Para alcançar a meta federal de 80% de crianças alfabetizadas até 2030, os governos terão que fazer mais

Embora a alfabetização na idade certa seja consenso nacional, os progressos são tímidos: 59,2% das crianças estão alfabetizadas no segundo ano do Ensino Fundamental, ante 56% em 2023, segundo novos dados do Indicador Criança Alfabetizada (ICA), do governo federal. Mesmo com um indicador que necessita de importantes melhorias, é preciso destacar que houve avanço e cada ponto percentual a mais é resultado de um enorme esforço de gestores e professores que não pode ser ignorado, muito menos deixar de ser celebrado.

A ex-governadora do Ceará Izolda Cela costumava dizer enquanto estava à frente da gestão pública que bons resultados devem ser celebrados rapidinho e logo é preciso retomar o trabalho com mais energia e os aprimoramentos necessários.

Não por acaso, o Ceará lidera em termos de alfabetização no país, com 85,3%, fruto de políticas contínuas desde 2007. A Bahia, na outra ponta, marca 36% — com queda preocupante em um ano. Salvador (36,8%), na lanterna entre as capitais que tiveram dados divulgados, exemplifica a crise: falta de articulação entre estado e municípios retarda avanços. No Rio Grande do Sul, as graves enchentes de 2024 escancararam vulnerabilidades: o total de crianças alfabetizadas caiu 18,7 pontos percentuais, pressionando a criação de políticas educacionais resilientes a crises.

Fortaleza (74,8%) e Vitória (73,2% — alta de sete pontos em um ano) comprovam que gestão eficaz, formação docente e monitoramento geram resultados. O Compromisso Nacional pela Alfabetização (CNCA), do Ministério da Educação, impulsionou avanços em 18 estados, mas esbarra em fragilidades locais.

Em São Paulo, cidade mais rica do país, o percentual de crianças alfabetizadas na idade certa é de 48,3%, ainda abaixo da média nacional. Mas há de se “celebrar rapidinho” o desejo de acertar do município, que saltou dez pontos percentuais no último ano. Já o Rio de Janeiro, cuja gestão municipal também vem demonstrando prioridade à educação nos últimos anos, passou de 56,2% para 63,8% de crianças alfabetizadas.

Um aprendizado tem sido disseminado à luz das experiências exitosas: colaboração técnica e orçamentária entre União, estados e municípios. Mas para acelerar resultados em todo o território nacional é preciso também disseminar o entendimento de que qualquer resultado finalístico, como índices de alfabetização, depende de um conjunto de políticas. Uma política de alfabetização não pode ser apenas uma política de alfabetização. Ela precisa começar, também, pela primeira infância e políticas docentes. E aí temos um desafio enorme, mas possível.

A boa notícia é que o governo federal, enfim, assinou, nesta semana, o decreto que institui a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância, fruto de recomendações técnicas elaboradas no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o “Conselhão”. Para além do texto assinado, é fundamental que se cumpra um plano de ação guiado por medidas estratégicas, com objetivos claros, metas, indicadores de acompanhamento e responsabilidades bem definidas entre os ministérios. É o que ajudará na boa implementação da política nos meses restantes deste mandato presidencial.

No que diz respeito às políticas docentes, o novo decreto do governo federal que regulamenta o Ensino a Distância (EaD) no Ensino Superior abre brecha para que as faculdades ofereçam apenas 7,5% de carga horária presencial para a formação de futuros professores (em cursos de Licenciaturas, por exemplo). Caminho que precisa ser urgentemente corrigido.
É fato e já destaquei neste espaço do GLOBO há pouco tempo: a formação majoritariamente à distância compromete significativamente a aprendizagem prática cotidiana, indispensável ao desenvolvimento profissional — mais ainda para as salas de aula.

São exemplos de políticas que, integradas, têm potencial de impulsionar umas às outras. Para alcançar a meta federal de 80% de alfabetização até 2030, os governos terão que fazer mais, muito mais. Mas vai valer a pena. Com crianças alfabetizadas na idade certa, os demais indicadores de aprendizado vão avançar também. Agora, é hora de retomar o trabalho.

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