Plano de educação de Lula amplia meta de aprendizagem e evita temas sensíveis; veja detalhes

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

Às vésperas do fim da vigência do atual Plano Nacional de Educação (PNE), que vence no dia 24 de junho, o Ministério da Educação (MEC) já tem uma minuta da proposta do governo federal para a nova lei. O documento, ao qual o Estadão teve acesso, cria metas em áreas consideradas prioritárias pela pasta, como a alfabetização e a educação integral, mas recicla o mesmo patamar de financiamento para a educação previsto no plano atual.

A proposta não aborda diretamente temas considerados “sensíveis”, como a questão LGBTQIA+. Em temas que suscitam debates entre a esquerda e a direita, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se restringe a falar sobre “respeito à diversidade”, direitos humanos, relações étnico-raciais, e educação ambiental.

No documento, o MEC inclui a proposta de nova lei, além de justificativas. O MEC enviou a minuta do PNE ao Ministério da Fazenda e ao Ministério do Planejamento e Orçamento, e aguarda o aval das pastas para encaminhar o texto à Casa Civil. Para construir a proposta, a pasta levou em consideração contribuições feitas durante a Conferência Nacional de Educação, que reuniu gestores, professores e estudantes.

No fim do mês passado, a Comissão de Educação do Senado aprovou a prorrogação do prazo do PNE até 31 de dezembro de 2025. A proposta foi encaminhada nesta quinta-feira, 13, para a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. O Estadão procurou o presidente da comissão da Câmara, Nikolas Ferreira (PL-MG), mas não obteve resposta.

Uma análise feita pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, uma das entidades que esteve no centro das discussões sobre o Plano, mostra que somente quatro das 20 metas do PNE foram parcialmente cumpridas. O diagnóstico será lançado na semana que vem na Câmara dos Deputados.

As metas cumpridas parcialmente dizem respeito à participação da rede pública na expansão de matrículas da educação profissional e tecnológica; ao percentual de docentes no ensino superior privado com mestrado e doutorado; ao número de mestres nos país; e ao percentual de professores da educação básica com pós-graduação.

Após um ano e meio do início do governo, uma parte dos especialistas avalia que o MEC de Camilo Santana (PT) apresenta medidas na direção correta, mas precisa acelerar o ritmo de implementação de projetos e entrega de resultados.

Ex-governador do Ceará, a expectativa é de que ele e sua equipe consigam replicar pelo País modelos exitosos do Estado do Nordeste, que tem aparecido entre as melhores taxas de aprendizagem do País nos últimos anos. O País, no entanto, segue entre os piores em rankings globais de aprendizagem.

Uma das maiores dificuldades do governo tem sido destravar o debate sobre a reforma do ensino médio, que ainda está com a aprovação pendente no Senado às vésperas do recesso legislativo. No ano passado, após críticas à implementação do novo currículo dessa etapa de ensino, o MEC fez uma nova proposta, em que aumenta a carga horária de disciplinas obrigatórias, como Português e Matemática.

Plano traz metas específicas para alfabetização
Para o novo PNE, o governo traz metas mais específicas para a alfabetização. Na lei atual, o plano estabelece como meta “alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental”, adequando a lei às novas diretrizes, que estabelecem que os alunos devem estar alfabetizados até o 2º ano, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Mas, além disso, traz metas intermediárias específicas.
• A nova proposta fixa que 75% das crianças estejam alfabetizadas ao final do 2º ano em até cinco anos após a aprovação do plano. E que todas estejam alfabetizadas até o fim da vigência do plano, que dura dez anos.
• O novo PNE também estabelece meta de reduzir desigualdade entre crianças de grupos sociais, raça, sexo e região. A perspectiva é que o desempenho seja mais de 90% semelhante ao fim do plano.

A alfabetização é um dos focos do governo Lula, que lançou o programa “Criança Alfabetizada”. No mês passado, o MEC divulgou um dado que mostra que 56% das crianças de até 7 anos no País estão alfabetizadas. Na ocasião, o governo fixou como meta no âmbito do programa que 80% das crianças estejam plenamente alfabetizadas até 2030.

