Pandemia não acabou na educação

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O anúncio da OMS, na sexta-feira passada, de que a Covid-19 deixou de ser considerada uma emergência de saúde pública de importância internacional veio seguida de vários alertas de especialistas de que isso não significava o fim da pandemia, e que era preciso continuar com esforços de prevenção, tratamento e conscientização. Em boa medida, vale o mesmo para a educação, pois muitos dos impactos seguem relevantes e continuarão demandando ações dos sistemas educacionais.

Não apenas há muito a fazer, mas também há muito ainda a ser conhecido. Um estudo coordenado pelos pesquisadores Tiago Bartholo e Mariane Koslinski, do Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais da UFRJ (em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e com a prefeitura de Sobral/CE), acrescenta mais evidências ao debate, ao mostrar que novas gerações menos afetadas com o fechamento de escolas já estão próximas dos níveis de aprendizagem verificados pré-pandemia. A desigualdade, porém, está maior.

A pesquisa foi feita com 1.364 crianças de pré-escolas municipais de Sobral sorteadas. Inicialmente, seu objetivo era investigar características da oferta de educação infantil que contribuíam mais para o desenvolvimento das crianças. A primeira geração de alunos avaliados é de 2019. Com a chegada da Covid em 2020, o foco passou a ser os impactos da pandemia, e foram avaliados estudantes em 2020, 2021 e 2022, todos matriculados na pré-escola, permitindo a comparação entre grupos que vivenciaram diferentes impactos da paralisação do ensino presencial.

Uma rodada anterior da pesquisa já havia identificado que as perdas no desenvolvimento cognitivo, socioemocional e de habilidades motoras e físicas foram brutais entre aqueles que concluíram a pré-escola em 2021, e portanto vivenciaram 16 meses de atividades remotas em dois anos letivos. Num contexto em que a importância da escola é relativizada por grupos extremos, o resultado, ainda que intuitivo, é relevante para mostrar a importância desse equipamento público, especialmente para as famílias mais pobres.

A nova rodada, com alunos que terminaram a pré-escola em 2022 e, portanto, foram expostos a 6 meses de atividades remotas em 2021, trouxe alguns resultados positivos e outros preocupantes. A boa notícia foi que os níveis de aprendizagem, pelo instrumento utilizado, já estão bem próximos dos verificados antes. Em 2022, por exemplo, 60% das crianças acertaram mais de 90% das questões de um teste de vocabulário. No grupo pré-pandemia, de 2019, esse percentual foi de 67%. No auge da Covid, em 2021, essa proporção caiu a 27%.

O preocupante foi a constatação de que a diferença entre mais ricos e mais pobres cresceu. Em 2019, a distância entre esses dois grupos, medida em termos de progresso na aprendizagem, era praticamente nula, com os mais pobres até avançando um pouco mais que os mais ricos. Como esperado, o auge desse gap apareceu na pandemia. A nova rodada de estudos, incluindo dados coletados ao longo do ano de 2022, mostrou que a diferença diminuiu, mas ainda não ao ponto de voltar ao patamar de equidade registrado anteriormente.

Por terem sido realizados apenas em Sobral, os dados não podem ser extrapolados para o restante do país. Mas o fato dessa desigualdade persistir em alguma medida numa rede reconhecida pelos bons resultados de aprendizagem acende um alerta importante de que ainda há muito a fazer ao longo dos próximos anos para recuperar as perdas provocadas pela pandemia.

Publicado por Antônio Gois – O Globo em 08/05/2023.

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