Nova ortografia da língua portuguesa entra em vigor em 2009

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Passados 18 anos de sua elaboração, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa promete finalmente sair do papel. Ou melhor: entrar de vez no papel. O Brasil será o primeiro país entre os que integram a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) a adotar oficialmente a nova grafia, já a partir do ano que vem.  
 
As regras ortográficas que constam no acordo serão obrigatórias inicialmente em documentos dos governos. Nas escolas, o prazo será maior, devido ao cronograma de compras de livros didáticos pelo Ministério da Educação.  
 
As mudanças mais significativas alteram a acentuação de algumas palavras, extingue o uso do trema e sistematiza a utilização do hífen. No Brasil, as alterações atingem aproximadamente 0,5% das palavras. Nos demais países, que adotam a ortografia de Portugal, o percentual é de 1,6%.  
 
Entre os países da CPLP, já ratificaram o acordo Brasil, Portugal, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Ainda não definiram quando irão ratificar o documento Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste.  
 
A assinatura desses países, porém, não impede a entrada em vigor das novas regras em todos os países, pois todos concordaram que as mudanças poderiam ser adotadas com a assinatura de pelo menos três integrantes da comunidade.  
 
No Brasil, o acordo — firmado em 1990 – foi aprovado pelo Congresso em 1995. Agora, a implementação definitiva depende apenas de um decreto do presidente Lula, ainda sem data para ocorrer.  
 
Mesmo assim, o MEC (Ministério da Educação) já iniciou o processo de adoção da nova ortografia. Entre 2010 e 2012 é o período de transição estipulado pela pasta para a nova ortografia passar a ser obrigatória nos livros didáticos para todas as séries.  
 
Novas regras  
 
O acordo incorpora tanto características da ortografia utilizada por Portugal quanto a brasileira. O trema, que já foi suprimido na escrita dos portugueses, desaparece de vez também no Brasil. Palavras como “lingüiça“ e “tranqüilo“ passarão a ser grafadas sem o sinal gráfico sobre a letra “u“. A exceção são nomes estrangeiros e seus derivados, como “Müller“ e “Hübner“.  
 
Seguindo o exemplo de Portugal, paroxítonas com ditongos abertos “ei“ e “oi“ –como “idéia“, “heróico“ e “assembléia“– deixam de levar o acento agudo. O mesmo ocorre com o “i“ e o “u“ precedidos de ditongos abertos, como em “feiúra“. Também deixa de existir o acento circunflexo em paroxítonas com duplos “e“ ou “o“, em formas verbais como “vôo“, “dêem“ e “vêem“.  
 
Os portugueses não tiveram mudanças na forma como acentuam as palavras, mas na forma escrevem algumas delas. As chamadas consoantes mudas, que não são pronunciadas na fala, serão abolidas da escrita. É o exemplo de palavras como “objecto“ e “adopção“, nas quais as letras “c“ e “p“ não são pronunciadas.  
 
Com o acordo, o alfabeto passa a ter 26 letras, com a inclusão de “k“, “y“ e “w“. A utilização dessas letras permanece restrita a palavras de origem estrangeira e seus derivados, como “kafka“ e “kafkiano“.  
 
Dupla grafia  
 
A unificação na ortografia não será total. Como privilegiou mais critérios fonéticos (pronúncia) em lugar de etimológicos (origem), para algumas palavras será permitida a dupla grafia.  
 
Isso ocorre principalmente em paroxítonas cuja entonação entre brasileiros e portugueses é diferente, com inflexão mais aberta ou fechada. Enquanto no Brasil as palavras são acentuadas com o acento circunflexo, em Portugal utiliza-se o acento agudo. Ambas as grafias serão aceitas, como em “fenômeno“ ou “fenómeno“, “tênis“ e “ténis“.  
 
A regra valerá ainda para algumas oxítonas. Palavras como “caratê“ e “crochê“ também poderão ser escritas “caraté“ e “croché“.  
 
Hífen  
 
As regras de utilização do hífen também ganharam nova sistematização. O objetivo das mudanças é simplificar a utilização do sinal gráfico, cujas regraas estão entre as mais complexas da norma ortográfica.  
 
O sinal será abolido em palavras compostas em que o prefixo termina em vogal e o segundo elemento também começa com outra vogal, como em aeroespacial (aero + espacial) e extraescolar (extra + escolar).  
 
Já quando o primeiro elemento finalizar com uma vogal igual à do segundo elemento, o hífen deverá ser utilizado, como nas palavras “micro-ondas“ e “anti-inflamatório“.  
 
Essa regra acaba modificando a grafia dessas palavras no Brasil, onde essas palavras eram escritas unidas, pois a regra de utilização do hífen era determinada pelo prefixo.  
 
A partir da reforma, nos casos em que a primeira palavra terminar em vogal e a segunda começar por “r“ ou “s“, essas letras deverão ser duplicadas, como na conjunção “anti“ + “semita“: “antissemita“.  
 
A exceção é quando o primeiro elemento terminar e “r“ e o segundo elemento começar com a mesma letra. Nesse casso, a palavra deverá ser grafada com hífen, como em “hiper-requintado“ e “inter-racial“.  
 
Ortografias nova e antiga conviverão até 2012  
 
Os estudantes dos ensinos fundamental e médio vão conviver com a dupla ortografia até 2012. Haverá três anos de transição desde a entrada em vigor das mudanças na escrita (a partir do ano que vem) e a obrigatoriedade de utilizar apenas a ortografia atualizada. A tolerância também será estendida para vestibulares e concursos públicos, cujas provas deverão aceitar como corretas as duas normas ortográficas.  
 