Na exposição de motivos feita pelo MEC que acompanha a proposta de PNE a ser enviada a Lula, a pasta destaca a queda na porcentagem de alunos alfabetizados no 2º ano. Em 2019, cerca de 60% dos estudantes eram alfabetizados nesta fase. O índice caiu para 44% em 2021, devido aos impactos da pandemia.

“Essa tendência reflete uma necessidade urgente de intervenções para recuperar a aprendizagem perdida durante o período pandêmico”, diz o texto do documento que será enviado ao presidente.

Novos objetivos para conter distorção entre idade e série
Com a progressão dos anos de estudo, o novo PNE também acrescenta metas no que diz respeito à conclusão. Uma delas estabelece que no final do PNE, por exemplo, 100% das crianças devem ter concluído o 5º ano do fundamental na idade certa.

• Esse acompanhamento por etapa é uma estratégia para tentar reduzir a distorção entre a idade dos estudantes e a série em que estão. A passagem do 5º ano do ensino fundamental para o 6º ano é um dos períodos onde a evasão é um problema.

Dados inéditos compilados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação mostram que o percentual da população de 6 a 14 anos que frequenta ou já concluiu o ensino fundamental caiu de 97,2% em 2014, quando a lei do PNE foi sancionada, para 95,7% no ano passado. Um dos reflexos da pandemia da covid-19.

A proposta do governo traz uma mudança em relação aos níveis de aprendizagem que devem ser alcançados. A meta nova traz uma primeira mudança de parâmetro ao estabelecer como objetivo que os estudantes alcance o nível “adequado” de aprendizagem, e não mais o nível “suficiente” ou “desejável”.

Com isso, o governo propõe que os sistemas trabalhem não mais nivelando pelo aprendizado “mínimo”, mas para o aprendizado necessário, considerado bom para os padrões.
• A meta nova determina que, depois de cinco anos com o plano em vigor, 70% dos estudantes concluam o 5º ano do fundamental com uma aprendizagem adequada.
• Ao fim de dez anos do PNE, a meta é chegar a 100% neste patamar.
• No caso do 9º ano, a proposta do governo é que 65% dos estudantes cheguem ao nível adequado em cinco anos. E todos atinjam esse resultado ao final de dez anos.
O PNE atual fixava que pelo menos 70% dos alunos de todo ensino fundamental tivessem alcançado nível “suficiente” e 50% o nível “desejável” ao final de cinco anos.
A lei determina ainda que 80% tivessem alcançado o nível “desejável” ao final de dez anos, completos neste mês. Dados mais recentes do MEC mostram, no entanto, que o país está bem distante desta meta. Em 2021, apenas 56,1% dos estudantes do 5º ano tinham alcançado nível “adequado” em Língua Portuguesa, por exemplo. No 9º ano o percentual era ainda menor, com 39,6%.

Educação em tempo integral tem metas ampliadas
Foco do governo Lula, a educação em tempo integral teve suas metas ampliadas na proposta para o novo PNE. A lei vigente fixou que 50% das escolas públicas oferecessem educação em tempo integral até este ano. E que 25% dos alunos da educação básica estudassem nessa modalidade. Essas metas não foram cumpridas.
• De acordo com um relatório feito pelo grupo de trabalho do MEC sobre o PNE, no Brasil, apenas cerca de 27% das escolas oferecem educação integral e somente 18,2% matrículas estão nessa modalidade.
• A proposta é que para o novo ciclo de 10 anos a meta seja ampliada para 55% das escolas com oferta da modalidade e 40% dos estudantes da educação básica atendidos pelo modelo.
“As escolas muitas vezes carecem da infraestrutura e dos recursos necessários para suportar uma jornada escolar estendida, especialmente em áreas rurais e para estudantes com deficiência. Estudantes de áreas menos desenvolvidas e estudantes indígenas têm acesso reduzido a essas oportunidades”, afirma o MEC nas justificativas.

A proposta é que para o novo ciclo de 10 anos a meta seja ampliada para 55% das escolas com oferta da modalidade e 40% dos estudantes da educação básica atendidos pelo modelo.

