Parâmetros para a alfabetização

Por pressão pública, ampliada a partir das reportagens de Paulo Saldaña e João Gabriel no jornal Folha de São Paulo, finalmente o Inep anunciou na semana passada os resultados de alfabetização mensurados pelo Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Os dados de 2023, que o instituto resistia em divulgar, registraram um percentual de 49% de crianças alfabetizadas, superior ao auge da pandemia em 2021 (36%), mas inferior ao patamar pré-pandêmico de 2019 (55%).

A principal justificativa apresentada pelo presidente do Inep, Manuel Palácios, para a não divulgação desses dados até então foram inconsistências na amostra. Isso afetava pouco o dado nacional (margem de erro de três pontos percentuais), mas causava significativa discrepância no resultado por estado, chegando a 22 pontos (para mais ou menos) na Bahia, por exemplo. O índice de 49% nacional era também distinto dos 56% registrados para o mesmo ano em outra avaliação divulgada pelo Inep, que serve de parâmetro para o compromisso nacional Criança Alfabetizada.

Ainda que busquem mensurar o mesmo fato (o percentual de crianças alfabetizadas no 2º ano do fundamental), as duas pesquisas têm metodologias distintas. Enquanto o Saeb da alfabetização é calculado a partir de uma prova nacional aplicada a uma amostra de alunos, os dados do relatório Criança Alfabetizada são censitários, extraídos e parametrizados a partir de avaliações locais em 24 das 27 unidades da federação (três, portanto, ficaram de fora em 2023).

Em tese, com alguma boa vontade, a diferença nos percentuais nacionais entre os dois levantamentos (de 49% para 56%) poderia ser razoavelmente explicada por conta da abrangência e das diferentes metologias. O IBGE, por exemplo, também realiza pesquisas amostrais (como a Pnad e a POF) e censitárias, e já houve casos em que dados relevantes (como a renda média, desigualdade, ou mesmo indicadores educacionais) apresentavam alguma discrepância além da margem de erro em levantamentos muito próximos. Mas, por serem pesquisas consolidadas, e pela transparência como as metodologias sempre foram divulgadas, isso gerava pouco ruído na comunicação dos resultados.

A direção do Inep gerou uma crise desnecessária no episódio, justamente por não ter sido transparente na comunicação sobre os problemas na amostra do Saeb para a alfabetização. Sendo a margem de erro do levantamento nacional de apenas três pontos, esse dado já poderia ter sido divulgado, com as devidas explicações sobre a inconsistência nos resultados por estado, e já com as respostas sobre o que o instituto está fazendo para evitar que erros assim voltem a ocorrer. O fato é que, por uma metodologia ou por outra, os números contam uma história parecida, e nada alvissareira: cerca de metade das crianças em 2023 não estava plenamente alfabetizada.

Apesar de suas limitações e imperfeições, instrumentos de avaliação são úteis em duas frentes principais: a prestação de contas a respeito do esforço coletivo para assegurar a qualidade do ensino, e a devolutiva às escolas, para que educadores possam aprimorar suas estratégias pedagógicas para garantir a aprendizagem de todos. Conciliar essas duas dimensões não é simples, e talvez precisemos de instrumentos distintos para cada uma delas.

A cultura de avaliação externa da aprendizagem foi um legado do governo Fernando Henrique, ampliada nas administrações do PT e mantida até hoje. Mas os instrumentos atuais estão obsoletos e, especificamente no caso da alfabetização, sequer conseguimos consolidar um padrão até aqui. O Inep, acertadamente, tem feito esforços nesse sentido. Mas, além de qualidade técnica, a transparência será fundamental para convencer a sociedade de que temos um termômetro confiável para avaliar essa etapa tão essencial da aprendizagem.

 

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