O Projeto do Ministro da Educação Tarso Genro

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O professor Tarso Genro, ministro da Educação, se levanta todos os dias às 6 horas para caminhar no parque que fica ao lado do hotel onde mora, no centro de Brasília. É nesses momentos de reflexão, sozinho, que ele tem construído a estratégia de um novo projeto com o qual ele pretende mudar a face do ensino no Brasil. “Vem aí uma verdadeira revolução“, anuncia. “Hoje, 97% das crianças estão na escola, mas é um ensino de péssima qualidade“, prossegue. “A nossa revolução é pela qualidade em todos os níveis.“ Tarso olha para cima e alisa o bigode. “Vamos mexer com tudo, vamos fazer nossa parte para acelerar o desenvolvimento nacional.“ Rege o ditado popular que de boas intenções o inferno está cheio. Há neste momento 205 programas em andamento no MEC – e ainda não se sabe o que vai sair do papel. Mas num governo marcado pelas acusações de paralisia, chamam atenção alguns fatos e números que demonstram que o ministro está conseguindo viabilizar parte de suas idéias. Quatro delas têm forte impacto na economia real.  
 
Na sexta-feira 15 de outubro, o MEC começou a receber as propostas de adesão das faculdades particulares ao ProUni, programa que beneficiará jovens carentes com bolsas de estudos. Cerca de 200 instituições já se manifestaram, mas o ministro aposta na adesão de 250, que abrirão 60 mil vagas em 2005. Em troca, terão garantido a isenção dos impostos. “Elas já não pagam nada por serem filantrópicas“, lembra Tarso. O plano é abrir 60 mil vagas por ano, equivalente a uma USP, até atingir 400 mil estudantes. Tarso conseguiu aumentar de R$ 28 bilhões para R$ 34 bilhões o Orçamento de 2005 do Fundef, o fundo de financiamento do ensino fundamental, da 1ª à 8ª série. Quer mais. Em duas semanas, envia ao Congresso um projeto de emenda constitucional para que esse fundo se estenda ao ensino médio e aos cursos técnicos. Na quinta-feira 14, fechou um acordo com os secretários de Educação dos Estados. Eles aceitaram aumentar de 15% para 20% a contribuição ao futuro fundo. A meta é aprovar o projeto ainda este ano. Se der certo, a verba aumenta para R$ 57 bilhões já em 2005.  
 
O orçamento para as escolas técnicas aumentou de R$ 93 milhões para R$ 193 milhões em 2005. Com isso, serão criadas 400 mil novas vagas em cursos técnicos. Hoje há 800 mil alunos nesses cursos. A meta é chegar a 2 milhões até o final do governo. Tarso quer fundir, nas mesmas escolas, o ensino médio obrigatório com os cursos técnicos optativos. O MEC fechou na semana passada um convênio com três Estados (ES, PR e SC) para que esse novo tipo de escola funcione a partir de fevereiro. Até a semana passada, havia 130 empresas do porte da Gerdau, Bardella e Aché dispostas a aderir ao projeto “Escola Chão de Fábrica“. A idéia é simples. Jovens e adultos farão seus cursos técnicos dentro das indústrias, treinados pelos operários mais experientes. O MEC paga metade dos custos e dá o diploma oficial. O projeto deve iniciar em fevereiro, com os primeiros 10 mil alunos, lotados em 500 fábricas-escola. Em Celeiro (RS), os produtores de soja querem formar técnicos em exportação. Em Franca (SP), as indústrias querem sapateiros de novos materiais. Há R$ 15 milhões disponíveis para esse pontapé inicial. A meta é chegar a 5 mil escolas em 2006. “Só conseguirei viabilizar tudo isso se o governo promover um choque de financiamento ao ensino“, admite Tarso Genro. O ministro está em seu gabinete, no oitavo andar do edifício do MEC. Entusiasmado, detalhe seus planos, olha papéis, checa números. “O grande gargalo se dá na passagem dos jovens do ensino básico para o médio“, explica. “Só 32% dos guris passam para o segundo nível; isso cria um grande problema de mão-de-obra especializada para as empresas.“ Tarso convida o jornalista para almoçar na sala contígua a seu gabinete. A refeição é frugal, salada de alface, frango grelhado, arroz e feijão. Mas as revelações sobre as intimidades do governo são fartas. Sua grande batalha é conseguir voltar com a vinculação das verbas da Educação no Orçamento da União. A Constituição manda reservar 18%; e era assim até 1997, quando o Pedro Malan conseguiu aprovar a DRU, acabando com todas as vinculações.  
 
