Prefeituras de SP terceirizam a educação

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Depois dos serviços de coleta de lixo, de varrição pública e de recapeamento asfáltico, os municípios estão terceirizando até mesmo a educação. Prefeitos de 145 cidades brasileiras, sendo 129 no Estado de São Paulo (um quinto das 645), passaram a usar os recursos federais destinados ao setor para pagar convênios com sistemas particulares de ensino, como o Objetivo, o COC e o Anglo. 
 
Apesar de não ser ilegal, as parcerias são contestadas por especialistas, já que o dinheiro público é repassado ao setor privado e nem sempre os convênios firmados garantem uma melhora na qualidade de ensino. 
 
Os municípios compram um kit básico que contém apostilas para os alunos, treinamentos periódicos para professores e planejamento pedagógico. Alguns pacotes incluem avaliações da rede e fornecem ajuda pela internet. As principais empresas não divulgam seus custos, mas eles variam de R$ 145 a R$ 260 por aluno/ano. As aulas ocorrem em escolas da rede municipal e os docentes são pagos pelas prefeituras. 
 
Mesmo com boa parte dos pais aprovando a medida, educadores lembram que a responsabilidade de capacitar professores, elaborar projetos e oferecer material didático deve ser dos municípios. 
 
“Escolas não são empresas. Cada uma vive uma realidade e precisa de um projeto próprio. Não dá para impor um currículo único“, diz a chefe do departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da USP, Lisete Arelaro. 
 
Os sistemas privados de ensino já são responsáveis por cerca de 320 mil alunos (de um total de 3,2 milhões), a maioria do ensino fundamental. Mais da metade das prefeituras deu início à parceria no ano passado, como Jaú, Cajobi, Bocaina e Uchôa. Nesses casos onde a mudança é recente, ainda não há uma avaliação precisa sobre o impacto na educação. 
 
Em Cerquilho, onde a gestão é do PTB, o programa se desenvolve há cinco anos. A Secretaria da Educação paga R$ 170 por aluno/ ano em troca de apostilas bimestrais, oito capacitações para os professores por ano e apoio pedagógico para resolver as dúvidas dos coordenadores. A prefeitura afirma que o investimento vale e que a qualidade melhorou. 
 
Crescimento 
 
Os grupos de ensino também estão confiantes. A expectativa de crescimento das parcerias é de no mínimo 20% para este ano. De olho neste mercado há quem esteja criando programas especiais para a rede pública, como o Sistema Aprende Brasil de Ensino (Sabe), do Grupo Positivo –que disponibiliza conteúdo educacional exclusivo no site do grupo. 
 
O COC, sistema responsável por 68 prefeituras, já tem há nove anos o Núcleo de Apoio à Municipalização (Name). “Damos apoio às prefeituras para que elas possam dar um salto na qualidade do ensino“, afirma o superintendente do COC, Nilson Curti. 
 
As atividades na internet, no entanto, não estão disponíveis para a rede pública, porque muitas prefeituras não têm como acessar esse material por falta de recursos. 
 
Para manter os clientes privados, alguns sistemas não trabalham na rede municipal de cidades que tenham escolas conveniadas. É o caso do Grupo Opet. “Não fechamos com as duas redes em uma mesma cidade para que não haja competitividade, já que todo o trabalho e material é igual“, diz a gerente de negócios do grupo, Jacqueline Menezes. “Conosco, o aluno da rede municipal recebe exatamente a mesma formação que o da particular.“ 
 
Mas há casos em que o material que vai para a rede pública não é o mesmo da rede privada. O Objetivo e o Positivo, por exemplo, preparam apostilas especiais para escolas municipais. “O número de atividades na rede pública é menor que na rede privada, mas a maioria das propostas permanece como sugestões no caderno do professor“, explica o diretor-geral do Objetivo, José Augusto Nasr. 
 
Dever de casa 
 
Ainda assim, os pais estão satisfeitos. Em Cabreúva (prefeitura do PMDB), onde o convênio existe há um ano, Áurea Maria Rigo Silva, mãe de Eduardo, 9, que vai para a 3ª série, só tem elogios. “Estou percebendo que a qualidade melhorou. O Eduardo tem mais lição e parece que os professores estão mais dedicados.“ Já ele reclama: “Não é muito legal porque a gente tem que escrever muito. Todo dia tem dever de casa“. 
 
As prefeituras que adotam apenas as apostilas devem avisar ao MEC que não precisam mais dos livros enviados pea União para que não sejam acusadas de uso duplicado do dinheiro público. Em 2005, 62 comunicaram o fato. Para 2006, já são 85. Não dá para afirmar que as demais estejam agindo ilegalmente porque elas podem usar os livros como apoio. 
 
Os convênios são autorizados pelo MEC desde que sejam pagos com recursos do próprio município, no caso da educação infantil, ou com no máximo 40% da verba do Fundef, para o ensino fundamental. Os tribunais de contas do Estado e da União ainda não detectaram irregularidades. A maioria das cidades faz concorrência pública para escolher o sistema. 
 
