Professor da rede pública põe o filho na particular

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O dinheiro é curto, mas não para a educação. Apesar de se considerar pobres ou de classe média baixa, os professores brasileiros preferem sacrificar parte da sua renda familiar e pôr os filhos em escolas particulares. A pesquisa O Perfil dos Professores Brasileiros, divulgada ontem pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), mostra que 54% dos 5 mil entrevistados escolheu pagar pela educação dos filhos.  
 
Uma decisão que, mesmo quando a escola não está entre as mais caras, pode comprometer parte da renda familiar. A maioria (65,5%) tem renda de até 10 salários mínimos e um terço ganha no máximo R$ 1,2 mil. Os pesquisadores apontam essa tendência como um esforço dos professores em garantir a “mobilidade social“ para seus filhos – um futuro melhor do que eles tiveram.  
 
A maior parte dos professores estudou em escolas públicas e hoje dá aulas no mesmo tipo de instituição. Apesar de ainda terem uma renda baixa, o estudo garantiu a essas pessoas uma vida melhor do que a de seus pais. A pesquisa mostra que 64,2% dos atuais professores têm pais que não completaram o ensino fundamental. “Há uma aposta dos professores na educação dos filhos como seus pais fizeram com eles. Esses professores são a prova de que o investimento na educação tem um altíssimo retorno“, analisou Jorge Werthein, representante da Unesco no Brasil.  
 
A professora de Educação de Jovens e Adultos (EJA) na rede estadual de São Paulo Maria Gilseneide Amorim diz que tem investido para que sua filha se forme médica. A moça cursa o ensino médio em escola particular. Já os pais de Maria, assim como mostra a pesquisa, estudaram apenas até a 3.ª série do fundamental. “Quase não tive acesso a livros nem incentivo para adquirir hábito da leitura“, conta. “Agora, trabalho para que minha filha possa ter a melhor qualidade de ensino.“  
 
Atualmente, a garantia de evolução social ainda maior está na escola privada, já que a qualidade das escolas públicas é reconhecidamente questionável. “Esses dados revelam a dramaticidade do que vem ocorrendo no ensino público brasileiro“, disse o secretário-executivo do Ministério da Educação, Fernando Haddad.  
 
Aula melhor – “Eu trabalho em escola pública e por isso sei que é melhor meus filhos estudarem na rede particular“, diz o professor de matemática Carlos Ferreira. Ele gasta cerca de R$ 500 para bancar os estudos dos dois meninos, de 11 e 12 anos. Segundo ele, o professor da escola particular muita vezes é o mesmo da pública. “Mas ele dá aula melhor porque tem salário maior, materiais didáticos e mais estrutura.“  
 
Ferreira dá aulas à noite e trabalha numa indústria durante o dia. Os dois empregos fazem com que se defina um integrante da classe média baixa. “Quem depende apenas do salário da escola pública é uma pessoa pobre.“  
 
Para o diretor do Sindicato dos Profissionais do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) Luiz Freitas, muitos professores se revelam individualistas ao pôr seus filhos na escola particular em vez de lutar para mudar o ensino público, do qual eles mesmos fazem parte. “Não acreditam na rede pública, mas não atribuem o problema a eles.“  
 
Contradição – No entanto, a pesquisa traz uma contradição: para os professores, a escola pública não é boa para educar seus filhos, mas é um bom local de trabalho. Apesar das queixas sobre salários e condições de trabalho, a maioria se diz satisfeita com a carreira. Mais do que isso, 50,2% dizem que querem continuar trabalhando na mesma função, na mesma escola.  
 
A pesquisa mostra, ainda, as dificuldades enfrentadas pelos professores para acompanhar o avanço da tecnologia e mesmo ter acesso a atividades culturais.  
 
Mais de 40% dos professores entrevistados foram no máximo uma vez a museus, 58,4% nunca usam a internet e quase 60% não têm correio eletrônico. A principal forma de lazer é a televisão.  
 
Internet não é ferramenta de professores  
Folha de São Paulo, Ana Flor 
 
Pesquisa sobre o perfil dos professores do ensino fundamental e médio no Brasil, divulgada ontem pela Unesco, mostra que quase 60% deles nunca usaram correio eletrônico ou navegaram na internet. Uma parcela ainda maior não lê jornal todos os dias e tem uma idéia negativa dos valores dos jovens de hoje. 
A pesquisa “O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam“ ouviu 5.000 professores (82,2% de escolas públicas e 17,8% das particulares), em abril e maio de 2002. 
 
O acesso restrito à tecnologia, avaliado pelos pesquisadores como problemático em uma sociedade que depende cada vez mais dos computadores, tem relação direta com os baixos salários. Um terço dos professores se diz pobre, e 53,1% acreditam pertencer à classe média baixa. “Um professor que não conhece a internet tem hoje capacidade limitada de ajudar seu aluno“, diz Maria Fernanda Rezende Nunes, pesquisadora da UniRio (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e uma das responsáveis pelo documento. 
 
A desvalorização econômica da profissão é responsável pela presença majoritária de mulheres (81,3%) na atividade. Segundo Maria Fernanda, a baixa remuneração pode explicar ainda a pouca idade da maior parte dos professores brasileiros (80% têm entre 25 e 45 anos). Em países europeus, segundo ela, a média fica em torno dos 40 anos. 
 
Em sua maioria, os professores são de famílias com pouca instrução. Os pais de 81% dos entrevistados não completaram o ensino básico (fundamental e médio) e 15% têm pais sem qualquer instrução formal. 
 
Mesmo tendo estudado na rede pública, a maior parte dos docentes prefere ver seus filhos em escolas particulares. “A avaliação está na crença de que a escola pública não é suficiente e que a escola privada permite maior mobilidade social“, avalia Maria Fernanda. 
 
A pesquisa mostra um quadro desanimador da visão que os professores têm dos jovens: mais da metade acredita que enfraqueceram valores como compromisso social, responsabilidade, seriedade, honestidade, tolerância e respeito aos mais velhos. Na visão da maioria dos docentes, apenas o amor à liberdade teria se fortalecido. “Esta concepção negativa cria um vínculo professor-aluno baseado na desconfiança e na falta de compreensão do outro“, diz Juan Carlos Tedesco, Diretor do Instituto Internacional de Planejamento de Educação. 
 
Para ele, a pesquisa ajuda a mapear o que deve ser mudado e onde os investimentos devem ir. “Os professores nunca foram prioridade na agenda das reformas educativas. Só se apostava em laboratórios, espaço e gestão“, diz. 
 
Para Eliezer Pacheco, presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) do Ministério da Educação, os números mostram “a tragédia da educação básica“, que causou a queda nos números de aprendizagem nos últimos dez anos. 
 
Pacheco enfatizou ainda que a pesquisa deixa claro a perversidade das diferenças regionais no país, “que faz escolas públicas da região Sul terem índices de aprendizado melhores do que escolas particulares do Norte“. 
 
Além do Brasil, a pesquisa foi realizada na Argentina, Peru e Uruguai. Foram semelhantes dados como baixos salários e a grande presença de mulheres na profissão. Segundo Tedesco, a pesquisa deve ser refeita em dois anos, para verificação de mudanças.

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