Semanas atrás, antes de pôr em campo seu projeto de criar um novo fundo para o ensino básico, o Fundeb, Tarso procurou o presidente Lula. Queria convencê-lo a voltar com as verbas vinculadas. “O presidente concordou“, conta ele. “Também estou dialogando com o José Dirceu“. O desafio, contudo, é verter o ministro Antônio Palocci. “A preocupação dele é que a revinculação não interfira no processo de estabilidade macroeconômica.“ Neste momento, executivos da Fazenda e da Educação negociam uma saída. Tarso propôs parcelar a vinculação em quatro anos. Também quer mais R$ 4 bilhões em quatro anos. Palocci ainda está querendo discutir a tese da vinculação. “Se não houver acordo, o presidente terá que arbitrar“, desafia Tarso Genro. “Se eu conseguir, aí muda todo o jogo do desenvolvimento brasileiro“, avalia. 
 
 
“O ENSINO BÁSICO É RUIM“  
Verbas. Este é o grande desafio que o ministro Tarso Genro tem encontrado para viabilizar seus projetos.  
 
Dinheiro – Como é a revolução no ensino que o sr. prega?  
Tarso Genro – “A idéia central é integrar todos os 205 programas do ministério num plano maior de desenvolvimento nacional, com inclusão social e inserção no mercado de trabalho. Hoje há um fundo, o Fundef, que financia o ensino funda-mental, da 1ª à 8ª série. O Fundef ajudou a colocar 97% das crianças na escola. Mas além do ensino ser ruim, há um grande gargalo, que é a passagem do jovem para o ensino médio, antigo segundo grau. Só 32% deles conseguem. Estamos criando um novo fundo, o Fundeb, que vai abranger todo o ensino básico, da pré-escola ao curso técnico. Só para os cursos técnicos, vamos criar 600 mil vagas em 2005 e 2 milhões até 2007.“  
 
De onde virá o dinheiro?  
“O Fundef ganhou R$ 28 bilhões este ano. O plano é que o Fundeb tenha R$ 54 bilhões em 2005. Qual o milagre? Há um conjunto de medidas, como aumentar de 15% para 25% o repasse dos Estados. Mas o grande desafio é retornar com a vinculação de 18% dos recursos do Orçamento da União à Educação. Era assim até 1997, quando o antigo governo criou a DRU e acabou com todas as vinculações. Estou acertando vincular um quarto das verbas já em 2005, aumentando até 2007.“  

O ministro Antônio Palocci concorda?  
“O presidente Lula já se comprometeu com a vinculação, o ministro José Dirceu também. Palocci está acompanhando o processo, mas ainda não fechou um acordo sobre o percentual da vinculação. Se não houver consenso, o presidente terá que arbitrar.“  
 
No caso do ProUni, qual o preço que a sociedade pagará com a renúncia fiscal?  
“A renúncia é fictícia. Mais de dois terços das vagas do ProUni virão das instituições filantrópicas, que já não pagam nada. Agora farão filantropia. Quando 400 mil vagas forem oferecidas, a suposta renúncia será de R$ 240 milhões. Para financiar os mesmos 400 mil alunos pelo Fies, teríamos que investir R$ 750 milhões. A conclusão é que o ProUni vai oferecer seis vezes mais vagas por um terço do custo.“ 
 