Para especialistas, é preciso cautela
DA REPORTAGEM LOCAL

Terceirizar a educação não é o melhor caminho para melhorar a formação dos alunos nas escolas públicas, afirmam especialistas. Para eles, os pais não devem se deslumbrar com as “grifes“ de colégios particulares e é preciso cautela com a expansão dos convênios entre prefeituras e sistemas privados de ensino, já existentes em 129 cidades de São Paulo.

“Há cidades que adotam esquemas muitas vezes mais ligados ao material do que ao projeto pedagógico, que estão preocupadas apenas com a compra de livros“, alerta o professor de pós-graduação em educação da PUC-SP, Mário Sérgio Cortella, que já foi secretário municipal de Educação de São Paulo. Ele lembra que, geralmente, os grupos privados estão mais preocupados com os conteúdos e com a preparação para o vestibular e menos com a formação geral. “Mas a obrigação da escola pública é com a cidadania. Acho uma temeridade social a adoção desses convênios.“

Coordenadora dos Parâmetros Curriculares Nacionais e integrante do Instituto Sangari, Ana Rosa Abreu também é contra o ensino conteudista e lembra que o material desses grupos não passa pela avaliação do MEC, ao contrário dos livros didáticos.

Para ela, é obrigação das prefeituras administrar suas redes de ensino. “O município não pode delegar a responsabilidade de planejar as propostas pedagógicas e capacitar os professores para o setor privado. Dar uma “grife“ de ensino particular à rede pública não é garantia de qualidade.“

Esses tipos de convênio, afirma a professora da Faculdade de Educação da PUC-SP Helena Machado de Paula Albuquerque, restringem a autonomia dos professores e podem torná-los dependentes do material e do método. “É claro que a parceria interessa aos sistemas de ensino, mas acredito que os docentes têm potencial para definir melhor o que interessa para suas turmas.“

Mas para Rose Neubauer, diretora-presidente do Instituto Protagonistes e ex-secretária estadual da Educação de São Paulo, o convênio pode ajudar municípios pequenos se o material e a proposta forem de qualidade. “Às vezes temos prefeituras sem quadro técnico para atualizar professores e desenvolver projetos.“.“

A mesma explicação é dada por secretários de Educação das prefeituras conveniadas. “Com a assessoria de um sistema de ensino fica mais fácil capacitar os professores“, diz Elisabeth Frias Pares, diretora de Educação de Socorro (prefeitura do PSDB), que adota a parceria há quatro anos. .“


Professora afirma que, no início, teve dificuldade para se adaptar
DA REPORTAGEM LOCAL .

“Assim que recebem as primeiras apostilas, contam os professores, a sensação é de pânico, medo de não dar conta do recado. Acostumados a trabalhar com livros didáticos e sem um prazo fixo para terminar cada conteúdo, eles contam que sentiram dificuldade quando suas prefeituras começaram a utilizar o convênio com sistemas particulares de ensino..“

“Dava desespero. A gente achava que não daria tempo de acabar o programa de cada bimestre, que os alunos não iam conseguir ler os textos grandes“, lembra Luciane Malachias de Oliveira, 33, professora de 1ª, 3ª e 4ª séries da rede municipal de Águas de Lindóia, que tem o convênio há dois anos..“

“Passamos por um treinamento antes da mudança, mas a quantidade de conteúdo se tornou bem maior e tivemos de nos acostumar. Agora, nós e as crianças já estamos adaptados.“ Luciane diz que o serviço de 0800 disponibilizado pelo convênio foi um apoio importante. “Sempre que tínhamos dúvida, telefonávamos“, afirma a professora..“

Prefeito de Orindiúva, uma das primeiras cidades a adotar a parceria, há nove anos, Darlei Queiróz de Oliveira (PMDB) também afirma que as primeiras dificuldades foram superadas. “Os professores se acostumaram bem com as apostilas e todo mundo percebe que o ensino está melhor.“.“

Para que os docentes não se sintam muito desorientados, os sistemas de ensino preparam um treinamento intensivo antes do ano letivo começar. “É natural que no início os professores sintam a diferença, mas trabalhamos para que fiquem seguros com o material e possam aproveitá-lo ao máximo“, afirma o diretor de marketing do Grupo Positivo, André Caldeira..“

Mudança A 165 km de São Paulo, a cidade de Ipeúna vive um fato curioso. Desde que no ano passado a prefeitura (PSDB) fechou o convênio para que um sistema de ensino famoso passasse a cuidar de suas escolas, moradores de outros municípios têm se mudado para lá. Em busca de um ensino gratuito de “marca“, famílias chegam e se instalam por lá. A artista plástica Lilian Alonso, 36, conta que não pensou duas vezes ao deixar Diadema. “Tenho cinco filhos. Todos estudavam em colégio particular. Quando fiquei sabendo que a prefeitura oferecia um ensino de qualidade reconhecida, comprei uma casa lá.“.“

Antes, ela fez questão de visitar as escolas onde seus filhos estudariam. “Gostei muito e não me arrependo. Não é só por causa da economia que estamos fazendo, mas porque sei que eles estão aprendendo mesmo.“ (DT)

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