Priorizar investimento é desafio na educação

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

À exceção de quem gere o orçamento nacional, a notícia de que a Câmara dos Deputados aprovou a destinação de 10% do PIB para a educação foi comemorada por professores, alunos e pais com filhos em idade escolar.

 

Afinal, quem não quer um País que priorize a educação?

Passada a euforia, surgem os questionamentos. Como foi definido esse porcentual? Aumentar os recursos é uma medida suficiente para melhorar a aprendizagem? Em quais ações, efetivamente esse dinheiro será investido?
Diante dessas questões, os especialistas são unânimes: se quisermos uma educação de qualidade, é preciso, sim, aumentar o investimento em educação. Mas só o porcentual não diz muita coisa.

“Do jeito em que estão as coisas hoje, dinheiro a mais não causará impacto nenhum”, diz Priscila Cruz, diretora executiva do Todos Pela Educação. Para ela, é urgente uma mudança na forma de gerir os recursos. “É preciso crescer, mas com um planejamento específico, que estabeleça, por exemplo, quanto deve ser investido na formação de professores e na implementação de escolas de tempo integral”.

Ela afirma, por exemplo, que os avanços da última década – o porcentual do PIB investido em educação subiu de 3,9% em 2000 para 5,1% em 2010 – não tiveram impacto na aprendizagem de matemática. “Ficamos estagnados. Essa é a prova cabal de que o investimento só funciona com gestão financeira e pedagógica bem feita.”

Prioridades. Uma boa maneira de começar essa gestão financeira é atrelar os recursos a cada uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Antes da meta 20, que estabelece o montante do financiamento, há outras 19 que dependem de investimento para serem cumpridas.

“Professor com dedicação exclusiva a uma escola, ensino de tempo integral. Tudo isso custa muito e é preciso priorizar esses itens, mostrando quanto exatamente será destinado. Quando começamos a colocar os custos de cada item, elencamos prioridades. É um debate mais complexo”, afirma Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann. “Além disso, quanto mais concreto for o plano, melhor para a sociedade entender e cobrar as pessoas certas.”

Na lista de cobrança, segundo os estudiosos, é o próprio governo federal quem mais deve ser questionado por conta de sua pequena participação no financiamento da educação.

A legislação brasileira estabelece um regime de colaboração em que a União despende 18% das receitas adquiridas com impostos, enquanto Estados e municípios aplicam 25% de suas arrecadações de tributos.

“Nesse regime de colaboração, quem arrecada mais, investe menos. Atribui-se para o ente federado mais frágil, o município, a maior responsabilidade, que são o ensino infantil e fundamental”, diz Flávio Caetano da Silva, especialista em financiamento da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

Para ele, além do repasse insuficiente, falta suporte técnico. “Precisamos ter em mente que o País não é feito de grandes municípios. Mais de 70% da nossa malhar urbana é composta por cidades com até 50 mil habitantes e muitas carentes de formação técnica. Esse custo de formação é caro e também deve estar no pacote. Logo se percebe que os 10% não são exagero.”

Longe disso, explica Nelson Cardoso, que estuda o tema na Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele rebate àqueles que afirmam que o investimento de 10% seria exagerado se comparado a países desenvolvidos, como Alemanha e Japão, que aplicam menos de 5%. “A Bolívia investe 6,5% e o Canadá 5,2%. Alguém acredita que a educação boliviana seja melhor? Claro que não”, afirma Cardoso.

Ele explica que não há sentido em analisar os recursos financeiros sem considerar o quantitativo de pessoas em idade educacional e o valor total do PIB do país. “É óbvio que a Bolívia arrecada muito menos e tem muito mais estudantes. Logo, só é possível discutir qualquer coisa com base no investimento por aluno.”

E, nesse quesito, estamos mal. Dados apresentados pelo professor Amaury Gremaud, da Faculdade de Economia e Administração da USP de Ribeirão Preto, mostram que o Brasil investe menos de um terço do que a média empenhada pelos outros membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) (veja tabelas nesta página).

