Reabertura das escolas no Brasil: como começar a pensar o planejamento?

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Em meio à retomada do comércio e das atividades em inúmeras áreas, surge a pergunta: quando e como devem ser reabertas as escolas no Brasil? A discussão é inevitável já que com muitos pais e responsáveis retomando os trabalhos presenciais, a demanda de ter apoio para acompanhar os estudos e os filhos (especialmente os menores) também ganha destaque.

O tema é complexo, pois o retorno envolve a saúde dos profissionais da escola e dos estudantes. As discussões têm se tornado importantes para consolidar um planejamento cuidadoso, já que retorno depende diretamente das medidas sanitárias locais e também das condições das escolas oferecerem uma volta segura para suas comunidades internas. “No Brasil, estamos em um país continental, então você não tem uma só pandemia: você tem várias – porque o desenrolar da doença é diferente de estado para estado”, indica Cláudio Furtado, Secretário Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, e membro do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

Para Maria Amabile Mansutti, diretora de Tecnologias Educacionais do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), é necessário discutir o planejamento do retorno a partir das recomendações da área da saúde. “Para decidir sobre o assunto, gestores públicos, professores, famílias e a comunidade precisam ouvir infectologistas e acompanhar as pesquisas sobre a covid-19”.

O início do planejamento: saúde como prioridade na reabertura

Nos últimos meses, países ao redor do mundo, como China, Reino Unido e França, reabriram suas escolas (leia mais clicando aqui). No entanto, ainda que as experiências internacionais possam trazer importantes ensinamentos, o próprio marco de ação e recomendações para a reabertura das escolas, elaborado por diversos órgãos vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), aponta que a retomada deve levar em consideração o melhor interesse dos estudantes e as considerações gerais de saúde pública dos países e contextos locais.

O Consed idealizou em junho um documento com diretrizes para o retorno das aulas presenciais. Ele inclui cinco fases precedentes à volta:

1. definição de normas de segurança sanitárias;

2. diagnóstico da capacidade de atendimento da rede;

3. definição de como será o retorno progressivo;

4. revisão curricular; e

5. revisão do calendário escolar.

Dessa forma, o primeiro momento é de planejamento e envolve um levantamento prévio das condições da instituição de ensino para o retorno. “Estamos na fase de análise situacional e levantamento da infraestrutura. Nesse momento, deve-se fazer um diagnóstico da rede, para ver quais são as medidas que você vai ter que tomar do ponto de vista de saúde, para cada caso”, pontua o secretário. Ele também indica que é necessário fazer o levantamento da situação dos professores, estudantes e funcionários e quais são os grupos de risco – que devem continuar em isolamento.

As diretrizes do Consed incluem medidas como distanciamento social, limite de alunos por sala considerando a metragem quadrada, revezamento de horários de intervalo e alimentação, controle da temperatura, disponibilidade de máscaras e de estações de higiene (como lavatórios com água e sabão e tapetes com solução higienizadora), que devem vir acompanhadas por uma campanha de conscientização, informação e mesmo treinamentos para funcionários.

Cláudio destaca que é importante que a escola tenha protocolos claros relacionados ao preparo de refeições, transporte e mesmo que expliquem o uso correto de artefatos como, por exemplo, tapetes sanitizantes. “Se você tiver o tapete, e não tiver uma manutenção constante da solução do tapete, não vai adiantar”, exemplifica.

O que preocupa especialistas e educadores em relação a essas orientações é: a aplicabilidade é possível no dia a dia das escolas brasileiras? “É preciso saber se as escolas, sobretudo as das redes públicas, terão condições garantir as medidas de segurança impostas por esses protocolos sanitários, como materiais de higiene, adequação de espaços, alimentação, e mesmo compra de infraestrutura tecnológica, e formação de profissionais”, sintetiza a diretora do CENPEC, Maria Amabile. Ela aponta para a necessidade de investimento de recursos financeiros e também de revisões constantes das medidas adotadas. “Afinal, a covid-19 ainda é uma doença pouco conhecida e a cada dia surgem novos estudos que refutam os anteriores. As escolas terão que conviver com essa situação [inconstante] por um bom tempo”.

Planejamento do retorno: como garantir a aprendizagem?

Após a questão da saúde, o tópico que mais preocupa todos os envolvidos na área da Educação diz respeito à aprendizagem. “A garantia da aprendizagem dos alunos não pode ser posta em risco. Não se pode considerar a possibilidade de um ano escolar perdido, tampouco, achar que apenas a promoção automática é o caminho para resolver os problemas de um ano letivo comprometido pela pandemia”, ressalta Maria Amabile.

