Pulo do gato ou tiro no escuro?

Protagonistas de uma história de fracassos heróicos, os audiolivros brasileiros vivem agora seu momento de tira-teima. Mesmo que o suspense – digno de uma final decidida nos pênaltis – embace a vista, há quem diga que andam levando vantagem. Na mais recente prova de fogo – a 20ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que termina amanhã – foram bem: em meio a corredores vazios, os estandes dedicados às versões em CDs e arquivo sonoro para os livros de papel pareciam ilhas superpovoadas. 
 
– Estamos vendendo cerca de 120 títulos por dia – conta Vanessa Ban, diretora da Audiolivro, empresa que estreou na Bienal de 2006. – Parece pouco, mas é muito mais do que imaginávamos, se levarmos em conta que é um produto ainda novo no mercado. 
 
Passado heróico 
 
Novo, na verdade, não é. O produtor e jornalista Irineu Garcia já lançava audiolivros de vinil em 1956. Não deu certo. Depois que ele capitulou, a Philips adquiriu seu catálogo. Pouco durou a tentativa. Mais tarde, editoras como a Francisco Alves investiram novamente no formato – mais fitas cassete que vinis, claro. Também não pegou. 
 
Então por que agora assistimos à multiplicação das editoras de audiolivros (só na Bienal de São Paulo eram seis)? 
 
– Basicamente, porque acreditamos que podemos mudar o mercado – afirma o francês Patrick Osinski, diretor da Plugme, empresa responsável por lançar a primeira coleção de audiolivros da Ediouro. – Na França, os audiolivros foram recebidos com uma imensa desconfiança, há cerca de 5 anos. Agora são um sucesso. Na Alemanha, não existiam há três anos. Hoje já há 80 editoras especializadas. Isso sem falar nos EUA, onde o segmento representa 9% do mercado editorial. 
 
Com tantos números na ponta da língua, Osinski acaba sendo um símbolo dessa mudança – de ares ou de fichas de aposta. Sua vinda para o Brasil marca o primeiro grande investimento recente de uma editora de porte nos audiolivros. 
 
Não são, porém, os únicos. Há um burburinho no mundo editorial, que, dizem, está decidindo se e como investe no segmento. 
 
– Há, de fato, uma mobilização no setor. Outras grandes editoras têm estudado se entram ou não na disputa – diz Fábio Herz, diretor comercial da Livraria Cultura. 
 
Enquanto as grandes não se decidem, as pequenas se multiplicam. O empresário Geraldo Brandão é o mais novo a entrar no time: acaba de assinar um contrato com a família de Carlos Drummond de Andrade, para lançar, em áudio, não apenas alguns de seus livros, mas também cartas e entrevistas. A novidade representa a estréia da empresa Áudio Falante. 
 
– Acho que esta ainda não é a hora dos audiolivros no Brasil. O que existe é um mercado ainda pequeno para explorar – resigna-se. – Mas acredito que é um projeto a longo prazo. Nossa tarefa, por enquanto, é chamar a atenção do público. 
 
O mesmo pensa Sandra Silvério, diretora da Livro Falante, que expõe pela primeira vez na Bienal de São Paulo. 
 
– Quando comecei o negócio, há dois anos, tinha consciência de que poderia ter um grande prejuízo. – conta. – Dei um tiro no escuro porque sempre fui apaixonada pelos audiolivros, cresci ouvindo os americanos, que meu pai trazia. Agora, acredito que, em três anos, a empresa já possa dar lucro. 
 
Clientela cativa 
 
O público dos audiolivros, de fato, ainda não é dos mais representativos. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada recentemente pelo Instituto Pró-Livro, mostra que os audiobooks são ouvidos por apenas 2% da população analisada. Ou seja: 4,6 milhões de pessoas. 
 
A clientela pequena, no entanto, é fiel. A proposição é unânime entre os vendedores do ramo, e comprovada pelos números. Segundo a mesma pequisa, o tempo que os adeptos dedicam aos audiolivros é um dos maiores: 2 horas e 11 minutos por semana. Perdem apenas para os textos na internet e para os livros indicados pela escola, e ganham de lavada dos livros de papel, aos quais só se dedica 1 hora e 56 minutos. 
 
– Minhas vendas têm aumentado cerca de 30% por mês, nos últimos tempos – comemora Cláudio Wulkan, diretor da Universidade Falada, que dividiu o estande com a Livro Falante. – Geralmente, o consumidor faz uma primeira compra de um ou dois audiolivros. Mas, na segunda vez, leva dez, 15. 
 
Vânia Belli, professora de psicologia da Universidade Salgado de Oliveira e fã antiga dos audiolivros, é um exemplo de fidelidade. 
 
Virou adepta quando morou no exterior, nos anos 1980. De volta ao Brasil, descobriu a Luz da Cidade, empresa de audiolivros campeã de longevidade: estreou em 1995 e permanece ativa até hoje. 
 
– Gosto principalmente dos de poesia. O ritmo, a entonação, a voz muda tudo. É diferente de ler no papel – explica. – Não canso de ouvir o mesmo CD. 
 
A professora também criou o hábito de comprar audiolivros para dar de presente aos amigos – inclusive os que moram no exterior. 

Preço e preconceito: os desafios do áudio
Jornal do Brasil – Juliana Krapp

Se a bem-aventurança dos audiolivros em solo brasileiro ainda é um mistério, o formato com que decolariam também o é. Por enquanto, a diversidade é via de regra: é possível adquirir audiolivros em CDs de MP3 ou de wave, por download e até pelo telefone. Em alguns casos, vêm acompanhados dos livros em papel; em outros, trazem a voz de alguma celebridade televisiva como chamariz (embora isso não seja novidade).