 
Choques e voluntarismo  
Folha de São Paulo – Tarso Genro 
 
O artigo do senador Cristovam Buarque “Anorexia histórica“, publicado nesta Folha (11/10, pág. A3), critica o governo Lula em dois pontos. Primeiro, porque o governo não produz um “choque social“ – para o qual ele oferece uma receita, devidamente facilitada, mas sem indicação de custos. Suponho que a mesma deve ser vista com reservas, pois alguém poderia opor uma outra receita, também dotada de racionalidade: por exemplo, manter em 2005 os gastos sociais no nível orçamentário de 2004 e jogar, naquele ano, todos os recursos disponíveis em investimentos de infra-estrutura. Esses investimentos, segundo o autor da receita alternativa, gerariam mais desenvolvimento e então, no ano de 2006, poderia o governo iniciar gastos sociais ainda maiores, logo com políticas que produziriam efeitos distributivos ainda mais ampliados. Não seria melhor? Seria tão-somente um outro “choque“, apenas adiado. A tentação do choque sempre é característica dos espíritos dotados de boa vontade, mas de pouca inclinação ao êxito. O choque sempre exige a subordinação de todas as outras necessidades do governo e do Estado ao seu objeto. É sempre inspiração messiânica, não discutida nem compartilhada com a sociedade, que apenas “recebe o choque“. O choque é a terapia dos justos com iniciativa. Um exemplo bastante claro da incoerência de qualquer choque, na área da educação, é querer responder com de medidas espetaculares a questão do financiamento do ensino médio. Ao longo da história da América Latina, a necessidade de qualificação desse ensino sempre esteve em conflito com o mercado de trabalho gerado pelo tipo de desenvolvimento aqui concebido.  
 
O ensino médio, preparo para o acesso ao ensino superior, sempre foi restritivo, vedando o acesso das amplas camadas da cidadania ao saber e à repartição do poder político. Resolver isso com choques é, no mínimo, aventura. Essas políticas jamais levam em consideração as distintas necessidades da sociedade e a possibilidade de executar políticas públicas de verdadeira durabilidade. A segunda acusação que ele faz no seu artigo nos toca de perto. O senador diz que interrompemos o seu receituário. Depois de sua respeitável passagem pelo ministério, o presidente deu-nos a oportunidade de reorganizar a agenda do MEC, já que havia um elenco de projetos não só sem recursos para a realização mas também com uma série de superposições que estonteavam os eventuais executores. Quatro eixos orientam a política atual do Ministério da Educação: alfabetização com inclusão educacional e social; valorização do ensino técnico e profissional; reforma da educação superior; e qualidade na educação básica, com a instituição do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). Por esses eixos, transversalmente, passam mais de 200 programas de trabalho. Passemos, então, a pontuar alguns deles.  
 
Na educação infantil, concluímos um debate nacional, com oito seminários regionais, que deliberou por iniciar a formação dos 37 mil profissionais hoje simplesmente sem formação específica. Com o Fundeb, a educação infantil, pela primeira vez na história, terá financiamento próprio, o que resultará, processualmente, em “criação de vagas para crianças de quatro anos“. O Promed (Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio), em convênio com 26 secretarias estaduais, aumenta a oferta de vagas para o ensino médio com repasse na ordem de R$ 26,5 milhões. Menos discurso, mais ação e resultado. O controle digital de freqüência alcançará, até 2006, 70% das escolas públicas do ensino fundamental, possibilitando a contenção da evasão escolar através de um planejamento educacional amparado em resultados efetivos dos alunos. A iniciativa também permite a “reforma do Programa Bolsa-Família“, sobretudo contemplando a condicionalidade da freqüência escolar -que, aliás, alcançou 19% de controle em 2003! O Programa Brasil Alfabetizado ampliou, neste ano, de seis para oito meses o processo de alfabetização e investiu na capacitação. Até 2006 o governo Lula terá alfabetizado mais de 10 milhões de pessoas, reduzindo significativamente o índice de analfabetismo no país. Estamos, inclusive, instalando processos que controlem o resultado efetivo dos cursos.  
 
O Fundeb significa a grande revolução de qualidade da educação básica no país. Serão 18 % de impostos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino, com reintegração da parcela da DRU à educação, de forma gradual, à proporção de 25% por ano, de modo a completar a revinculação em 2008. “A reforma de todas as escolas brasileiras com compra de equipamentos modernos“ é o caminho que o governo federal já começou a trilhar ao assegurar o aumento de R$ 3,4 bilhões no Orçamento de 2005, colocando assim a educação no centro do projeto de desenvolvimento de uma nova nação. Sem choques, mas através de um processo planejado e profundo, o governo Lula avança na educação sem populismo e sem messianismo. 

Tarso Genro, 57, advogado, é o ministro da Educação. Foi ministro da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (2003). 

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