Novo ensino fundamental rebatiza pré-escola sem alterar currículo

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que institui o ensino fundamental de nove anos. Alguns Estados (Alagoas, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, entre outros), além de mais de mil municípios, já adotaram a prática. Quem ainda não se adaptou — rede pública ou particular — terá até 2010 para implantar o sistema. Esse é o caso de São Paulo. Como as matrículas para o ensino fundamental em 2006 ocorreram no segundo semestre do ano passado, o sistema deverá ser seguido a partir de 2007.  
 
Na prática, a pré-escola passa a se chamar primeiro ano ou primeira série série e deixa de integrar o ensino infantil para fazer parte do ensino fundamental. Em conseqüência: o primeiro ano vira segundo, o segundo passa a ser o terceiro e, assim segue a lógica, até os alunos ingressarem na oitava série, batizada agora de nona série.  
 
O currículo escolar não sofrerá alterações. Tudo o que a criança aprendia na pré-escola será ensinado na nova primeira série. É como se as crianças pulassem um ano, sem alterações pedagógicas. Em algumas escolas particulares que já se adaptaram à nova legislação, um criança que em 2005 estava na pré-escola passou  
 
para a segunda série em 2006. Na prática, o maior impacto da medida ocorrerá nas redes públicas do país, pois a pré-escola passa a ser obrigatória. Isso significa que, em alguns Estados, os pais não terão de esperar que a criança complete 7 anos para matriculá-la no ensino fundamental.  
 
Mudança na prática – De acordo com educadores ouvidos pela reportagem, atualmente, as crianças de classe média cursam a pré-escola com freqüência, pois as condições econômicas tornam o acesso ao ensino mais fácil. Já os alunos carentes, que só têm a rede pública como opção, costumam chegar mais “despreparados“ no mesmo ano, pois não tiveram acesso ao mesmo tipo de educação. E um dos objetivos da legislação é trazer um maior equilíbrio aos alunos e diminuir a taxa de evasão. “A pré-escola em nosso país não é universalizada. A situação é desigual entre os diferentes alunos que ingressam na primeira série na rede pública“, diz Jeanete Beauchamp, diretora de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, da Secretaria de Educação Básica do MEC (Ministério da Educação).  
 
Para exemplificar essa desigualdade, Beauchamp lembra de uma pesquisa realizada pelo Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), em 2003, que mostrou que as crianças que chegavam à primeira série sem passar pela pré-escola tinham maior dificuldade de leitura do que aquelas que passaram pelo ensino infantil. Para o professor José Augusto de Mattos Lourenço, presidente do Sieesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino de São Paulo), a grande vantagem da mudança é antecipar a entrada das crianças, principalmente as mais carentes, o quanto antes no ensino fundamental.  
 
“Quanto mais cedo as crianças começarem a ser alfabetizadas, melhor a qualificação deste aluno no futuro. E como o currículo do primeiro ano é o mesmo da pré-escola, os pais não precisam se preocupar com o fato de as crianças serem pequenas demais para esse tipo de ensino“, ressalta Lourenço, diretor da Escola São Gualberto, em Pirituba. Uma confusão, porém, poderá acontecer até o sistema ganhar estabilidade. Isso porque algumas crianças estarão na segunda série no sistema de nove anos do ensino fundamental. Outras crianças, em escolas que não adotaram o sistema, estarão na primeira série do sistema de oito anos. Esse tipo de dilema ainda é uma questão a ser discutida. 
 
 
 
11,5% das crianças de seis anos do país estão fora da sala de aula  
Folha Online – Antônio Gois / Fábio Takahashi  
 
As estatísticas indicam que a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos não deverá causar falta de vagas. Mas especialistas em educação prevêem uma mudança prejudicial ao aluno se o professor não for preparado e se começarem mais cedo as cobranças por resultados e a repetência, inexistente na pré-escola.  
 
Dados tabulados a pedido da Folha pelo IBGE a partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) mostram que, já em 2004, apenas 11,5% das crianças de seis anos estavam fora da escola. Dos que estudavam, 26% já cursavam o ensino fundamental, não mais a pré-escola. O preocupante é que os Estados que mais matriculavam em 2004 alunos de seis anos no fundamental tinham altos níveis de repetência. Rio Grande do Norte (42,1%), Alagoas (38,1%) e Paraíba (37%) possuíam a maior proporção de crianças de seis anos no ensino fundamental. E tinham índices de repetência de, respectivamente, 45,5%, 44,6% e 46,6% na primeira série, segundo o Censo Escolar de 2004. A média nacional de repetência para essa série é de 29%.  
 
Para sindicatos de professores desses Estados, a ampliação teve o objetivo único de obter mais verba do Fundef, que distribui recursos segundo o número de alunos no fundamental. Com a entrada de estudantes de seis anos nessa faixa, cresce o repasse recebido. Desde 1996, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) permite a matrícula no ensino fundamental de crianças de seis anos, mas define que, na pré-escola, não pode haver avaliação para repetir ou promover os alunos. A sanção do ensino fundamental de nove séries, para a maioria dos educadores consultados pela Folha, ajuda a universalizar o acesso de crianças de seis anos à escola. Mas é unânime a preocupação com a forma como isso ocorrerá.  
 
“Há o perigo de as redes adotarem a repetência na 1ª série com alunos de seis anos. Isso colocaria a criança diante do fracasso muito cedo, o que prejudica todo o período escolar“, diz o presidente da Câmara da Educação Básica do CNE (Conselho Nacional de Educação), Cesar Callegari. Rose Neubauer, ex-secretária estadual da Educação de São Paulo e ex-integrante do CNE, é contra o aumento do fundamental e prefere a ampliação do ensino profissionalizante para jovens. “A faixa de crianças na pré-escola já estava mais bem atendida. Aumentar a escolaridade obrigatória aos seis sem resolver o problema da qualidade significa enfiar essas crianças precipitadamente na cultura de repetência e submetê-las a uma pedagogia absolutamente inadequada para a faixa etária.“  
 
Para Regina de Assis, especialista em educação infantil e também ex-integrante do CNE, a ampliação é, sim, positiva, mas há risco para essas crianças: “Nada adiantará se os professores tiverem as mesmas deficiências que hoje têm no trabalho com alunos de sete“. O aprendizado nos anos iniciais deve ser prazeroso, diz ela. “A criança aprende de maneira lúdica aos seis ou sete anos, mas muitos professores trabalham com uma seriedade que cria aversão. Ela aprende que o mundo da escola foi interessante, mas, a partir daquele momento, será uma chatice: ditados, copiar, repetir.“ Ângela Soligo, psicóloga e coordenadora-associada do curso de pedagogia da Unicamp, diz que não se deve esperar que as crianças de seis anos aprendam a ler imediatamente. “Essa primeira série será importante para a criança começar o contato com leitura e escrita. Se forçar, ela achará que a escola é chata e desanimará.“ 

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