“Precisamos tratar as cicatrizes da pandemia”

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

Em entrevista a Abrelivros em Pauta, o economista Marcelo Neri, diretor da Fundação Getulio Vargas Social (FGV Social), autor do estudo “O impacto da Covid 19 na Educação”, falou sobre o atraso da educação básica brasileira. Para ele, mesmo com o aumento de três para dez anos, o ensino básico ainda tem muito o que avançar: “Em quarenta anos a educação mudou, mas não foi o suficiente para refletir na qualidade de produtividade do trabalhador brasileiro. O que esperávamos era obtermos resultados também na economia do país, situação que não aconteceu”, afirmou. Neri falou ainda sobre os reflexos da falta de educação básica adequada e a contribuição da Reforma do Ensino Médio.

 

Como a senhor avalia o momento da educação básica no país?

A educação básica evoluiu muito no país, basta dizer que de 1965 a 1980 o Brasil possuía apenas três anos de estudo nessa categoria. Atualmente são disponibilizados 10 anos, mas ainda é um nível muito baixo. Em quarenta anos a educação mudou, mas não foi o suficiente para a produtividade do trabalhador brasileiro. O que esperávamos era obter resultados também na economia do país, situação que não aconteceu.

É um certo mistério, porque de 1965 para 1985 a educação ficou estagnada, com os três anos de estudo, mas houve um salto. Isso mostra que o Brasil é um país complexo. O gasto com Educação, mesmo se comparado com países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país não gasta tão pouco. Mas o rendimento em termos de proficiência escolar é baixo, além do baixo desempenho em produtividade.

Do ponto de vista social, a gente teve resultados, como uma maior cidadania e aumento da expectativa de vida, mas não em relação do ponto de vista econômico.

O seu estudo “O impacto da Covid 19 na Educação” mostra uma mudança na desigualdade?

Nos últimos anos houve, de fato, uma mudança diferente em relação ao que vinha acontecendo nos 40 anos anteriores. Antigamente, o crescimento na educação era sentido nas crianças em fase de alfabetização, o maior avanço se dava nessa faixa escolar. Após a pandemia houve uma inversão.

Em 2020, em termos de frequência escolar voltamos aos níveis de 2006, na faixa de estudantes de 5 e 6 anos. Quando observamos o tempo de estudo, estamos 50% abaixo do que tínhamos em 2006. Foi um efeito maior nas crianças mais novas, onde tínhamos conquistado progressos.

É necessário o desenvolvimento de uma agenda importante para recuperar o atraso, entre as crianças que hoje possuem 8 e 9 anos. Precisamos tratar as cicatrizes da pandemia.

Na sua opinião, o que seria necessário ser feito para recuperar essas perdas?

Essas perdas foram maiores na base da distribuição no Brasil, foi diferente do que aconteceu no mundo. No mundo a avaliação da qualidade de sistema educacional feita com a população caiu 2,5 % nos 40% mais pobres, e 4,5% nos 40% mais ricos. No Brasil, caiu 22% nos 40% mais pobres, e 8% nos 40% mais ricos. Houve uma piora na educação, principalmente para as crianças mais novas, mesmo com os progressos que conquistamos.

Na comparação histórica, com base no índice de Gini, que varia de 0 (perfeita igualdade) a 1 (desigualdade máxima), observamos que em 1870 a desigualdade de educação era de 93%, recuou para 24% em 2010, e 22,3% em 2019.

Precisamos fazer o que já não estávamos fazendo bem: recuperar o atraso.

Existem outros exemplos de iniciativas de políticas públicas, na sua concepção, que poderiam ser usadas na Educação no Brasil?

A pandemia trouxe a necessidade de ensino remoto e não soubemos aproveitar. Diminuiu-se o investimento em ensino remoto, que permitiria fazer a recuperação de uma forma mais acertada. Regredimos muito.

Temos um instrumental, o programa Bolsa Família, para recuperar esse atraso das escolas na base, que dá certo. Existem muitas possibilidades para recuperar, mas precisam ser bem usadas. E preciso levar a sério o problema do atraso escolar. Outro bom exemplo, desenvolvido no Rio de Janeiro, foi premiar alunos pelo avanço de notas. Para o atraso gerado pela pandemia seria uma boa alternativa.

Como a senhor avalia a implantação da BNCC e a reforma do Ensino Médio, contribuíram nesse sentido?

A Reforma do Ensino Médio tem avanços importantes de direção. A proposta é criar uma diversidade de opções em vez do aluno aprender um pouco de tudo. Aprender o básico em Línguas, Português, Matemática, e poder escolher as trajetórias formativas. Esse é um processo correto.

Nosso Ensino Médio era bastante problemático. Há 15 anos perguntávamos para a criança porque não ela estava no Ensino Médio, o motivo era por falta de interesse intrínseco na educação. Isso decorre do generalismo oferecido.

Sabe-se que temos desafios, problemas de desigualdade, mas (o novo Ensino Médio) é uma direção melhor do que a gente tinha. Precisamos criar condições para todos.

 

Menu de acessibilidade