Os donos do livro

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Confirmando a geopolítica do país, São Paulo e Rio, que sediam as duas principais bienais do mercado editorial brasileiro, também abrigam as personalidades mais influentes do setor, segundo enquete promovida pela Folha. 
 
Com mais que o dobro de votos do segundo colocado, Luiz Schwarcz chacoalhou o mercado editorial ao profissionalizar todas as etapas de produção do livro. Discípulo do inovador Caio Graco na editora Brasiliense nos anos 80, Schwarcz (com 16 votos) passou a ver o livro como objeto de consumo, digno de tratamento diferenciado em todas as etapas de produção. Isso incluía desde a tradução, revisão, diagramação e acabamento sofisticados até a venda em locais então pouco usuais -como supermercados- e a divulgação agressiva junto da mídia. 
 
Já Luciana Villas-Boas, após uma carreira bem-sucedida em jornal e TV, assumiu há dez anos a direção editorial da Record. Selo principal do poderoso grupo editorial que leva o mesmo nome, ela tem administrado com sucesso seu imenso catálogo, que vai de poesia e sociologia a ciência, literatura e economia, além do grande número de best-sellers. 
 
Na outra ponta do mercado editorial está Pedro Herz, livreiro que soube criar na Cultura do Conjunto Nacional, em SP -por muito tempo, sua única unidade-, um padrão de excelência tanto no atendimento quanto na formação de acervo, que também privilegia a “backlist“ -livros lançados já há algum tempo. 
 
Chama a atenção na enquete a importância relativamente pequena atribuída aos críticos de jornais e revistas, outrora decisivos para determinar o vida ou a morte de um livro -e de que é exemplo Antonio Candido (mencionado duas vezes). 
 
Critérios 
 
Para realizar essa enquete, a Folha ouviu 35 pessoas dentre um amplo leque de personalidades-chave do mercado, como editores, livreiros, tradutores, escritores, críticos e professores universitários -muito dos quais, de resto, apontados entre os mais influentes. Cada um deles votou em três nomes -sem hierarquização- que consideravam os mais influentes do mercado editorial brasileiro, sendo vedado indicar o próprio nome assim como publicações ou instituições. 
 
Talvez cientes -e ciosos- do poder que detêm, os três mais indicados na enquete preferiram se abster de votar. 
 
 
 
Livrarias cobram para dar destaque nas vitrines 
Folha de S. Paulo – R. Cariello, I. M. Lima e E. Simões
 
O consumidor não é informado, alguns editores e livreiros negam ou desconversam, mas a verdade é que o destaque dado a muitos livros em vitrines ou no interior de algumas grandes livrarias é comprado. Da mesma maneira que os supermercados fazem com sabão em pó ou saquinhos de batata frita, as livrarias cobram -e os editores pagam- para que os produtos, no caso livros, ocupem posições estratégicas em vitrines, gôndolas ou “pilhas“ que chamam a atenção do público. 
 
“Não existe nada disso“, afirma a assessoria de imprensa da editora Rocco. “Todas fazem isso“, garante Ivo Camargo, diretor de vendas da Ediouro.  
 
Camargo tem razão. Redes como Fnac, Saraiva, Livraria Cultura e Laselva estabelecem preços para colocar livros em destaque. Embora a prática não seja ilegal, ela não é explicitada para os consumidores -que não sabem o que é indicação do livreiro e o que é espaço comprado. 
 
Os preços de um pedaço de vitrine ou de uma pilha de livros em destaque variam, de acordo com planilhas e negociações a que a Folha teve acesso, de R$ 700 a R$ 2.000, dependendo do local e do tempo de exposição.

Embora os preços sejam estipulados em dinheiro e algumas livrarias tenham até tabelas específicas para o negócio, o pagamento, de forma geral, é feito em mercadoria (mais livros, o que, ao final, significa um abatimento no preço por unidade para as livrarias, em troca do espaço nobre e da divulgação para os leitores). 
 
Parcimônia na venda 
 
Duas das principais redes de venda de livros no país, a Cultura e a Fnac, ambas com lojas em grandes cidades do país, confirmaram à Folha o procedimento. 
 
Sergio Herz, diretor da Livraria Cultura, que cobra R$ 900 por cerca de 1m de vitrine (por loja durante 15 dias, envolvendo até dez títulos de uma mesma editora), afirma que o espaço vendido é minoritário em relação ao destinado à indicação editorial da rede. “Se 15% forem comercializados, é muito“, ele diz. “Não é toda a vitrine. Nós separamos partes da vitrine, senão a livraria fica sem liberdade.“ 
 
O princípio da Cultura, ele diz, é manter sua independência em relação às editoras, decidir em quais casos negociar e se orientar pelo que considera ser o interesse do leitor. Ele diz que, se a rede vender espaço demais sem pensar no consumidor, termina por ser ela própria a prejudicada. 
 
