Mutirão nacional para salvar o ensino infantil brasileiro

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

Existem 22 milhões crianças de 0 a 6 anos no Brasil. Se a questão fosse quantitativa, a educação infantil deveria ser uma das prioridades das políticas públicas para o setor. Mas não é isso que acontece desde a criação do Fundef, em 1996, quando os recursos públicos da área foram concentrados no ensino fundamental, relegando ao segundo plano a educação das crianças. Segundo dados do IBGE, na faixa etária de 0 a 3 anos, a taxa de freqüência à escola ou à creche é de apenas 10,6%. As creches para essa faixa etária foram praticamente abandonadas, e acabaram ficando sob a responsabilidade de igrejas, associações comunitárias e organizações não-governamentais (ONGs), muitas vezes sem condições de prestar bom atendimento. No caso de crianças de 4 a 6 anos, o índice de freqüência melhora e chega a 65,6%. Mas aí pesa a questão da falta de qualidade. Por conta da escassez de financiamento e de atenção, meninos e meninas são obrigados a enfrentar uma das etapas mais importantes para seu desenvolvimento físico e mental com professores despreparados e infra-estrutura precária. Para traçar uma Política Nacional de Educação Infantil com a participação de dirigentes estaduais e municipais de educação e de outros setores da sociedade, o MEC e a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) estão promovendo, de julho a setembro, oito seminários regionais, dos quais vão estar representados 2.250 municípios. Segundo o MEC, com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que irá financiar a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, o governo criará mecanismos para incluir essas crianças, que até então estavam fora do sistema de ensino.  
 
De 18 a 20 de agosto foi realizado, na cidade de São Paulo, o quinto seminário com representantes de municípios dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. O objetivo era que eles compartilhassem experiências e dificuldades, e discutissem os documentos preliminares apresentados pelo ministério. O documento final servirá de base para os municípios elaborarem suas políticas públicas para a educação infantil. Nos seminários, são debatidos os parâmetros de qualidade, de infra-estrutura, o financiamento, a integração das creches ao sistema de ensino, e a questão da formação dos professores. “É um marco histórico, pois pela primeira vez o MEC volta o olhar para a educação infantil de 0 a 6 anos e não só de 4 a 6. É muito importante consultar os municípios nesse processo, pois são eles que trabalham diretamente com a educação infantil, e eles devem aproveitar no documento final os avanços alcançados e respeitar as diferenças existentes“, diz Maria Aparecida Peres, secretária municipal de educação de São Paulo. 
 
Infra-estrutura  
A adequação do projeto arquitetônico ao projeto pedagógico é fundamental para uma educação de qualidade. Por isso, esse foi um dos assuntos discutidos no primeiro dia do seminário em São Paulo. Das escolas e creches de educação infantil de todo o Brasil, 65% não têm instalações sanitárias e mais de 36% não possuem espaço externo, como um quintal ou jardim. “Muitas delas se encontram em barracões, fundo de igrejas, sem prédios próprios ou em lugares inadequados para o ensino“, afirma Karina Rizek Lopes, coordenadora geral de educação infantil da secretaria de educação básica do MEC.  
 
De acordo com o documento elaborado pelo Grupo Ambiente Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GAE-UFRJ), que faz parte do documento preliminar do MEC, diversas creches e pré-escolas funcionam em condições precárias de instalações e de suprimento de serviços básicos, como água, esgoto sanitário e energia elétrica. Além da carência de infra-estrutura básica, o grupo considera que a maioria dos edifícios escolares restringe o processo educativo, ao não explorar as possibilidades pedagógicas do espaço físico e de seus arranjos espaciais no desenvolvimento infantil. A inexistência ou a precariedade de parque infantil, por exemplo, priva as crianças da convivência e da exploração do espaço e das atividades e movimentos ao ar livre, comprometendo seu desenvolvimento físico e sociocultural.  
 
“Os edifícios têm que ter correspondência com os valores dos grupos sociais que os usam, por isso os projetos devem ser submetidos à avaliação da comunidade. Engenheiros e arquitetos devem ter conhecimento das atividades e processos educativos da escola“, acredita o arquiteto Paulo Afonso Rheingantz, professor da UFRJ. Segundo ele, muitas vezes não se leva em conta se a escola tem cara de hospital, se não é acolhedora, pois trabalha-se com os critérios da manutenção e da durabilidade dos materiais, e não com as pessoas. Mas ele defende que o foco da educação é a criança, ela é o principal usuário da escola e sua opinião deve ser considerada na construção dos edifícios. “Quando os usuários vêm suas necessidades incorporadas ao projeto, passam a ter uma relação completamente diferente com a escola, há menos depredação e maior carinho. Se as pessoas opinam, participam e dizem do que gostam, a escola fica mais prazerosa“, completa. Também fazem parte do documento preliminar do MEC as diretrizes básicas de infra-estrutura para o funcionamento das instituições de educação infantil, elaborado à pedido da secretaria de educação de Belo Horizonte, e utilizado como base para a experiência da capital mineira de construção de creches e escolas de educação infantil, iniciada em 2002. O planejamento das construções tomou como base os terrenos existentes e as exigências pedagógicas para o atendimento à criança de 0 a 6 anos, considerando-se as condições de segurança, sanitárias, de conforto e de atenção à estética, adaptadas a cada unidade.  
 
Nas novas escolas mineiras, vasos sanitários, pias, maçanetas, interruptores e janelas foram construídos ao alcance das crianças. Elas também contam com jardins, pomares, parques e teatros. “Não pensamos apenas na estética e na funcionalidade, mas também no bem-estar e no sentido simbólico da construção da identidade da criança. Procuramos obedecer alguns princípios que colocam a criança e suas necessidades como eixo central“, diz Flávia Julião, da Coordenação de Política Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte. 

Menu de acessibilidade