O tamanho do abismo da educação

O recente Panorama da Educação da OCDE (um fórum de democracias desenvolvidas), particularmente focado no ensino superior, expõe com desconfortável clareza o abismo que separa o Brasil não só dos países ricos, mas de economias emergentes mais bem-sucedidas. Não basta investir uma fatia elevada do PIB em educação – 4,3%, acima da média da OCDE de 3,6% – se o sistema distribui mal os recursos e gasta pior ainda.

A deficiência começa na distorção perversa nos níveis de ensino. Na educação básica – a principal alavanca de mobilidade social –, o País investe só um terço da média internacional. Ao mesmo tempo, mantém universidades públicas de alto custo – comparáveis em despesa por aluno à média da OCDE –, mas que formam relativamente poucos diplomados. É uma transferência de renda às avessas: a massa de pobres, presos a escolas precárias, financia a gratuidade acadêmica para poucos jovens das classes altas.

O retrato do ensino superior é desanimador. Apenas 24% dos brasileiros de 25 a 34 anos possuem diploma, ante 49% na média da OCDE. E metade dos que ingressam na graduação não conclui o curso. Muitos diplomas concentram-se em áreas de baixo impacto inovador, e apenas 16% em ciência, tecnologia, engenharia e matemática – indispensáveis para competir na economia digital –, em contraste com a média de 23% dos países avançados.

Cerca de 24% dos brasileiros de 18 a 24 anos não estuda nem trabalha, ante 14% na média da OCDE. É desperdício de capital humano e uma bomba-relógio social. Ao mesmo tempo, a desigualdade de renda entre diplomados e não diplomados é desproporcional: no Brasil, os primeiros ganham 148% a mais do que os segundos; na OCDE, a diferença é só de 54%. O diploma aqui é ao mesmo tempo escasso e sobrevalorizado – refletindo a baixa qualificação geral da força de trabalho.

As causas são conhecidas. O sistema universitário público segue elitista e caro, sustentado pela indissociabilidade rígida entre ensino, pesquisa e extensão, com baixa produtividade e currículos engessados. Paralelamente, floresceu um setor privado massificado, dominado pelo ensino a distância de qualidade desigual, que absorve estudantes mais pobres, mas registra taxas elevadas de abandono. A combinação de elitismo no topo e massificação precária na base produziu um sistema desigual e pouco efetivo.

O caminho da correção é claro. Primeiro, reequilibrar prioridades: fortalecer a educação básica, hoje subfinanciada, e a técnica, estigmatizada, sem abandonar a excelência necessária no ensino superior. O ensino técnico poderia reduzir a evasão e o contingente dos “nem-nem”, aproximando escola e trabalho, dando ao País a mão de obra que a indústria da inovação demanda e impulsionando a mobilidade social. Mas só 13% dos estudantes do ensino médio estão nessa modalidade de formação, ante 40% na OCDE. No mesmo sentido, é preciso diversificar o modelo acadêmico: universidades voltadas à pesquisa de excelência devem coexistir com instituições voltadas à formação regional, técnica e profissionalizante.

Além disso, é preciso modernizar a lógica do financiamento: não faz sentido sustentar universidades pela mera folha de salários. É preciso atrelar recursos a resultados verificáveis – taxas de conclusão, empregabilidade dos egressos, relevância da pesquisa. Autonomia de gestão deve vir acompanhada de metas claras, e a regulação do setor privado precisa ser mais inteligente, garantindo informação transparente sobre qualidade e empregabilidade sem sufocar sua capacidade de ampliar acesso.

O Brasil conquistou avanços quantitativos – mais vagas, mais matrículas, mais diplomas. Mas permanece atolado na mediocridade qualitativa, gastando muito para resultados modestos. O desafio não é apenas expandir o acesso, e sim transformá-lo em permanência, aprendizado e inserção produtiva. O futuro não se constrói com títulos de papel, mas com instituições capazes de formar capital humano, reduzir desigualdades e inovar. Sem isso, o Brasil continuará preso ao paradoxo de investir muito e colher pouco – um país de diplomas caros, mas de conhecimento barato.

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