Que tal ouvir e vacinar nossos professores?

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

Se os governos desejam uma volta às aulas digna, é preciso que estejam dispostos a dialogar com quem está no chão da escola. Ninguém mais do que nossos professores sabe, reconhece e compreende a importância da interação presencial com seus estudantes e suas famílias.

Não conheço nenhum professor que esteja confortável com as escolas fechadas. Conheço muitos, de escolas públicas e privadas, que viraram o ano cansados, sob o estresse de se adaptar a um modelo de ensino para o qual não foram formados, tirando dinheiro do bolso, abrindo suas casas, dialogando com câmaras fechadas de adolescentes receosos de abrirem as suas e terem sua imagem congelada como matéria prima de memes na internet. Ou mesmo aqueles que sofrem porque têm clareza do quanto seus alunos estão perdendo longe da escola.

Não conheço nenhum pai ou responsável que não deseje o retorno às aulas presenciais. Aqueles com melhores condições financeiras vivenciam o baixo interesse de seus filhos pelas atividades remotas. Os que não têm essa condição vivenciam o pior, que é ver seus filhos sem estudar, sem um local e seguro e, infelizmente, sem frequentar o lugar onde realizam suas principais refeições. Todos, ricos e pobres, testemunham a saudade da escola e dos colegas, o estresse e o aumento da ansiedade de seus filhos.

Não conheço nenhum pesquisador, de qualquer área, que não ateste o efeito danoso que esse longo período de fechamento das escolas causará nessa geração. Profissionais de saúde já mapearam as diversas manifestações de prejuízo à crianças e jovens fora da escola. Em países desenvolvidos já se calcularam perdas de aprendizagem com períodos de fechamento de escolas muito menores, como já citei nesta coluna anteriormente.

As aulas devem voltar o mais breve possível. Temos protocolos elaborados por profissionais da saúde, diretrizes para o funcionamento das escolas, calendários prontos. Por que ainda discutimos?

Há uma lenda no futebol que na Copa de 1958 o então técnico Vicente Feola fez uma preleção detalhada de como o Brasil chegaria ao gol russo e à vitória, com a bola passando de pé em pé, até chegar a Mazzola, que, sabendo aonde a bola seria lançada, teria apenas o trabalho de chutar ao gol. Garricha , após ouvir atento, soltou “Tudo bem, seu Feola…mas o senhor já combinou isso com os russos?”.

Os “russos” na reabertura são os professores. Há um certo desdém em relação à participação desses profissionais na discussão. Não são ouvidos pela imprensa, pelas autoridades, pelos pesquisadores, pelos políticos. Suas dúvidas em relação ao retorno às aulas são entendidas como mero corporativismo ou ato político partidário. É evidente que no meio de tudo isso há corporativismo. Mas não só.

Se os governos desejam uma volta às aulas digna de nome, é preciso que estejam dispostos a dialogar com quem está no chão da escola, entender seus receios, dar transparência às medidas tomadas para proteger profissionais e estudantes, criar uma linha direta de comunicação, alterar políticas a partir de realidades específicas, construir junto. Além disso, é fundamental que os professores de ensino básico estejam no grupo prioritário da vacinação.

Colocar os professores no centro dessa discussão não é apenas uma medida ética, mas de garantia do desenho e de implementação de políticas educacionais mais efetivas na reaproximação dos estudantes da escola, especialmente os mais vulneráveis. O enfrentamento do maior desafio educacional dessa geração exigirá equipes educacionais coesas. Estas não se formam com profissionais desmotivados.

Estamos lidando com a volta às aulas em meio ao recrudescimento da epidemia do Covid-19, com aumento de casos e mortes no Brasil . É natural que as pessoas tenham medo de voltar à escola. Medo não se combate com estatísticas, mas com escuta ativa, empatia, acolhimento e ação. Que tenhamos a coragem e a humildade de escutar nossos professores e fazê-los protagonistas dessa retomada.

 

Menu de acessibilidade