País investe mal e não consegue corrigir distorções no ensino

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“Mais verbas para a educação“ é uma das palavras de ordem de maior ressonância no Brasil. Que o País gasta pouco em educação, e essa é uma das causas de seus males, tornou-se verdade inquestionável. Entretanto, como porcentagem do PIB, o gasto brasileiro com educação pública não é baixo, se comparado com os padrões mundiais. Aqui, esse índice é de 4,3%, quando a média dos países mais desenvolvidos, reunidos na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é de 4,9%. Alemanha, Irlanda e Japão, por exemplo, investem uma porcentagem do PIB menor que o Brasil. 
 
Com uma agravante. Em todos os países da OCDE, o gasto privado com educação é bem menor do que o público, porque as famílias, mesmo de classe média e até alta, podem confiar seus filhos à rede pública de ensino. Na média dos brasileiros, as despesas com educação consomem 3,5% do orçamento familiar. Essa fatia sobe para 4%, no entanto, entre as famílias com renda de 30 salários mínimos ou mais. 
 
A Constituição compromete 18% das receitas de impostos federais e 25% das estaduais e municipais com a educação. Não é pouca coisa. Então, para onde está indo esse dinheiro? É simples. Um aluno de universidade pública no Brasil custa 12,7 vezes mais do que um aluno da rede pública de ensino fundamental (R$ 11.480 para R$ 905, em valores de 2003). O custo do fundamental representa 11,8% do PIB per capita; o do superior, 150%. É natural que o ensino superior custe mais que o fundamental. Mas não nessa proporção. No México, o país da OCDE onde essa relação é maior, ela é de 3,2 vezes. 
 
Dos R$ 21 bilhões de orçamento anual do Ministério da Educação, em torno da metade vai para a folha de pagamento. Dessa metade, 87% é consumida pelos professores e funcionários das universidades federais, na ativa e aposentados. Que, aliás, estão em greve há três meses, por melhores salários. Professores doutores ganham entre R$ 5.500 e R$ 7 mil, e reivindicam 18% de reajuste. 
 
Apesar de seu custo, as universidades federais ostentam uma das piores relações professor/aluno do mundo: 1 para 16. Na França, onde dificilmente se argumentará que os estudantes estão pior assistidos, ela é exatamente o dobro: 1 para 32. Apenas um em cada dez universitários brasileiros freqüenta universidades públicas. 
 
Dos cerca de R$ 80 bilhões gastos com a educação pública no País, três quartos são dos Estados e municípios. As distorções seriam menores, portanto, se não se reproduzissem nos outros níveis. Mas não é o caso. No Estado de São Paulo, por exemplo, onde 30% das receitas com impostos vão para a educação, totalizando R$ 12 bilhões, 22% são usados para atender aos cerca de 6 milhões de estudantes do ensino básico (fundamental e médio) e os outros 8%, aos cerca de 144 mil alunos das universidades estaduais. 
 
O que faz com que a universidade pública drene tantos recursos, para atingir um resultado tão pífio? A resposta também é simples. Enquanto noutros países a ciência é feita por institutos, laboratórios, centros de pesquisa e empresas, no Brasil, ela está mesclada com o ensino, dentro das universidades públicas. Assim, o custo de formar um profissional nas universidades públicas brasileiras engloba o custo de formar pesquisadores e cientistas, mesmo quando esse profissional pretende apenas seguir uma carreira liberal no mercado, sem qualquer relação com a produção científica. 
 
Especialistas como Guiomar Namo de Mello, da PUC de São Paulo, sugerem uma mudança radical no sistema de ensino superior, que inclua a formação de profissionais liberais – engenheiros, advogados, educadores, etc – em escolas e institutos isolados. “Universidade é para formar pesquisador, cientista, filósofo“, diz Guiomar. 
 