As mudanças começarão a ser implementadas a partir dos primeiros anos de formação escolar. Em 2010, os livros destinados a alunos entre 1ª e 5ª séries das escolas públicas deverão conter apenas a nova ortografia. No ano seguinte, a regra valerá também da 6ª à 9ª série. No ensino médio, a medida tem início a partir de 2012.  
 
’Especialistas acham que é bom para os alunos conviverem com as duas regras, para compararem o que mudou’, afirma Rafael Torino, diretor de Ações Educacionais do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Por isso, o Ministério da Educação autorizou a publicação de livros para reposição com a nova ortografia, para todas as séries, já a partir do próximo ano.  
 
O cronograma de implantação da nova grafia na rede pública foi estabelecido pelo FNDE com base no programa de compra para livros didáticos adquiridos pelo órgão e distribuídos a alunos das escolas públicas.  
 
As compras ocorrem com pelo menos dois anos de antecedência. Em março foi aberto o processo de escolha do material para compra dos livros de 1ª a 5ª séries, cujos protótipos já devem ser apresentados na nova ortografia. No caso do livro didático, a legislação dispensa a necessidade de licitação. A escolha é feita com base na análise dos professores da rede de ensino público.  
 
Editoras prevêem expansão de mercado com ortografia integrada 
 
 
A unificação ortográfica deve favorecer o intercâmbio comercial no setor de livros entre os países de língua portuguesa. Pelo menos essa é a aposta das editoras brasileiras. Na avaliação de entidades que representam as empresas, o acordo vai facilitar o trabalho de edição de publicações em outros países, em que pese a manutenção de diferenças culturais e regionais.  
 
A expectativa é de redução nos custos de adaptação de obras. “Atualmente é preciso mexer em cerca de 10% do conteúdo“, afirma Rosely Boschini, presidente da Câmara Brasileira do Livro. Na sua avaliação, a produção editorial brasileira será beneficiada com a entrada em vigor do acordo.  
 
O otimismo é compartilhado por Hubert Alquéres, diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que além de produzir material oficial do governo do Estado, também atua como editora. “Quando queremos mandar livros para outros países, temos problemas. Temos de reescrever tudo, isso encarece, impede a publicação“, diz.  
 
A abertura do mercado deve beneficiar principalmente o segmento de livros técnicos e de literatura, enquanto os didáticos a comercialização tende a permanecer restrita. “No caso do livro didático acho mais complicado enviar para outros países porque tem a questão de semântica regional“, explica Beatriz Grellet, gerente-executiva da Abrelivros (Associação Brasileira de Editores de Livros), que possui 26 associados, entre eles, alguns do segmento didático.  
 
Autores criticam prazo para adaptar livros a novas normas de escrita  
 
 
A determinação do MEC (Ministério da Educação) para que livros didáticos que serão utilizados nos cinco primeiros anos do ensino fundamental em 2010 sejam editados já com a nova ortografia pegou de surpresa os editores.  
 
“A mudança conturbou. Na verdade, o problema não é a entrada em vigor, mas sim o imediatismo, a pressa“, afirma José de Nicola, presidente da Abrale (Associação Brasileira dos Autores dos Livros Educativos), entidade que reúne os principais autores do país.  
 
Apesar de o edital do MEC para a compra dos livros ter sido publicado em janeiro, somente em maio surgiu a determinação obrigando que as obras fossem redigidas com a nova ortografia. Os editores propuseram que a medida valesse só em 2012, já que em Portugal o prazo para as novas regras entrarem em vigor é de seis anos.  
 
Segundo Nicola, por causa da exigência, o material teve de ser revisado. Inicialmente, os protótipos dos livros deveriam ser entregues para análise do ministério entre 26 de maio e 4 de julho. Devido à exigência, o prazo foi prorrogado por mais 30 dias. “Nos livros de português o trabalho é mais complicado, porque não é só revisar, tem de alterar o conteúdo, mudar o capítulo sobre acentuação, emprego do hífen“, diz o presidente da Abrale.  
 
A falta de definição em alguns pontos do acordo também dificultou o trabalho, segundo Nicola. “Enquanto não sair o dicionário da Academia Brasileira de Letras, ninguém põe a mão no fogo“, afirma, se referindo ao Volp (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), previsto para ser concluído em novembro. O livro, elaborado pela Academia Brasileira de Letras, estabelece a grafia padrão para as palavras em língua portuguesa.  
 
Na contramão  
 
Enquanto o mercado editorial preferiu esperar uma decisão que pusesse fim ao impasse sobre o acordo, a editora Nova Geração, que também trabalha no segmento de didáticos, resolveu se antecipar. Desde o ano passado a empresa começou a atualizar os livros que edita já com as regras que entrarão em vigor a partir do ano que vem.  
 
“Todas as nossas obras já estão em conformidade com as novas regras“, orgulha-se Arnaldo Saraiva, dono da Nova Geração. O empresário defende a tese de que juridicamente o acordo vale desde que São Tomé e Príncipe ratificou o Acordo Ortográfico, completando o número de três países membro da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) exigidos para a aprovação do documento.  
 
Saraiva afirma que chegou a cobrar das autoridades a entrada em vigor das novas regras, enviando mensagens para vários políticos. Segundo ele, só a Presidência da República respondeu. “Esse é o país do silêncio“, critica. 
 

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