Mesmo quando apenas confirmam tendências, divulgações do Censo Demográfico são uma oportunidade para analisarmos indicadores populacionais a partir de uma perspectiva mais ampla. Na semana passada, o IBGE divulgou dados de escolaridade de 2022, comparando-os com 2010 e 2000. Como sempre, é possível olhar o retrato estático de 2022 e concluir que vamos mal. Ou olhar para o filme em movimento e constatar o quanto avançamos.
O dado mais destacado em reportagens foi a ampliação do ensino superior. Entre todos os brasileiros com mais de 25 anos de idade, a proporção de diplomados passou de 7% para 18% entre 2000 e 2022. Entre brancos, essa variação foi de 10% para 26% e, na soma de pretos e pardos, de 2% para 12%. Ou seja, todos os grupos avançaram, houve mais democratização, mas as desigualdades seguem gritantes.
Essas desigualdades raciais são ainda mais relevantes na análise por curso superior concluído. Em Medicina, apenas 22% dos formados se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas. Já entre professores sem uma disciplina específica de formação (caso dos que dão aulas para a educação infantil ou primeiros anos do fundamental), essa proporção chega a 47%. Essa comparação confirma algo já sabido por outras bases de dados: a democratização do ensino superior tem ocorrido em todas as áreas, mas ela é menos intensa nos cursos que dão acesso a carreiras de maior remuneração.
Outra maneira de identificar o ritmo de democratização racial no ensino superior é comparar diferentes grupos etários. Entre jovens adultos de 25 a 29 anos — que fizeram o ensino superior já com a Lei de Cotas e outras políticas de ação afirmativa em vigor —, a proporção de pretos, pardos e indígenas entre médicos chega a 27%. Na população entre 55 e 59 anos, cai para 16%. Entre os professores com nível superior, mas sem uma área específica de formação, essas proporções são, respectivamente, de 54% e 42%. Ou seja, políticas de democratização da etapa funcionaram melhor em áreas que já eram menos elitizadas no passado.
A expansão do ensino superior é resultado de um conjunto de políticas públicas. A redemocratização do país veio acompanhada de aumento do financiamento educacional, e dois marcos desse processo foram a emenda Calmon (a partir de 1985) e a Constituição Federal (1988). No governo FHC, criou-se uma arquitetura de financiamento mais equitativa com o Fundef, restrito ao ensino fundamental, que depois foi ampliada em volume de recursos e para toda a educação básica com o Fundeb, dos governos do PT. Entre 1985 e 2024, a proporção de jovens de 15 a 17 anos matriculados no ensino médio salta de 14% a 75%.
O ensino superior, estagnado desde os anos 80, volta a crescer a partir de meados da década de 90. A série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios mostra que o processo de aumento da proporção de negros em universidades começa a partir de 1998, e seguiu em ritmo forte por duas décadas. O movimento negro conquistou as cotas no governo do PT, quando também nasceu o ProUni, políticas que contribuíram muito com esse processo. Em todos os governos desde FHC, a expansão continuou acontecendo principalmente via setor privado, sendo ultimamente puxada pelos cursos a distância.
Em resumo, o filme do Censo nos mostra que soubemos melhorar em múltiplas etapas do acesso à educação. Mas o retrato segue insatisfatório.