Relator propõe antecipar fundo para ensino básico

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O prazo de implantação total do Fundeb o novo fundo para financiar a educação básica- pode ser reduzido de cinco para três anos a partir da aprovação da medida. Com isso, a União seria obrigada a antecipar um volume maior de recursos, e a inclusão de novas matrículas na distribuição da verba do Fundeb aconteceria num período menor. Essas são as principais mudanças previstas no texto apresentado ontem à Comissão de Constituição e Justiça do Senado pelo senador José Jorge (PFL-PE), relator da proposta de emenda constitucional que cria o Fundeb. A expectativa é que a votação na CCJ seja na próxima semana, para que ele siga ao plenário da Casa.  
 
Pelas alterações, a União investiria no Fundeb R$ 4,5 bilhões já no segundo ano de vigência. A partir do terceiro ano, ficaria responsável por 10% do total. O texto aprovado na Câmara previa os R$ 4,5 bilhões apenas no quarto ano e os 10% a partir do quinto ano. Outra mudança é a antecipação da inclusão de todas as matrículas de ensino infantil, médio e de jovens e adultos na distribuição de recursos a partir do terceiro ano de vigência. Pela proposta anterior, isso ocorreria no quarto ano. O Fundeb tem a meta de ampliar os investimentos na educação pública e distribuí-los não só pelo número de alunos do ensino fundamental (1ª a 8ª séries), como hoje, mas também para infantil, médio e jovens e adultos.  
 
Atualmente, o fundo em vigor, o Fundef, reúne verba de Estados e municípios e a redistribui conforme o número de matrículas. Anualmente, é estabelecido um valor mínimo a ser aplicado por aluno. Estados e municípios que não atingem esse valor recebem complemento da União – gasto que hoje é de R$500 milhões. Com o Fundeb, a proposta é ampliar o número de alunos atendidos e aumentar o investimento da União. A queda-de-braço é justamente qual seria esse valor. 
 
Entidades ligadas à educação e secretários estaduais defendem que chegue a 10% do total aplicado no fundo. Já a equipe econômica do governo sempre resistiu a isso. Para o ministro Fernando Haddad (Educação), o texto “avança ainda mais“ em relação ao já aprovado. “Garante uma transição adequada entre o fundo existente hoje e o Fundeb, sem prejuízo para Estados e municípios.“ Sobre a antecipação da verba da União, disse parecer “viável“. Segundo o presidente do Consed (conselho dos secretários estaduais), Mozart Neves Ramos, a preocupação agora é aprovar rapidamente o texto para que comece a vigorar ainda neste ano.  
 
 
 
Estados cobram R$ 28 bi da União  
A Tarde (BA) – Patrick Brock  
 
Secretários de educação estaduais e o governo têm interpretações diferentes da lei do Fundef e do valor mínimo anual  
 
De um lado do ringue, as secretarias estaduais de Educação: reclamam que o governo federal não complementa o valor anual per capita do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Do outro lado do ringue, o Ministério da Educação (MEC), que prefere aguardar a decisão da Justiça sobre a questão. O resultado deste embate fiscal é um papagaio de mais de R$ 28 bilhões e que se arrasta desde o mandato presidencial passado, um legado do Fundef, obrigação constitucional de investimento na educação responsável por universalizar o ensino fundamental (7 a 14 anos) no Brasil, mas, também, alvo de investigações por irregularidades. Na Bahia, o Fundef elevou as matrículas na rede estadual de 306.663 em 1998 para 796.827 em 2005, segundo dados da Secretaria da Educação do Estado (SEC) e do MEC – há mais alunos chegando ao ensino médio após a vigência do fundo.  
 
Com data marcada para acabar este ano, o Fundef enfrenta duas possibilidades imediatas de sobrevivência: o prolongamento por decreto até 2016 e a substituição pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), com financiamento obrigatório do ensino básico (infantil, fundamental e médio, e também as creches). Desta vez, o governo promete injetar R$ 4,5 bilhões até 2010 – enquanto os Estados e municípios arcam com o peso anual crescente de financiar a educação: no Fundef, foram R$ 30 bilhões em 2005. Basicamente, o Fundef serve para construir escolas e aumentar os salários dos professores e auxiliares pedagógicos. Em 1996, quando a lei foi criada, apostou-se na fiscalização comunitária dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundef (Cacs).  
 