Um dos desafios que as escolas enfrentarão será encontrar alternativas para cumprimento da carga horária mínima anual (como ampliação das jornadas, reposição de aulas aos sábados, turnos alternativos e prorrogação de calendários) e pensar a adequação curricular com ênfase no ensino híbrido. A partir dos resultados da avaliação diagnóstica, as redes poderão traçar estratégias de nivelamento e recuperação. A indicação é de que as redes considerem calendários bianuais em um ciclo de aprendizagem que integre 2020 e 2021.

Oferecer capacitações que possam aprimorar o que os professores colocaram em prática nos últimos meses e prepará-los para os novos desafios também é essencial. “Os professores já têm feito sua parte e buscado inovar em suas práticas de ensino, mas precisam de apoio”, diz Maria Amabile.

A especialista frisa que secretarias precisam assegurar as condições de ensino e dar orientações precisas para garantir a aprendizagem de todos, de forma presencial, híbrida ou remota com um desafio extra: uma turma com alunos em diferentes níveis de aprendizagem por conta da pandemia. “Isso exigirá a elaboração de planos de recuperação de curto e médio prazos, atendimentos mais individualizados, novas estratégias didáticas para promover a aprendizagem”, analisa a diretora do CENPEC. “A possibilidade de ensino híbrido no retorno às atividades escolares precisa estar atrelada à garantia de acesso aos recursos tecnológicos e à qualidade pedagógica”. Ela enxerga que este momento é uma oportunidade inclusive para propor um programa nacional de desenvolvimento profissional que contemple a formação e a valorização dos docentes em alinhamento com as diretrizes de formação docente inicial e continuada pautadas pela Base Docente (saiba mais aqui).

O cenário complexo também exigirá colocar em prática competências gerais trazidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como abertura para o novo, resiliência emocional e que saibam lidar com sentimentos negativos, como frustrações. “Neste momento, mais do que nunca, exige-se dos professores competências para que ensinem aos alunos não apenas a acessar conhecimentos, mas que também saibam selecioná-los, correlacioná-los, criá-los”, explica a especialista.

Em que situação está a reabertura das escolas no Brasil?

O Amazonas se tornou o primeiro estado a retomar as atividades, ainda que de forma parcial. O governo autorizou que a rede particular retomasse as atividades no final de julho; já na rede estadual, na primeira semana de agosto, 110 mil estudantes de Ensino Médio retornaram às aulas presenciais, de forma escalonada.

A divisão das classes de até 40 alunos em duas turmas com 20 faz parte do protocolo estadual de volta às aulas no estado. Entre as medidas de biossegurança estão a sinalização das carteiras com distanciamento de 1,5m entre elas; escalonamento de horários de aula e de refeições/intervalos; distribuição de máscaras e kits de higiene e desinfecção para professores e alunos; uso obrigatório de máscara; e medição de temperaturas de acordo com a estratégia de monitoramento ou necessidade.

Duas semanas depois da volta do Ensino Médio, estava previsto o retorno das aulas no Ensino Fundamental, mas essa volta acabou adiada, e sem data prevista para o retorno. O governo estadual alega que é necessária uma maior estruturação de algumas das unidades de ensino, e também a realização de uma testagem maior nos profissionais de Educação.

Nesse meio tempo, a retomada das atividades no Amazonas tem rendido muitas discussões. No dia 21 de agosto, a Secretaria de Estado de Desporto e Educação do Amazonas divulgou que, nos três primeiros dias de testagem, 162 profissionais da Educação testaram positivo para covid-19. Além disso, algumas máscaras distribuídas pelo governo possuíam um tamanho desproporcional, cobrindo todo o rosto dos estudantes, o que rendeu memes nas redes sociais.

Em outros estados, o planejamento de retorno também está sendo repensado. No caso da rede estadual de São Paulo, a previsão de retorno era para o dia 8 de setembro, mas foi adiada em um mês. Ainda assim, para esse retorno ocorrer, é preciso que a região do estado tenha permanecido por 28 dias na fase amarela do plano estadual flexibilização da quarentena, e que siga o protocolo sanitário.

No Maranhão, após ser postergada diversas vezes, a volta às aulas na rede estadual foi adiada por tempo indeterminado após uma consulta popular. Enquanto isso, a rede privada retornou as atividades na primeira semana de agosto, seguindo os protocolos sanitários.

No Distrito Federal, depois de vários adiamentos por decisões judiciais, a volta às aulas na rede privada foi consolidada para ocorrer gradualmente entre o final de setembro e o mês de outubro, enquanto a volta às aulas na rede estadual segue indefinida.

Por sua vez, o Rio de Janeiro estabeleceu que as escolas particulares podem retornar a partir do final de setembro, enquanto a rede estadual deve retomar as atividades na primeira semana de outubro.

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