A exclusão escolar de jovens e adultos no Brasil está fortemente ligada ao racismo estrutural e à necessidade de trabalhar desde cedo para garantir renda. É o que aponta um estudo da Fundação Roberto Marinho e do Itaú Educação e Trabalho, divulgado nesta semana, com base em microdados da Pnad Contínua. Segundo o levantamento, 66 milhões de pessoas com mais de 15 anos não concluíram a educação básica no país, sendo a maioria, negra e de baixa renda.
“O país tem hoje um perfil de pessoas negras e de baixa renda que compõem os 66 milhões, com mais de 15 anos e fora da escola, que não concluíram a educação básica. Precisamos lidar com isso”, afirma Diogo Jamra, gerente de Monitoramento, Avaliação, Articulação e Advocacy do Itaú Educação e Trabalho. Ele afirma ainda que o programa EJA (Educação de Jovens e Adultos) “precisa entender que o público que vai atingir tem majoritariamente esse perfil”.
Especialista em políticas de educação e trabalho, ele aponta que um dos grandes motivos para que jovens não concluam a educação básica na idade adequada está relacionado à necessidade de renda e começarem a trabalhar. Segundo ele, é preciso articular políticas que garantam a educação básica às pessoas que têm maiores obstáculos para alcançá-la. “Uma iniciativa do governo federal como o programa Pé-de-Meia tende a dialogar com isso.”
Jamra destacou ainda a influência de questões históricas estruturantes da sociedade brasileira, marcada por um passado escravocrata, no acesso das pessoas à educação básica. “A população negra é excluída das políticas públicas por uma questão histórica racista, de um racismo estrutural. [Essas pessoas] vão sendo empurradas para fora dessas políticas que não dialogam com elas.”
Com base em uma análise feita a partir de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), a pesquisa revelou ainda que concluir o EJA aumenta a formalização no trabalho e melhora a renda da população jovem entre 19 e 29 anos.
Evasão de jovens e adultos
O levantamento investigou evasão no ensino regular, retomada dos estudos e permanência no EJA. Para isso, foram observados três perfis: jovens de 15 a 20 anos matriculados no ensino regular; jovens de 21 a 29 anos que se encontravam fora da escola sem ter concluído a educação básica; e o terceiro grupo, formado por pessoas com 21 anos ou mais matriculados no EJA.
A análise dos perfis revelou que, entre os jovens de 15 a 20 anos, a evasão do ensino regular é mais comum do que a migração para o EJA, sendo que o risco de abandonar a escola aumenta com a idade e o atraso escolar (18 a 20 anos), ser homem, negro, residir em área rural, ter baixa renda e estar trabalhando.
Para o público de 21 a 29 anos, que não completou a educação básica e estava fora da escola, a chance de matrícula no EJA é maior para mulheres e desempregados. No entanto, ser responsável pelo domicílio, morar em áreas rurais e estar trabalhando reduzem essa probabilidade.
Para os matriculados no EJA, com 21 anos ou mais, a pesquisa mostra que, embora as mulheres tenham menor chance de evadir, mulheres com filhos aumentam essa probabilidade. Outros fatores, como ser mais velho, trabalhar em jornada superior a 20 horas semanais, ser responsável pelo domicílio e residir em áreas rurais, aumentam a chance de evasão.
De acordo com Diogo Jamra, os dados reforçam a urgência de fortalecimento de políticas públicas que integrem o EJA às necessidades do público com maior chance de evasão, como aqueles que precisam garantir uma renda. “A necessidade de trabalhar é, ao mesmo tempo, um fator que contribui para a evasão escolar e uma motivação para o retorno às salas de aula desse grupo.”
Investimento no EJA
O poder público, em todas as suas esferas –federal, estadual e municipal–, precisa dar atenção ao ensino de jovens e adultos, segundo o especialista, a fim de assegurar o direito constitucional à educação. “A gente percebe que essa política nunca teve uma centralidade no desenho das políticas educacionais. A gente precisa agora trazê-la para o centro do debate. E, ao fazer isso, precisará de um maior investimento.”
O especialista defende uma inovação pedagógica para encontrar uma modalidade educacional que dialogue com essa população excluída atualmente das políticas de educação. “A gente precisa que a academia desenvolva novas propostas pedagógicas, metodologias que estejam adequadas ao perfil desse público, com metodologias inovadoras, com pedagogia de alternância, porque tem [também] uma população concentrada no meio rural”, disse.
Segundo ele, a pesquisa reforça ainda o papel estratégico do EJA como caminho de formação para quem busca retornar ao sistema educacional. “Integrada à Educação Profissional e Tecnológica, [o EJA] pode contribuir ainda mais para que os jovens brasileiros concluam os estudos, tenham a possibilidade de agregar conhecimentos que os prepare para a inserção produtiva digna e, assim, tenham mais perspectivas de melhoria de condições de trabalho e, consequentemente, de vida.”
Os resultados da pesquisa indicam que, entre jovens de 19 a 29 anos, concluir o EJA aumenta em sete pontos percentuais (p.p) as chances de conseguir um emprego formal e eleva, em média, 4,5% a renda mensal do trabalho. O impacto é maior para quem tem entre 19 e 24 anos: nesse grupo, a probabilidade de formalização aumenta para 9,6 pontos percentuais, enquanto a renda mensal aumenta em 7,5%.
“É essencial a consolidação de políticas públicas e ações intersetoriais que garantam o acesso ao EJA com EPT [Educação Profissional e Tecnológica] em todo o país, só assim conseguiremos oferecer a milhares de jovens trajetórias de vida com mais dignidade, renda e proteção social”, concluiu.