Dez anos depois, a Controladoria Geral da União apura irregularidades no uso do Fundef em todo o Brasil e até o próprio MEC admite que parte dos Cacs, existentes em mais de 80% dos municípios brasileiros, foi contaminada por indicações políticas ou parentes dos prefeitos. Só na Bahia, o Ministério Público Federal apura irregularidades em 70 municípios. As notícias são abundantes: escolas construídas com recursos do fundo e que correm perigo de desabamento, recursos que não são repassados aos professores, alunos fantasmas, escolas que só existem no Censo Escolar.  
 
Paulo Egon Wiederkehr, diretor do Departamento de Desenvolvimento de Políticas de Financiamento da Educação Básica do MEC, confirma que o questionamento sobre o valor mínimo anual por aluno do Fundef (definido nacionalmente como R$ 682 em fevereiro 2006, por decreto presidencial) existe há vários anos e está sendo analisado pela Justiça Federal. “É uma questão de interpretação da lei. A Justiça é que vai decidir isso“. Wiederkehr defende o Governo com os reajustes no valor mínimo desde 1998 – perda de 2% no governo anterior e crescimento de 26% desde 2002.  
 
“O valor continua abaixo do que estabelece a própria legislação do Fundef. Sem a complementação, é óbvio que esses Estados não conseguem garantir para seus alunos de ensino fundamental uma educação com padrão mínimo de qualidade“, diz Luiz Araújo, especialista em financiamento educacional e colaborador da Campanha pelo Direito à Educação. O movimento civil protocolou em maio de 2005, no Supremo Tribunal Federal, uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) questionando a interpretação da União sobre a lei do Fundef.  
 
Para Anaci Bispo Paim, secretária estadual da Educação, “não há cumprimento da legislação da forma que ela foi criada“. Ela afirma que a pressão sobre os Estados tem aumentado de forma “assustadora“, devido à curva de crescimento do ensino médio, enquanto que o valor mínimo anual por aluno não é reajustado pelo governo. Um aluno do nível fundamental custaria R$ 990 por ano, segundo os cálculos da Secretaria da Fazenda estadual. Wiederkehr, por sua vez, diz que “a interpretação do valor necessário para o mínimo anual por aluno é dada pelas instâncias do governo responsáveis pelo estabelecimento dessa política“.  
 
CORRUPÇÃO – “O Fundef nos deu uma enorme experiência na fiscalização e acompanhamento e constatamos situações de ingerência no Executivo ou nos conselhos, através de titulares do Executivo que colocaram dependentes da sua administração, há inúmeras formas de tentar dificultar a fiscalização, que deve ser autônoma, independente“, diz Wiederkehr. Ele afirma que o MEC vem trabalhando para criar mecanismos de maior independência nos Cacs, com a redefinição do seu papel e características. Assim, o Fundeb também pode contar com um mecanismo similar de participação da sociedade na fiscalização, mas “com menos ambigüidades no papel do MEC, dos Tribunais de Contas e do Ministério Público Federal“.  
 
Não-remunerados e sem espaço fixo definido, entretanto, os conselhos perdem independência. De acordo com a Lei 9424, de 1996, “os Conselhos instituídos, seja no âmbito federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, não terão estrutura administrativa própria e seus membros não perceberão qualquer espécie de remuneração pela participação no colegiado, seja em reunião ordinária ou extraordinária“.  
 
Mas a conhecida dependência financeira de parte dos cidadãos em municípios menores, através dos empregos públicos da prefeitura, é uma evidência da necessidade de estrutura e proteção para os conselheiros. Responsável pelo órgão estadual que é o principal financiador do Fundef na Bahia, a secretária da Educação afirma que a corrupção não é exclusividade das pequenas cidades.  
 
Quanto à pressão exercida pelo poder econômico dos prefeitos, Anaci diz esperar que isso não afete o funcionamento dos conselhos. “A proposição do Fundef é ter controle social mais eficaz, com representatividade maior da sociedade. Se a sociedade é conivente, cabe aos órgãos de controle, o Ministério Público Federal, a Controladoria Geral da União, fiscalizar“.  
 
Clima político atrapalha aprovação de novo fundo
 
Enquanto as crianças estudam e os juízes julgam as causas, os senadores debatem a nova lei do Fundeb em meio ao tumultuado final do governo Lula, um ano eleitoral que promete briga de foice entre os candidatos a presidente. Paulo Egon Wiederkehr, do MEC, aposta na aprovação da lei ainda este ano, mesmo que a proposta volte para a Câmara dos Deputados – opinião compartilhada pelo senador e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque.  
 
