MinC prepara nova lei do direito autoral

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

Segundo o coordenador-geral de direitos autorais do MinC a lei atuará, basicamente, em três pontos principais: o desequilíbrio entre os direitos autorais e os pessoais, a relação entre autores e intermediários e a maior presença estatal em funções regulatórias do setor. Este último, o ponto mais polêmico e que suscita mais controvérsias. 

 

Quem tem um ipod, ou qualquer outro aparelho que toque músicas no formato MP3, está fora da lei no Brasil. O simples fato de transferir uma música, ainda que comprada legalmente, de um ambiente para outro fere a Lei nº 9.610, de 1998. Também é proibido fazer cópias de livros para fins educativos ou que estudantes cantem músicas em ambientes públicos, sem autorização prévia do autor.

A reformulação da Lei de Direitos Autorais, em gestação no Ministério da Cultura (MinC), legalizará esses atos e tratará de outros temas, mais polêmicos. Determinará novas formas de relacionamento entre autores e intermediários e criará uma entidade que controlará a arrecadação dos direitos no país. O texto vai a consulta pública nos próximos dias.

Segundo o coordenador-geral de direitos autorais do MinC, Marcos Alves de Souza, a lei atuará, basicamente, em três pontos principais. O primeiro é o desequilíbrio entre os direitos autorais e os pessoais. O Brasil é o único país entre os maiores do mundo que não permite cópia para uso privado, diz Souza. Segundo ele, a lei brasileira prevê apenas dez limitações de direitos, enquanto na Europa a média é de 23. É o artigo 46 da atual lei que impede a cópia de músicas e textos para uso pessoal. “As limitações [de direitos autorais] previstas na lei atual estão em desacordo com a realidade.”

Além de dar amparo legal a algumas possibilidades de reprodução de obras, o governo prevê adotar valores mais módicos, quando ela for possível, na cobrança de direitos autorais. “O xerox na faculdade será permitido, mas alguns centavos dele vão pagar o direito autoral.” Preços menores na cobrança de direitos autorais levam a inadimplência a cair, dizem especialistas.

O segundo grande desequilíbrio da lei atual, e que será tratado na revisão, é a relação entre autores e intermediários. O projeto de lei deverá deixar mais explícitos termos do Código Civil que impedem a onerosidade dos contratos. Ou seja, explica Souza, o contrato deixará claro quando se tratar de uma licença para uso dos direitos ou de uma cessão total e definitiva, deixando mais claras as condições para que autores e juízes avaliem disputas sobre a questão.

Por ceder definitivamente direitos, alguns artistas, como o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, travaram batalhas jurídicas de anos com gravadoras. “A lei tem de dar instrumentos para o artista se defender”, diz o coordenador-geral de gestão coletiva e de mediação em direitos autorais do Ministério da Cultura, José Vaz de Souza Filho.

O terceiro grande eixo da reforma da lei dos direitos autorais será a maior presença estatal em funções regulatórias do setor. É este o ponto mais polêmico e que suscita mais controvérsias. Segundo Souza, uma das propostas é unificar os registros de autoria em um único órgão e torná-lo mais acessível por meio digital.

Hoje, por exemplo, para registrar uma obra literária, o autor que está no Nordeste tem de enviar uma cópia à Biblioteca Nacional, no Rio, e o artista plástico tem de enviar uma reprodução em tamanho padrão para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pelo modelo proposto, o registro de músicas e desenhos de arquitetura, por exemplo, poderá ser enviado até por computador e haverá representações locais do novo órgão.

Provisoriamente, o MinC prevê a criação do Instituto Brasileiro do Direito Autoral (IBDA), inspirado em órgãos semelhantes existentes em outros países. A comparação interna é feita com o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi), que cuida de marcas e patentes de empresas.

Atualmente, o Escritório de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais (Ecad) tem monopólio da cobrança dos direitos musicais. Esse é um dos motivos para rever a regulação, diz Souza. “Recebemos muitas reclamações por cobranças abusivas.” A cobrança do Ecad é dada por uma tarifa específica, denominada Unidade de Direito Autoral (UDA), definida em assembleia-geral. No caso de outras formas de arte, o controle dos direitos é feito pelas próprias editoras e distribuidoras das obras.