Assistência financeira a alunos em vulnerabilidade
O rascunho do novo PNE coloca como uma das estratégias para alcançar essas metas “promover políticas de assistência financeira aos estudantes matriculados em jornada de tempo integral”. A redação detalha que devem ser atendidos principalmente estudantes do ensino médio em situação de vulnerabilidade, “a fim de garantir o acesso, a permanência e a conclusão dos estudos”.

A pasta explica na exposição de motivos que o Plano deve “promover o aumento do financiamento para a oferta de educação integral em tempo integral”, além de melhorar as instalações escolares e desenvolver políticas que considerem as necessidades específicas de diferentes regiões.

Financiamento mantido no mesmo patamar
Um dos grandes temas durante a discussão do PNE antes de 2014, o financiamento da educação foi mantido no mesmo patamar pelo governo atual. A proposta do governo é que o investimento público em educação alcance 7% do Produto Interno Bruto (PIB) até o 6º ano de vigência e chegue a 10% em até dez anos.

Em 2020, segundo dados compilados pelo MEC, o Brasil investia cerca de 5,5% do PIB na educação. Na prática, ao manter a meta original, a medida prorroga em mais dez anos um patamar de financiamento que deveria ter sido alcançado até este ano. Apesar disso, na exposição de motivos, o MEC argumenta que é preciso um esforço para ampliar o investimento.
“Ao mesmo tempo, é necessário esforço nacional para ampliar o investimento por aluno da Educação Básica, com a adequada diferenciação segundo as necessidades educacionais dos estudantes e as diferentes modalidades de oferta”, afirma o documento.

No âmbito do financiamento, a proposta do governo traz um dispositivo novo: determina que o país deve alcançar o investimento por aluno a um percentual do PIB per capita “equivalente à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE até o 5º ano de vigência deste PNE”. O MEC justifica a necessidade de atrelar o financiamento a esse parâmetro:

“O Brasil, segundo dados da OCDE de 2020, investe por aluno o equivalente a 20,7% (vinte vírgula sete por cento) do seu Produto Interno Bruto – PIB per capita, estando ainda abaixo do esforço relativo à sua riqueza quando comparado à média dos países da OCDE, que é de 23,7% (vinte e três vírgula sete)”, diz o documento da exposição de motivos.

O texto fixa ainda que ao final dos 10 anos do plano em vigor esse investimento deve atender ao Custo Aluno Qualidade (CAQ). Embora o texto vincule o investimento ao CAQ, acaba prorrogando por mais dez anos o prazo para que o mecanismo entre em vigor.

O CAQ é um cálculo que considera quanto o país deve investir por aluno para alcançar os padrões educacionais de qualidade de países desenvolvidos. A lei em vigor previa que o mecanismo estivesse em em pleno funcionamento até este ano, o que não aconteceu. O dispositivo também está na lei que instituiu o Fundeb, principal fonte de financiamento da educação básica, mas nunca foi regulamentado.

Temas sensíveis ficam de fora
Embora tenha sido usado como base pelo MEC para elaboração do novo PNE, o documento produzido pela Conferência Nacional de Educação (Conae) não foi contemplado em temas significativos, como a inclusão de questões relacionadas à população LGBTQIA+.

A questão relacionada a esse tópico apareceu ao longo de todo documento da Conae com citações a estratégias que contribuam para um ambiente de não violência contra essas pessoas; além de fortalecimento de ferramentas para garantir a permanência desse público na escola, e a perspectiva de uma educação inclusiva para essas pessoas.

Nos bastidores da formulação do PL do Novo PNE já era sabido que temas considerados “polêmicos” seriam evitados no texto a fim de não criar tensão na discussão. A menção a tópicos como a população LGBTQIA+ foi deixada de lado para evitar reações polarizadas no Congresso. Atualmente, a comissão de Educação da Câmara é presidida pelo bolsonarista Nikolas Ferreira.

O rascunho do novo PNE elaborado pelo governo menciona a questão da diversidade, mas de maneira genérica. No trecho sobre educação integral, por exemplo, a redação menciona como uma das estratégias para chegar à meta a inclusão de temas transversais, “com o objetivo de valorizar a sustentabilidade ambiental e a diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.”

Menu de acessibilidade