E, se considerado o destino desses recursos, percebe-se que, no Brasil, o custo de um aluno do ensino superior é cinco vezes maior do que o de um estudante da educação básica. Os países da OCDE também gastam mais com o universitário, mas não existe essa disparidade brusca em relação aos outros níveis.

Divisão. Em um país que ainda luta pela universalização do acesso e tem 27% de sua população na categoria de analfabetos funcionais, essa divisão precisa ser mais uniforme. “E tem de começar no infantil. Porque depois que a árvore entorta, ficam os colegas ao longo dos anos lutando contra o fracasso escolar, remendando com merendinha, livro, texto, aumento da jornada”, diz Cândido Gomes, da Universidade Católica de Brasília. “Daí é tarde demais.”

 


“Para ter 10% do PIB, precisaria de 5 CPMFs a mais de receita”

Sem que haja o atrelamento dos recursos advindos do petróleo ao financiamento da educação, é impossível que se cumpra os 10% do PIB aprovados pela Câmara dos Deputados. “Eu precisaria de cinco CPMFs e não há mais espaço para a criação de novos impostos”, disse ao Estado o ministro da Educação, Aloísio Mercadante.

– Como o senhor avalia a aprovação, na Câmara, de que 10% do PIB do País devem ser destinados à educação?

Precisamos aumentar o investimento em educação. Estamos em uma etapa de ‘boom’ demográfico e, daqui a algum tempo, com o envelhecimento da população, vai crescer muito a demanda por saúde e previdência. Mas, hoje, a prioridade precisa ser a educação. Porém, é preciso encontrar uma fonte de financiamento, porque dentro do orçamento já não dá. Para mim, esse novo orçamento é a riqueza do petróleo, são os royalties do pré-sal.

– E só o aumento de investimento resolve? Não é preciso uma reforma na gestão dos recursos?

Nosso sistema de gestão está todo informatizado. Estamos fazendo com todas as secretarias o PAR (Plano de Ações Articuladas), um programa que já tem quatro anos. As principais contas são feitas por meio de editais públicos ou por licitação em pregão eletrônico, aos quais os Estados e municípios aderem, e que nos ajuda a comprar mais e melhor. Por fim, toda as prestações de contas feitas ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) são online e identificadas na hora, o que nos ajuda a tomar providências cabíveis. No caso de uma creche, por exemplo, se não recebemos a prestação de contas em 60 dias, acionamos o prefeito diretamente.

– Mas e a gestão pedagógica? O MEC prevê alguma iniciativa de orientação às secretarias estaduais e municipais para que o aumento do investimento realmente impacte na aprendizagem?

As redes são dos municípios e dos Estados, mas temos estabelecido várias ações em parceria. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é um exemplo. Esse projeto, que prevê que toda criança esteja alfabetizada até os 8 anos de idade, é um programa que muda a relação do MEC com a rede na questão da gestão. Isso porque é o ministério que vai fornecer todo o material pedagógico e oferecer capacitação a 300 mil professores alfabetizadores. Os resultados serão mensurados por uma avaliação externa que vai medir a performance dos alunos e ajudar a melhorar a efetividade do programa.

– Existe a possibilidade de a União aumentar sua participação no regime de colaboração?

O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) já é mais amplo do que o Fundef, já que engloba também a rede infantil e o ensino médio. Nas creches, estamos com uma parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e vamos aumentar em 50% o valor transferido por aluno que é beneficiário do Bolsa-Família. Mas, para dar um passo mais significativo em relação à escola de tempo integral e maior valorização do professor, é preciso ter uma fonte de financiamento que, a meu ver, devem ser os royalties do petróleo. Não podemos deixar que esse dinheiro seja desperdiçado na máquina burocrática do governo.

– E se não vierem os recursos do petróleo?

Para chegar a 10% do PIB, que seriam mais de R$ 210 bilhões, eu precisaria de 5 CPMFs a mais de receita. Como não há mais espaço para aumentar impostos, é preciso definir outras fontes de financiamento e a única possível são os royalties do petróleo.

 

 

Menu de acessibilidade