O Ensino Médio: proposições que traduzem vontades de seus atores

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A pesquisa “Ensino Médio: Múltiplas Vozes“, concluída recentemente pela Unesco no Brasil, em parceria com o Ministério da Educação, revela uma radiografia em profundidade da situação da educação de nível secundária no Brasil. A necessidade dessa radiografia se justifica pela importância deste nível de aprendizagem no processo de formação e de preparação dos jovens para vida, para continuar seus estudos, para o exercício da cidadania e ingresso futuro no mercado de trabalho. 
 
Vale destacar também a reforma do ensino médio, a qual prevê a renovação e melhoria da infra-estrutura dos prédios escolares, bem como a adoção de um currículo que contemple a interdisciplinaridade e o estabelecimento de vínculos entre os conteúdos curriculares e as demandas políticas, econômicas e sociais.  
 
Esse quadro cria uma situação nova, em que a escola, em tese, torna-se mais democrática, ampliando as possibilidades de jovens – antes excluídos – avançarem nos estudos além da educação básica, conseguirem um bom emprego e exercerem plenamente a cidadania. Porém, dentro deste contexto, novos desafios e problemas se apresentam, compondo um quadro em que o investimento na qualidade de ensino torna-se urgente e prioritário.  
 
A pesquisa constatou, por meio de depoimentos de alunos, professores e demais membros das equipes pedagógicas das escolas, que existe uma série de desafios e problemas a serem superados, principalmente no que diz respeito à qualidade de ensino. Atento aos problemas existentes nas escolas brasileiras, o Ministro Cristóvam Buarque elegeu a capacitação de professores e qualidade de ensino como duas de suas prioridades máximas.  
 
Entre os diversos pontos levantados como problemáticos no estudo “Ensino Médio: Múltiplas Vozes”, quatro merecem especial destaque. Em primeiro lugar, a pesquisa aponta para a necessidade de se investir em formação inicial e continuada dos professores. Os dados levantados nas 13 capitais pesquisadas revelam que 60% dos docentes têm licenciatura e que cerca de dois terços do total que participou da pesquisa não têm pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado). Em seus depoimentos, os professores reivindicam uma formação mais avançada e sintonizada com as demandas do mundo contemporâneo de modo que eles sejam capazes de dar conta de questões e problemáticas que sejam de interesse dos jovens, inclusive no que diz respeito à promoção e ao exercício da cidadania.  
 
O atraso e o abandono escolar constituem outro problema levantado na pesquisa. É bem verdade que este não é um problema exclusivo do Brasil na medida em que pode ser constatado em toda a América Latina. Apesar disso, os resultados da pesquisa apontam para uma situação que merece especial atenção. Na maioria das capitais, pelo menos metade dos jovens já repetiu o ano em algum momento de sua trajetória escolar e por isso estão atrasados nos estudos. No que diz respeito ao abandono e retorno à escola, os dados também impressionam pela sua magnitude, sobretudo no período noturno: 35,2% dos alunos que estudam a noite já abandonaram a escola em algum momento de sua vida escolar. No turno diurno, também das escolas públicas, a taxa de abandono e retorno à escola é da ordem de 8,9%.  
 
Considerando que a principal causa de abandono dos estudos, segundo depoimentos dos alunos, é a necessidade de ajudar no sustento da família, torna-se fundamental adotar uma política de bolsas, a fim de que esses jovens disponham de uma renda que lhes permita dedicar-se exclusivamente aos estudos e ao seu desenvolvimento intelectual.  
 
A escassez e a precariedade dos laboratórios de ciências é um terceiro ponto levantado no estudo e que merece atenção, pois se trata de um recurso pedagógico fundamental no ensino médio – já que são espaços em que os alunos têm a oportunidade de aplicar o que aprendem em sala de aula, bem como podem desenvolver a capacidade de “aprender a aprender”, a experimentar. Por isso, é premente equipar os laboratórios, bem como criar condições para que eles funcionem plenamente.  
 
Os dados oficiais dão conta de que 43,1% das escolas brasileiras de ensino médio possuem laboratórios de ciência. No entanto, a pesquisa constatou que, mesmo nos colégios em que eles existem, o acesso é restrito por uma série de deficiências na organização e no funcionamento da escola. Há falta de material, de equipamentos e de funcionários. Na rede pública, entre 89,9% e 92% dos alunos afirmaram que os laboratórios são pouco usados. A mudança deste quadro pode ser viabilizada por meio da concretização de uma proposta considerada prioritária pelo Ministério da Ciência e Tecnologia: a assinatura de um convênio com o Ministério da Educação visando dotar as escolas de laboratórios de ciências.  
 
Finalmente, é necessário criar estratégias e programas para diminuir a exclusão digital a que estão submetidos alunos e professores da educação média pública. Assim como os laboratórios de ciências, os computadores e a internet são pouco utilizados como instrumento pedagógico. O problema é mais acentuado na rede pública: pelo menos 51% dos estudantes dizem que essas ferramentas não são usadas em aula e quase a totalidade dos alunos da rede pública dizem que não aprendem computação na escola.  
 
O baixo nível de utilização dos computadores como ferramenta didática pode ser explicado pela falta de familiaridade dos professores com as novas tecnologias de informação. Em seis capitais, entre 10% e 15% dos docentes dizem que não dominam a informática e 40% dos professores ouvidos na pesquisa não têm computador em casa. E, o que é mais grave, desse último percentual, 44,5% também não têm acesso a computadores na sua escola.  
 
A superação desse quadro de exclusão digital dos docentes levanta a necessidade de se criar estratégias para que eles possam adquirir esses equipamentos a preços subsidiados, o que requer uma ação conjunta envolvendo os Ministérios da Educação e das Comunicações utilizando, por exemplo, recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Se dermos respostas a essas prioridades estaremos respondendo as reivindicações e vontades dos atores do ensino médio.  
 
*Jorge Werthein é Doutor em Educação, pela Universidade de Stanford, EUA, e Representante da UNESCO no Brasil. 

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