“Quando a gente vai vender o espaço, o que é interessante? Interessa para o cliente da livraria? Se interessar, a gente pode até ver. Se não interessar, acabou, esquece.“ 
 
Questionado sobre o fato de o consumidor não ter nenhuma indicação de qual espaço foi vendido e qual se trata de uma indicação não-comercial da livraria, ele diz não ver prejuízo para o leitor. “Ele tem livre-arbítrio para comprar o que quiser. Não é impositivo. Ninguém está forçando nada nem é uma lavagem cerebral.“ 
 
Pierre Courty, diretor-geral da Fnac Brasil, que cobra R$ 2.000 por uma “ponta de gôndola“ acompanhada de anúncio no site da rede durante dez dias, afirma que essa política resulta em ganhos para o consumidor. “O trabalho da Fnac é o de tentar negociar o melhor preço possível e tentar baratear o livro“, ele diz. As “pontas de gôndola“ são as “esquinas“ entre as estantes. 
Courty também afirma que o espaço vendido é minoritário dentro da loja. Segundo ele, a lógica comercial é o que menos pesa nas indicações da rede. “O produto tem que ser interessante.“ 
 
“Não há como dizer a você que não existe uma negociação“, afirma Martine Birnbaum, diretora de comunicação e ação cultural da Fnac. “Mas é pontual e faz parte de uma política mais ampla.“ 
 
A Folha também procurou as livrarias Saraiva, Siciliano e Laselva, citadas por editores como redes que vendem visibilidade. Elas não responderam às perguntas feitas pela reportagem. 
 
Editoras 
 
Entre as grandes editoras, o assunto é tratado com cautela. As duas casas mais prestigiosas do país, a Companhia das Letras e a Cosacnaify, não atenderam aos pedidos da Folha para comentarem a prática. 
Luciana Villas-Boas, editora da Record, disse desconhecer o procedimento. “Acho lamentável que essa prática comum das cadeias de livrarias dos EUA se estenda ao Brasil“, disse. 
 
Já Ivo Camargo, diretor de vendas da Ediouro, afirmou realizar a compra de locais de destaque nas livrarias, prática que, segundo ele, é comum a todas as grandes redes (leia texto nesta página). 
 
Marcos Pereira, editor da Sextante, detentora de grandes sucessos comerciais -como “O Código Da Vinci“-, confirma a venda por parte das livrarias. “No Brasil, começa a existir esse tipo de oferta para editores. É uma faca de dois gumes, porque quem é contra perde para a concorrência que compra o espaço de exposição, que é importante na decisão do comprador“, ele diz. 
 
A venda de vitrines e “pontas de gôndola“ é condenada sobretudo pelas pequenas e médias editoras. Ivana Jinkings, editora da Boitempo, considera que o procedimento “é indefensável, sob qualquer aspecto. É um contra-modelo, a não ser seguido, pois trata o livro como uma mercadoria entre outras“. Entre as conseqüências possíveis da venda de espaço ela prevê “a diminuição da oferta de obras de conteúdo, em grande parte produzidas por editoras que não se submetem a essa ditadura do mercado“, e a “perda de credibilidade das livrarias“. 
 
Jinkings defende que a prática seja extinta. “No mínimo, deviam deixar claro ao leitor ou cliente que aquele determinado espaço é pago, e não indicação do estabelecimento“, afirma. 
 
Araken Ribeiro, editor da Contracapa e presidente da Libre (Liga Brasileira de Editoras), que reúne pequenas editoras, diz que “na medida em que você começa a cobrar para expor livros, é natural que os pequenos percam espaço“. “É uma briga de quem tem poder econômico“, afirma. 
 
Mas a disseminação dessa prática tem forçado até pequenas editoras a entrarem no jogo. No que chama de sua “primeira grande incursão no mercado com um best-seller, de forma consciente“, para lançar “O Atentado“, de Yasmina Khadra, Eliana Sá, da Sá Editora, resolveu que o livro merecia uma “operação de emergência“ e negociou “com uma das grandes redes do mercado“ -ela não quis mencionar o nome da livraria- uma “ponta de gôndola“, paga com uma bonificação em livros. 
 
“É uma aposta de coexistência necessária, porque tenho uma editora pequena e estou nadando contra a corrente neste ano, lançando menos títulos, best-sellers, com maior tiragem. Decidi que preciso negociar com as grandes redes“, diz Sá. 

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