Dentro das universidades federais, a idéia não é vista com bons olhos. Para Oswaldo Duarte Filho, presidente da Andifes, a associação dos reitores das universidades federais, para se formar um “profissional qualificado“, é preciso unir pesquisa ao ensino. “Nos EUA, a pesquisa acontece nas empresas. No Brasil, as grandes empresas são multinacionais, que desenvolvem pesquisas nas matrizes. Se não tivermos ciência e tecnologia nas universidades, vamos ser sempre um país periférico.“ 
 
“É por isso que temos tantos mais Prêmios Nobel do que o México, o Chile e a Argentina“, ironiza Rose Neubauer, ex-secretária de Educação do Estado de São Paulo. “Uma sociedade pobre tem de fazer uma opção de onde investir mais“, afirma Rose, professora da USP. 
 
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica constatou, em 2003, que 59% dos alunos da 4.ª série do ensino fundamental não desenvolveram habilidades elementares de leitura e 52,3% não dominaram parte importante dos conhecimentos necessários para dar continuidade aos estudos. Na 8.ª série do ensino fundamental, apenas 9,6% dos estudantes adquiriram competência para elaborar textos mais complexos. 
 
Como se verá na entrevista abaixo, com o ministro Fernando Haddad, o governo rejeita a noção de optar entre a ênfase na educação básica e na superior. Ao manter as coisas como estão, no entanto, privilegia a universidade gratuita justamente para quem poderia pagá-la: dada a precariedade da educação básica na rede pública, a concorrência no vestibular faz com que oito em cada dez estudantes da USP, por exemplo, provenham das escolas particulares. “A questão não é optar entre ensino superior e fundamental“, diz Guiomar. “É o modo de apropriação do recurso público.“ A especialista acredita que no Pró-Uni, o programa de abertura de vagas gratuitas nas universidades particulares, “o dinheiro público está muito mais bem empregado do que os bilhões para pagar salários de professores e funcionários das universidades federais, perdulárias, ineficientes e descomprometidas com a educação da maioria“. 
 
 
Universidade aberta pode ser a solução, diz ministro  
 
O ministro da Educação, Fernando Haddad, é contra a mudança de ênfase nos gastos públicos, do ensino superior para a educação básica. “Temos que aumentar o gasto nos dois níveis, e não em um, em detrimento do outro“, argumenta Haddad, 42 anos, advogado, mestre em Economia, doutor em Filosofia e professor licenciado de Teoria Política da USP. Em entrevista ao Estado, o ministro reconhece, no entanto, que é preciso aumentar o número de alunos por professor nas universidades federais, e demonstra entusiasmo pela universidade aberta, um modelo de ensino não-presencial, que o governo está implantando no Brasil. 
 
Relatório de 2003 do MEC mostra que metade do orçamento do ministério é destinada a salários e, dessa fatia, 87% vão para os professores e funcionários das universidades federais. O que o senhor acha dessa composição? 
 
O MEC gasta menos de 1% do PIB. O Brasil gasta cerca de 4% do PIB com educação. Portanto, 3% do PIB é gasto por Estados e municípios. Como Estados e municípios são responsáveis por praticamente toda a rede de educação básica, 3% vão para ela. Do MEC, cerca de metade do orçamento vai para educação básica, porque boa parte do nosso orçamento é salário-educação, que financia programas como o do livro didático, merenda. 
 
Um aluno do curso superior no Brasil custa 16 vezes mais que no ensino fundamental. Entre os membros da OCDE, o país que tem a maior relação é o México: 3,2. 
 
Nossa relação é muito alta, mas não é porque se gasta muito com educação superior. Temos muito gasto em ciência e tecnologia que é considerado gasto em educação. 
 
Isso tem a ver com o modelo de universidade. Nos outros países, os centros de pesquisa estão separados das universidades. 
 
Essa não separação no Brasil infla os gastos com educação. O segundo aspecto são os inativos, que são considerados na conta. O terceiro são os gastos em ações e serviços de saúde. Além disso, no Brasil, temos um baixo número de alunos por docente nas universidades: 1 para 16. Na França, é 1 para 32. Não porque o professor dá pouca aula. O que temos, é pouco aluno em sala de aula, principalmente à medida que o curso avança. E não estamos aproveitando todo o potencial de infra-estrutura instalada, de laboratórios, bibliotecas. Temos de rever isso. 
 
A universidade pública forma muitos cientistas e pesquisadores. Não seria melhor investir em instituições que formam profissionais, a um custo mais baixo? 
 
