“Primeira Infância e formação de professores mudam os resultados da Educação”

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Presidente-executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz é a entrevistada da newsletter Abrelivros em Pauta deste mês. Ela abordou a reforma do Ensino Médio e o desempenho do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) 2022. “Os números observados mostram que os recursos utilizados pelos estados brasileiros na educação são muito importantes, mas a boa gestão pública importa bastante, especialmente em momentos de crise”. Destacou também a importância das escolas em tempo integral, além da necessidade do desenvolvimento amplo de duas políticas fundamentais: Primeira Infância e formação de professores.

 

– Qual sua avaliação para o cenário da Educação no Brasil e a situação da reforma do Ensino Médio?

Acho importante sempre enfatizar que a reforma do ensino médio não é uma reforma, é uma mudança da arquitetura curricular do ensino médio. Serve para colocar esta etapa em linha com a de outros países, respeitando as diferentes juventudes, honrando o acúmulo de informação que esses jovens vão tendo ao longo da sua trajetória escolar, e também dos educadores. Para que, inclusive num mundo complexo, em que o desenvolvimento exige do sistema educacional uma ampla arquitetura curricular, permita um aprofundamento para o jovem em determinadas áreas. Que ele possa cursar disciplinas que são fora da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Que realmente consiga ter um acesso e uma exposição ao mundo profissional, ao futuro que queira seguir, em caminho para uma vida adulta.

É bastante importante essa mudança, mas não é uma reforma do ensino médio. Uma reforma de verdade deveria levar em conta especialmente a formação dos professores, a escola de ensino médio, gestão escolar etc. Existe muita coisa envolvida que não está presente nesse projeto de lei que é chamado de reforma do ensino médio. O que está acontecendo é que agora o relator, o deputado Mendonça Filho, e o Ministério da Educação (MEC), precisam chegar a um acordo. Acredito que isto está próximo de ser atingido, deve estar encaminhado no primeiro semestre de 2024.

– Quais foram os fatores que influenciaram o desempenho do Brasil no PISA 2022, e de que maneira a sociedade civil, estados e municípios compensaram essa lacuna dos resultados anteriores?

Existem dois lados da mesma moeda. Um é dizer que o Brasil vem em um ritmo de reformas educacionais. Na verdade, não existe uma reforma educacional, e sim várias reformas que vêm acontecendo no país há mais de 20 anos. Desde a criação das diretrizes curriculares, do Fundef, IDEB, Prova Brasil, do Fundeb, além de outros documentos de diretrizes para a formação dos professores, implementação da BNCC. Agora estamos discutindo o sistema nacional de educação. Enquanto no Brasil estamos passando por uma série de reformas, em outros países a situação está um pouco mais consolidada, porque já fizeram muito em anos anteriores, em décadas passadas. O Brasil está vindo num ritmo de olhar para a educação, fazer as reformas, fazer as mudanças legislativas e mudar a política nacional. Estamos dando muita ênfase agora em educação integral, porque é algo que, de novo, outros países já fizeram. E o Brasil só começa a ganhar mais velocidade nessa expansão agora, com um olhar mais específico para a alfabetização.

Isso tudo vem ocorrendo no Brasil e fez com que tivéssemos uma queda menor do que a observada na média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mesmo na comparação com países que têm um tamanho e uma renda per capita parecido com o nosso, como o México, tivemos uma queda bem menor.

O outro lado é que quando saímos da média Brasil e olhamos para os estados, especificamente, existe muita desigualdade em relação a essa queda e diferenças de comportamentos. Isso sempre ocorreu, mas na pandemia vimos que estados mais bem geridos tiveram um recuo ainda menor. Quando observamos os resultados de outro indicador, como Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), isso fica bastante claro. Estados que fizeram uma boa gestão durante a pandemia, que é quando realmente existe uma crise que testa a capacidade de uma secretaria, como as do Ceará, Pernambuco e São Paulo, tiveram quedas menores do que outros, como o Espírito Santo. Esses resultados mostram que recursos são muito importantes, mas a boa gestão pública importa bastante, especialmente em momentos de crise.

– Quais políticas e práticas implementadas recentemente no Brasil contribuíram para a manutenção da estabilidade nas notas do PISA? Na sua opinião, quais são as mais importantes e como essas iniciativas estão refletindo nos resultados atuais?

Claro que precisamos ter mais escolas de tempo integral, ter um foco grande em alfabetizações e políticas específicas para essa etapa, melhorar gestão e financiamento, ainda tem muita coisa para ser feita. No Todos Pela Educação temos o documento “Educação Já” que justamente apresenta de forma sistêmica essas mudanças necessárias. Precisamos da combinação, da somatória de todas essas políticas andando de forma coordenada. É isso que vai fazer com que a gente saia do patamar atual e mude completamente de resultado educacional.

Mas quero destacar duas políticas que são basilares para que outras tenham ainda mais resultado. Uma delas é a política da Primeira Infância, com o desenvolvimento das habilidades necessárias. Aqui estão contemplados os desenvolvimentos cognitivos, social, físico e também o emocional, que acontecem de uma forma muito acelerada neste período. Trata-se de uma janela de desenvolvimento que não podemos perder. Temos uma dívida especialmente com as crianças mais pobres, que têm pouquíssimas oportunidades de garantir esse desenvolvimento nessas dimensões todas. Necessitamos garantir que essas crianças tenham uma boa alimentação, espaço seguro para brincar, acesso a livros, contação de histórias, a “bebetecas”, a atividade física, e que possam interagir com outras crianças. Elas precisam ter esse momento que é sagrado, honrado pelas políticas públicas.

Existe uma série de políticas que precisam ser coordenadas, porque são muitas. Não adianta ficarmos falando de várias políticas de forma separada. Há chance disso gerar mais desigualdade e ter um acesso maior para umas, e não para outras, além de não conseguir ter um atendimento mais personalizado. Por isso que é importante haver uma integração. E o Brasil tem falhado muito nessa parte, especialmente para as crianças que mais precisam. São aquelas que as suas famílias não têm condição de garantir essas oportunidades, de saúde, de proteção física, e em relação também à proteção à violência sexual. Quando falo em educação falo de crianças, adolescentes, jovens que têm uma trajetória na educação básica.

A segunda política é a formação de professores, que é a outra pessoa que está na escola, e que é tão importante quanto o aluno. É preciso investir no professor, especialmente na formação inicial. Atualmente, no Brasil isso está sendo um desastre. Existe uma educação à distância que vem crescendo de forma desordenada, é um crime que tem sido feito contra a educação, e, portanto, contra o país. Hoje, 81% dos ingressantes em cursos de licenciaturas, incluindo em pedagogia, estão com matrículas em educação à distância (EAD). É impossível formar professores 100% neste formato. Essa realidade precisa mudar, é preciso ter uma seriedade de tratamento em relação à formação de professores, completamente distinta daquilo que a gente observa hoje no país.

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