narrativas concorrentes. Já no âmbito da criatividade, a leitura desperta a imaginação, possibilitando a criação de novas ideias e soluções inovadoras para desafios complexos. Esses três pilares – educação, pensamento crítico e criatividade – tornam evidente o papel transformador da leitura no desenvolvimento individual e coletivo”.
Para ele, é urgente reverter o declínio da prática da leitura em sala de aula, que caiu de 35% em 2007 para apenas 19% atualmente, o menor índice já registrado na série histórica. “Essa tendência, agravada pelas desigualdades regionais no acesso à leitura, representa um entrave significativo para o progresso do país em atender às demandas do presente e preparar as futuras gerações”, afirma.
O subdiretor geral do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e o Caribe (Cerlalc-Unesco), Francisco Thaine, elogia a qualidade da pesquisa brasileira. “No primeiro semestre deste ano, realizamos no Cerlalc uma comparação detalhada das pesquisas de comportamento do leitor na Ibero-América. A análise mostra que a Retratos da Leitura é um dos estudos estatísticos mais destacados da região. As razões são várias. Se trata de um estudo rigoroso e com uma série histórica suficientemente ampla e de aplicação regular que permite estudar em detalhes as variações nas práticas de leitura da população brasileira”, explica.
Um exemplo nesse sentido é a pergunta dedicada a identificar outras práticas culturais adotadas pelas pessoas, sejam leitores ou não. “A análise assinala que ‘as pessoas leitoras’ têm um repertório variado do uso do tempo livre, muito mais diverso do que se encontra na população ‘não leitora’. Esse exemplo dá conta das relações complexas entre a leitura e outras atividades da vida cotidiana, e reitera que a prática de leitura está atravessada por questões socioeconômicas específicas”, aponta.
Sem ler a Pesquisa de maneira alarmista, o diretor afirma que esta edição da Retratos reflete um padrão comum na maioria dos países latinoamericanos: o decréscimo nos números das pessoas que se declaram leitoras e da quantidade de livros lidos em média. “Creio que essas tendências podem ser lidas como signo de transformações mais profundas na cultura contemporânea e nos mecanismos de circulação e apropriação do conhecimento, fenômenos que devemos seguir estudando”.
Ele ressalta também a necessidade de união em torno do tema. “Acredito que seja indispensável que pesquisadores, funcionários públicos, bibliotecários, professores e editoras estudemos em detalhe o que nos dizem estes dados e os cruzemos com a realidade sociocultural do país”, afirma.
A preocupação com a escola também foi uma das primeiras reações do editor e bibliotecário Vagner Amaro, da Malê Editora. “A pesquisa novamente revela o quanto são imensos os nossos desafios para a ampliação de leitores e, principalmente, leitores de literatura. A escola ainda não consegue formar leitores e apenas atua como estímulo para a leitura de alguns livros. Talvez o ponto mais marcante da pesquisa é o quanto ela revela que não estamos em uma cultura de valorização do livro e da leitura, isso se reflete, por exemplo, no baixo número de consumidores de livros (pessoas que compram livros).
A expectativa que fica é que o Plano Nacional do Livro e Leitura seja um impulso de reversão desse quadro. Mas para isso, será preciso muito investimento humano e financeiro. Mudanças culturais são custosas, precisam de investimento sistemático, acompanhamento das transformações, e aprimoramento dos planos de desenvolvimento para essa mudança”, opina.
Alguns destaques da Pesquisa Retratos da Leitura 2024:
• 53% dos entrevistados se declararam não leitores
• 93,4 milhões de leitores identificados pela Pesquisa em 2024 (em 2015, eram 104,7 milhões)
• 81% das pessoas entre 11 e 13 anos são leitores
• Apenas 34% entre 50 e 69 anos se encaixam na estatística
• 0,82: é a média de livros inteiros lidos pelos entrevistados nos últimos 12 meses
• Conto é o gênero mais citado entre os gêneros literários (à frente de poesias, crônicas e romance, nesta ordem)
• Tema ou assunto é o principal fator que influencia na escolha de um livro
• 92% da população não participou de nenhum evento literário nos 12 meses anteriores
• 46% dizem não ler mais por falta de tempo; o preço do livro aparece em sexto lugar nesse ranking (5%)