– Ainda estamos todos tateando em busca do melhor formato, aprendendo com a experiência – conta Sandra Silvério, diretora da Livro Falante.

Notas de rodapé

Há ainda a diversidade nas características do conteúdo. Afinal, um audiolivro é – nem sempre tão assumidamente – uma adaptação da história original. No lugar das entrelinhas, vinhetas; na descrição do ambiente, a sonoplastia. Até que ponto os recursos sonoros – da entonação à quantidade de narradores envolvidos – podem influenciar na trama é uma discussão interminável. Nos EUA – que já têm um mercado consolidado – andam debatendo até qual a melhor forma de inserir as notas de rodapé (por enquanto, tendem a baixar o tom da narração).

A indecisão quanto ao formato vem acompanhada, também, de uma estratégia de divulgação mais complexa do que no passado. No estande da Plugme da Bienal do Livro de São Paulo, basta um celular Nokia na mão para baixar um trecho de audiolivro ali mesmo. Há, ainda, a opção de ligar, de qualquer telefone, para o número 4003-7272 e ouvir pedaços dos áudios. E no YouTube estão disponíveis making offs engraçadinho de algumas das gravações.

– Achei que, na França, por ser um país que sempre cultuou os livros, o preconceito com o áudio seria o maior possível. Mas descobri que no Brasil é ainda pior – comenta Patrick Osinski, diretor da Plugme, parceira da Ediouro em sua linha de audiolivros. – Destruir esse preconceito é um de nossos quatro desafios.

Quatro? Sim, a relação de problemas é extensa para o empreendedor francês, que acaba de instalar sua empresa no bairro carioca de Bonsucesso. E bem-fundamentada. Segundo ele, outro grande desafio para a indústria brasileira de audiolivros é o preço. Fazer um audiolivro custa, em média, 30% a mais do que um livro de papel. Ao mesmo tempo, os livros em áudio da Ediouro estão sendo vendidos 30% mais baratos do que o seu equivalente em papel.

– Isso é necessário para vencer as primeiras barreiras e divulgar o produto – justifica Osinski.

Direitos autorais

O terceiro desafio são os direitos autorais. A famosa pedra no sapato da indústria editorial aqui fica ainda mais incômoda: pois, além do copyright do autor do texto, há que se bancar o do narrador. E nem todo escritor aprecia o novo formato.

– Não são os direitos que mudam, mas sim a negociação sobre eles – explica Osinski. – É muito difícil explicar para um autor estrangeiro, por exemplo, que essa indústria está apenas começando no Brasil, e que por isso ele não pode nos cobrar o mesmo que nos EUA, onde os audiolivros já dão lucro há tempos.

Sandra reforça o problema:

– Tenho demorado até seis meses para conseguir liberar os direitos. Muitas famílias de escritores, e os próprios, implicam com o formato.

Como se não bastasse isso, há o quarto desafio: a distribuição.

– Minha experiência na França já mostrou que colocar os audiolivros separados dos livros em papel, nas livrarias, não funciona – insiste o empresário francês. – Quando são exibidos ao lado dos livros, são vendidos em quantidades bem maiores.

Pior para as pequenas

O desafio é ainda maior para as pequenas editoras, que penam para entrar no esquema das grandes redes de livrarias. Apesar disso, parece que as notícias começam a melhorar.

– Recebemos algumas propostas de grandes livrarias na Bienal do Livro – diz Suzan Echem, diretora da Ao Pé do Ouvido, que existe há um ano.

Mas os desafios não se encerram nos quatro problemas expostos por Osinski. Outra reclamação constante dos empresários é a falta de preparação dos estúdios e dos operadores para uma matéria-prima tão delicada quanto a literatura.

O jeito é, então, construir estúdios próprios – decisão tomada por quase todas as novas editoras de audiolivros.

Com tantos obstáculos, retomamos a pergunta: por que, então, investir em audiolivros?

– Porque o Brasil tem os mesmos problemas do resto do mundo: engarrafamentos, barulho, leitores sem tempo – justifica o otimista Osinski. – E aqui ainda há uma vantagem: a cultura oral. Apenas neste país há uma profissão chamada contador de histórias.

O francês destaca ainda que, diferentemente do mercado em língua espanhola, há por aqui grandes chances de, um dia, exportarmos audiolivros para outros países lusófonos.

– Há quatro sotaques diferentes, e inconciliáveis, no mercado espanhol. Por isso, não acredito que os audiolivros se proliferem pelo resto da América Latina – especula ele. – Por outro lado, Portugal adora o sotaque brasileiro, por conta das novelas. Então nós já temos para quem exportar.

Disfarce

Se a lista de desafios de Osinski é curta, a relação de prós é interminável. O francês justifica a predominância dos best-sellers nos catálogos de audiolivros, afirmando que muita gente prefere o áudio ao papel por motivos de privacidade: com o CD no discman, ninguém na academia imagina que você está se deleitando com um livro de auto-ajuda.

Enquanto isso, a velha acusação de que os áudio roubariam o espaço dos livros de papel vai ficando para escanteio. Osinski cita pesquisa recente dos EUA, que indica que 25% das pessoas que gostam de um audiolivro acabam comprando a versão em papel.

Fábio Herz, diretor comercial da Livraria Cultura, completa:

– Os audiolivros sempre tiveram o seu nicho específico, que, apesar de ter crescido muito nos últimos tempos, nunca ultrapassou 1% de nosso faturamento. Ele não briga com o livro: pelo contrário, são produtos complementares. O consumidor de um é também consumidor de outro.

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