Temos que investir mais nesses institutos de educação superior. O modelo de expansão vai atender mais a esse critério. Estamos finalizando o estabelecimento de um número mínimo de estudantes por professor nos 36 pólos novos, que não poderá ser a média atual das universidades. Eles já terão uma dinâmica diferente. Estamos lançando a Universidade Aberta do Brasil, um sistema com qualidade igual ou melhor que o presencial. Isso vai permitir, rapidamente, e a um custo infinitamente menor, levarmos a educação superior para cidades que não comportariam uma instituição de ensino superior nos moldes tradicionais. No dia 24, foi assinada com 7 universidades a instalação de 100 pólos, com 3.500 alunos, em caráter experimental. Para você ter uma idéia de quão baixo é o custo, são R$ 6 milhões para a melhoria dos pólos já existentes e para elaboração do material didático. 
 
No longo prazo, não há a intenção de mudar a relação entre os gastos com ensino básico e superior? 
 
Não. Temos que aumentar o gasto nos dois níveis, e não em um, em detrimento do outro. A União está aportando R$ 4,3 bilhões no Fundo da Educação Básica, pela emenda constitucional que cria o Fundeb (em tramitação na Câmara). Esse fundo decuplica a verba da União para educação básica. Um dos grandes erros que o País cometeu foi opor a educação superior à básica. Gerou distorções inclusive para a educação básica, como a falta de professores graduados. Reduzir gasto com ensino superior num país que tem 9% dos jovens entre 18 e 24 anos matriculados, e apenas um terço nas instituições públicas, não é o caminho. 
 
Mas também é preciso melhorar o ensino médio, para mais pobres entrarem na universidade pública. 
 
Este governo tem dois programas que não existiam antes: o Prodeb, que são R$ 400 milhões investidos no ensino médio, e o livro didático, que só tinha para o ensino fundamental. Estamos atuando em todo o ciclo. Os dois níveis são complementares. 
 
Como porcentual do PIB, não estamos mal, comparando com a OCDE. 
 
Essa é uma comparação completamente inapropriada. Esses países já fizeram o esforço para educar sua população. 
 
O esforço não é contínuo? Os EUA não têm que educar a população? 
 
Não é assim que funciona. Todo país que deixou de ter indicadores baixos na educação fez um esforço maior. O Japão, no pós-guerra, investiu muito mais em educação do que investe hoje. Não concordo com esse tipo de conta, porque superestima os gastos com educação no Brasil. Segundo, porque não leva em consideração o estoque da dívida educacional. Nosso gasto com educação básica é baixíssimo, em paridade de poder de compra. Além disso, tivemos a escravidão moderna mais longeva do mundo, e 46% são afrodescendentes. Gastando a média mundial, você não vai saldar essa dívida. Só 10% das crianças estão em creches. No período mais importante de formação neurológica, a criança está trancada num quarto, sendo cuidada por um irmão, e não numa creche recebendo o estímulo correto para uma formação adequada da sua capacidade cognitiva. 
 
O ponto é que não se aprende praticamente nada na escola pública. 
 
É porque a maioria das crianças chega velha, aos 7 anos, à escola pública. Criança pobre sem a devida atenção vai repetir a 1.ª série mais de uma vez. A repetência está em 40%. 
 
A dúvida, aqui, é se o problema é falta de dinheiro ou falta de usar bem o dinheiro. 
 
Acho as duas coisas. Tem toda uma questão de melhorar a qualidade do gasto, mas não podemos desconsiderar nossa realidade histórica. Precisamos de um compromisso nacional para superar essas dificuldades. 
 
O comprometimento legal da receita já não é razoável: 18% federal e 25% estadual e municipal? 
 
No caso federal, não. Há a DRU (desvinculação das receitas orçamentárias), que resulta numa desvinculação efetiva de 33%. A educação perdeu, depois da DRU, R$ 4,5 bilhões (ao ano). Nos últimos dez anos, só aumentaram as contribuições sociais. Impostos, que é sobre o que incidem os 18%, vêm caindo, como proporção do orçamento. A educação, ou entra para a agenda econômica do País, e deixa de ser considerada meramente como gasto social, ou vamos chegar ao bicentenário da Independência (em 2022) com os mesmos problemas que temos hoje.  

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