Professor no Brasil enfrenta instabilidade enquanto ainda busca valorização

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Para avançar na educação, o Brasil precisa investir nos seus 2,4 milhões de professores à frente da educação básica. Mas os desafios só crescem. A carreira majoritariamente feminina —mulheres representam de 96% dos docentes no ensino infantil a quase 59% no ensino médio— e com 80% dos profissionais com ensino superior completo, ainda carece de reconhecimento e melhores condições de remuneração.

Missão Professor
Na última década, o país não conseguiu avançar na melhoria salarial dos docentes. O PNE (Plano Nacional de Educação) estabelecia que até 2024 o Brasil deveria equiparar o rendimento médio dos professores da rede pública ao dos demais profissionais com ensino superior.

Em 2012, os professores recebiam em média 65,2% do salário dos demais profissionais. Esse percentual subiu para 86,9% em 2023. No entanto, os dados do Inep, órgão do MEC (Ministério da Educação), mostram que a redução da diferença ocorreu, em grande parte, pela queda do rendimento bruto dos demais profissionais, que teve uma perda real de 20,9% no período.

A média do rendimento bruto dos professores teve um acréscimo real de 5,3%, o que representa um aumento de apenas R$ 249,66 em 11 anos.

“Não temos muito o que comemorar nesse dia do professor [15 de outubro]. Apesar de termos estabelecido estratégias para melhorar as condições de trabalho do docente, o que vimos na última década foi a desvalorização, precarização e desmoralização do professor”, afirma Márcia Jacomini, professora da Unifesp que pesquisa política educacional e gestão escolar.

Jacomini destaca que a piora dos resultados educacionais vivida no país nos últimos anos está, entre outros fatores, relacionada ao aumento da instabilidade na profissão. Ela lembra que o sucesso do trabalho do professor depende do estabelecimento de vínculo com o estudante.

É justamente nessa relação que se insere um novo desafio, com o aumento de docentes contratados sem vínculo efetivo para atuar nas escolas públicas.

Nos últimos dez anos, o Brasil viveu uma inversão na forma de contratação dos professores. Os contratos temporários, que deveriam ser exceção, já são maioria em muitas redes públicas de ensino do país.

Um relatório do Inep mostra que o percentual de professores temporários nas redes estaduais saltou de 31,6%, em 2014, para 52% em 2023. Nas redes municipais, passou de 26,6% para 34,2%, no mesmo intervalo.

O aumento ocorreu no período em que o Brasil estabeleceu em lei que essa proporção deveria cair, sendo limitada a no máximo 10% dos docentes que atuam na educação básica.

A meta foi incluída no PNE, como uma das estratégias para melhorar o ensino, por haver um consenso de que esse tipo de contratação faz com que os professores atuem em condições mais precárias, o que, consequentemente, reflete no desempenho dos estudantes.

Como temporários, os professores recebem salários mais baixos, costumam trabalhar em mais escolas e com mais turmas, não têm plano de carreira e nem mesmo a garantia de continuar na mesma unidade durante todo o ano letivo.

“Não só não avançamos, como ainda retrocedemos naquilo que o país havia pactuado como estratégia para melhorar a qualidade do ensino. A falta de estabilidade não é ruim apenas para o professor, mas também para a organização da escola e, principalmente, para o aluno que não consegue estabelecer um vínculo com quem tem aula”, avalia Jacomini.

Há dois anos como professor temporário da rede estadual de São Paulo, Anderson Fabrício dos Santos Júnior, 21, convive diariamente com os efeitos da instabilidade de seu contrato. Na última semana, ele perdeu as aulas que tinha em uma das três escolas que trabalha. Seu salário de cerca de R$ 5.300 deve ser reduzido em R$ 2.000.

“Eu vivo sempre na instabilidade, nunca sei quantas aulas vou ter, em quantas escolas vou trabalhar, qual vai ser o salário do próximo mês. Isso tem um impacto enorme na minha saúde emocional e financeira”, conta Anderson, que é professor de sociologia e filosofia.

Ex-aluno da rede estadual paulista, ele se lembra ter vivido essa situação diversas vezes. “Como aluno, eu lembro dessa sensação horrível de ter aula com um professor que gostava muito e ele sumir. Ficava uma sensação de abandono. Agora vivo isso do ponto de vista do professor.”

Aos 69 anos, Israel Silva Júnior trabalha desde 2011 como professor temporário da rede estadual de São Paulo. Apesar de adorar dar aula e ter contato com os estudantes, ele conta que tem buscado outra profissão para ter maior estabilidade financeira e conseguir se aposentar.

“Há anos convivo com a instabilidade de ser temporário, mas a situação se agravou muito. Nesse ano, por exemplo, o governo mudou as regras de atribuição e eu fiquei três meses sem receber. Eu sou chefe de família, tenho filho, não posso ficar nessa insegurança”, conta.

Em nota, a Secretaria de Educação de São Paulo, do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse que reconhece e valoriza os profissionais da rede estadual de ensino. Informou que, depois de uma década sem a contratação de professores efetivos, a pasta realizou um concurso público no ano passado.

A previsão é que 15 mil docentes de ensino fundamental e médio sejam contratados. Segundo a secretaria, cerca de 12 mil vão ser chamados para começar a dar aulas no próximo ano letivo.

Questionada, a pasta não informou quantos professores temporários terão os contratos encerrados no fim deste ano e poderão ficar sem trabalho em 2025.

Como forma de incentivar estados e municípios a fazerem concursos para docente de forma mais frequente e reverter a proporção de temporários, diversas entidades educacionais têm proposto ao Ministério da Educação a criação de uma prova nacional para o ingresso de docentes na rede pública.

A elaboração do exame está sendo avaliada pelo governo Lula (PT), como parte de uma série de estratégias para melhorar a formação e seleção de professores que atuam na educação básica. Em 2012, quando Fernando Haddad era ministro da Educação, uma proposta semelhante foi analisada, mas não avançou.

 

 

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