Os direitos autorais representaram, no ano passado, transferência de US$ 1,5 bilhão do Brasil apenas para os EUA, maior mercado para onde são enviados recursos referentes a direitos autorais.

Por deficiências na arrecadação de direitos autorais e consequente transferência ao país de origem da obra, porém, o Brasil já foi ameaçado pela criação de paineis na Organização Mundial do Comércio (OMC). A OMC regulamenta as relações entre países na questão dos direitos autorais por meio do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Trips, em inglês), de 1995.

A nova lei também traz previsões para defesa da concorrência no âmbito dos direitos autorais. Segundo Souza, o novo organismo servirá como ambiente de mediação administrativa de conflitos e câmara de arbitragem. Ele espera que o Judiciário fique menos sobrecarregado com questões relativas a direitos autorais. A nova lei não resolve, porém, algumas ambiguidades do texto de 1998, como a permissão de reprodução de “pequenos trechos de obras”. O termo sugere subjetividade e não encontra jurisprudência nos tribunais brasileiros.

Para a formulação da nova Lei dos Direitos Autorais foram promovidos oito seminários com as partes interessadas, desde dezembro de 2007. Foram realizadas, ainda, cerca de 80 reuniões pelo Ministério da Cultura com os envolvidos, debates que foram transmitidos pela internet.

A revisão da Lei dos Direitos Autorais que será proposta pelo Ministério da Cultura traz previsões genéricas para a criação cultural no âmbito da internet. O inciso VI do artigo 29, por exemplo, será refeito para excluir o termo “distribuição”, que não cabe no ambiente da internet. O inciso VII do mesmo artigo também será reeditado para abranger o formato da televisão digital. Para Souza, especificamente para a internet, o ministério poderá publicar outro projeto de lei no futuro ou normas específicas poderão ser criadas pelo órgão provisoriamente chamado de IBDA.

Criação de estatal é criticada por entidades arrecadadoras

Mesmo antes de apresentado, o conteúdo do projeto de lei que reforma as regras de direitos autorais no país já suscita críticas da classe artística e editorial. As principais queixas são dirigidas à criação de um novo órgão estatal, que aumentaria a ingerência sobre a arrecadação dos direitos privados, e à flexibilização das normas, o que reduziria a receita dos autores e, por consequência, o estímulo à criação de obras.

Para Eduardo Dinelli Costa Santa Cecília, advogado do Azevedo Sette que atende algumas empresas, é o direito patrimonial que estimula autores e investidores a criar. “Se liberar uso sem necessidade de consulta prévia, haverá desestímulo às novas obras”.

Segundo Santa Cecília, mesmo o autor de livros didáticos faz a obra, em geral, visando receber direitos sobre ela. “Para quem quer criar música sem cobrar por direitos, hoje a internet oferece essa possibilidade, em que muitos conseguiram se destacar.”

Foi criado nas últimas semanas por entidades de classe o Conselho Nacional de Cultura e Direitos Autorais. Roberto Mello, presidente da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), que criou o comitê, afirmou em nota que a o Instituto Brasileiro do Direito Autoral (IBDA) significa “o Estado interferindo naquilo que é um direito claramente privado”.

Para o comitê, a lei de 1998 é “novíssima” e até contempla o mundo digital. Também para o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), a lei atual não precisa de revisão. “Para nós, hoje a lei vai bem”, diz Glória Braga, superintendente-executiva do Ecad, órgão que tem monopólio da arrecadação e distribuição de direitos musicais. Em 2009, o Ecad arrecadou R$ 374 milhões, tendo distribuído R$ 317 milhões entre 81.250 titulares de direitos autorais.

Para Glória, só o dono do direito pode dizer quanto ele vale, segundo o artigo 5º da Constituição Federal e, portanto, uma instituição estatal não poderia ter controle sobre essa atividade. Dentro do governo, porém, a visão é de que o Ecad não atua de forma transparente na arrecadação e na distribuição. Mas, segundo a superintendente, o órgão é fiscalizado pela Receita Federal e publica balanços periódicos.

 

 

Menu de acessibilidade