Para Luiz Araújo, especialista em financiamento educacional, os senadores estão resistindo contra a possibilidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva obter ganhos eleitorais com a aprovação do Fundeb – uma de suas promessas de campanha. Os Estados também temem que a inclusão das creches no Fundeb provoque uma explosão do número de matrículas, aumentando ainda mais os repasses para os municípios.  
 
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida pelo senador Antonio Carlos Magalhães (PFL–BA), não realizou sua reunião no dia 29 de março, adiando a discussão em mais uma semana. A proposta de emenda constitucional recebeu 29 emendas, o que forçaria o seu retorno para a votação na Câmara dos Deputados. Há rumores de que o relator da proposta, Senador José Jorge (PFL-PE), acataria 4 das 29 emendas. Para Denise Carreira, coordenadora da Campanha Nacional Pela Educação, a instabilidade no Congresso e a desarticulação do governo levam a “grandes riscos do Fundeb ficar no limbo da disputa eleitoral“. A secretária estadual da Educação Anaci Paim, por sua vez, preocupa-se com a continuidade de uma legislação que garanta o investimento em educação. Ela promete que o Estado manterá o investimento em educação, mas alerta para o fato de que, sem uma obrigação constitucional, a educação “fica à mercê do interesse e da forma como cada estado quiser fazer. Posso não utilizar 15%, usar apenas 10% dos impostos. Os municípios faliriam se não houvesse fomento nenhum“, diz.  
 
Senador critica política educacional – Em meio às duras críticas sobre o Fundef e os avanços divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) propõe uma solução para o ensino no Brasil: sua federalização, à moda do Sistema Único de Saúde (SUS). Ex-ministro da Educação (2003-2004), Buarque diz que a União não cumpriu a lei do Fundef desde o início da sua vigência, em 1998. “Quando era ministro, fiz um documento muito duro a Palloci sobre isso, eu sentia vergonha de ocupar o cargo“. Buarque considera pouca a complementação da União para o valor mínimo (R$ 682) por estudante do Fundef em 2005 – R$ 460 milhões para os Estados de Alagoas, Maranhão, Pará e Piauí. “Esse é o desastre da educação brasileira, deixar que a educação seja municipal, fazendo com que as cidades pobres forneçam uma educação pobre“.  
 
A interpretação dúbia da lei do Fundef seria um confronto entre “a lei que pega e a que não pega. Se fosse na universidade, os alunos e professores iriam protestar, ir às ruas. Mas como é ensino fundamental, com crianças pobres, a situação continua“. Na avaliação do ex-ministro, a situação não mudará com a criação do Fundeb. “O Fundeb precisaria de pelo menos R$ 7 bilhões, e não R$ 1,9 bilhão este ano e R$ 4,5 bilhões até 2010“. Um fundo com a abrangência do Fundeb (infantil, fundamental, médio, creches) também teria que ser acompanhado de fiscalização. “Se chover dinheiro no quintal da escola, vira lama, a não ser que você saiba como esse dinheiro chega“. A ênfase estaria na garantia de que os recursos cheguem ao destino correto: salários, equipamentos, valorização profissional. “O governo apenas repassa, como se fosse um banco, mas não controla“.  
 
O senador denuncia que, embora o Fundef tenha universalizado a matrícula, apenas 1/3 dos alunos termina o ensino médio. “Eles freqüentam de maneira irregular, pois temos quase-escolas. Há crianças que vão para a escola só pela merenda“. Uma solução pode estar na federalização da educação básica, criando um sistema único similar ao SUS. “O governo teria que definir que todas as escolas do Brasil tenham um piso de salário e de formação, assim como um piso de edificações, equipamentos e de conteúdo“.  
 
QUAL É O CONFLITO ENTRE A UNIÃO E OS ESTADOS?
Os Estados afirmam que o valor mínimo anual por aluno, definido pela lei do Fundef é maior do que o valor mínimo fixado por decreto presidencial anualmente – por exemplo, na Bahia, de acordo com a Secretaria da Educação, o valor anual mínimo por aluno seria de R$ 990,39. O assunto está sendo decidido nas cortes federais.  
 
Número  
Em 2005, os Estados e municípios investiram no Fundef R$ 30.776.952.463  
O governo federal complementou o Fundef com R$ 460.613.994  
Fonte: Inep/MEC/Consed  

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