Método de ensino não determina sucesso

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Não é o método de alfabetização que determina o sucesso ou o fracasso escolar. Alunos de colégios construtivistas aprendem tanto na primeira série quanto os de unidades que priorizam o método fônico, baseado na associação entre letras e sons. O problema parece estar menos nos anos iniciais da alfabetização e mais na consolidação desse processo.
 
É o que mostram as primeiras evidências de estudo que acompanha a mesma geração de 19 mil alunos, ano a ano, da primeira a quarta séries do ensino fundamental. A pesquisa está sendo desenvolvida no Rio, em Belo Horizonte, em Campinas, em Salvador e em Campo Grande por seis universidades (PUC-Rio, UFMG, Unicamp, UFBA, Uems e UFJF). Batizado de Geres (Geração Escolar), tenta identificar as causas do pífio desempenho no Saeb (exame do governo federal que avalia a educação).
 
Em 2003, a prova mostrou que apenas 4,8% dos alunos da quarta série tinham desempenho adequado. O debate entre os defensores de cada método reacendeu-se neste ano, após o ministro Fernando Haddad (Educação) defender a revisão dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Os defensores do método fônico dizem que países desenvolvidos o adotam porque seria mais eficaz. Já os construtivistas afirmam que não se pode culpar o método pelos maus resultados.
 
Para Creso Franco e Alícia Bonamino, pesquisadores da PUC e coordenadores do Geres no Rio, os primeiros resultados, das turmas de primeira série de escolas públicas apenas, sugerem que essa “guerra da alfabetização“ tem produzido mais calor do que luz.
 
Com um questionário, os pesquisadores identificaram a abordagem usada em sala. Em alguns casos, houve acompanhamento de uma aula. Analisando só o desempenho no fim do ano, os testes indicaram que a média dos alunos de escolas construtivistas era maior que a dos alfabetizados pelo método fônico.  
 
Ao comparar o desempenho final com o do início do ano letivo, porém, perceberam que o melhor resultado do construtivismo acontecia só porque os alunos dessas turmas entravam com nível superior. Quando foi levado em conta também o desempenho inicial, os dados mostraram que não houve diferença significativa no aprendizado em escolas construtivistas ou fônicas. O melhor resultado apareceu em turmas onde professores usavam as duas abordagens. Mesmo assim, as variações ficaram dentro da margem de erro.  
 
“Os resultados não indicam a superioridade de um método. Houve resultados bons e ruins em turmas com abordagens construtivistas, fônicas ou híbridas. Os dados apontaram que a abordagem híbrida pode apresentar alguma vantagem, mas isso precisa ser mais bem analisado“, explicam os coordenadores.  
 
Outra conclusão inicial do projeto -financiado por Fundação Ford, Ministério da Ciência e Tecnologia e Faperj- é que a hipótese de que o fracasso no Saeb começava desde cedo, com deficiências no processo inicial de alfabetização, não se confirmou. Para chegar a essa conclusão, a pesquisa classificou sete níveis de interpretação de textos (de 1 a 7). No teste aplicado aos alunos no início do ano letivo, 53% deles estavam nos três níveis mais baixos de aprendizado (1, 2 e 3). No final do ano letivo, o percentual caiu para 21%.  
 
“Esse resultado sugere que o problema concentra-se mais na consolidação do processo de alfabetização. Nossa hipótese, que precisará ser testada, é que a escola, em vez de consolidar um promissor processo de alfabetização, dispersa as atividades com temas pouco relevantes ligados à gramática“, disse Franco. 
 
 
 
Separação entre os sistemas não é radical  
 
A visita dos pesquisadores às aulas mostrou que a separação entre as abordagens não acontece de maneira radical. Em quase 60% das turmas, as respostas dos docentes levaram à classificação de construtivista. Mas ao visitar a escola os pesquisadores perceberam que, em alguns casos, os professores utilizam elementos do fônico. É por isso que, para os pesquisadores, o percentual das que trabalham com as duas propostas integradas deve ser maior do que os cerca de 20% que estão no estudo. No colégio bilingüe Humboldt, pressupostos do construtivismo e do fônico são mesclados. 
 
“A escola é construtivista, mas não deixamos de utilizar elementos do método fônico na educação infantil, especialmente nas aulas de alemão, em que a correspondência entre letras e sons é mais natural“, diz a coordenadora da educação infantil, Marianne Bischof. 
 
 
 
Questão é complexa, diz educadora  
 
Discutir o método é essencial, mas esse não deve ser o ponto mais importante do debate e não deve se limitar a um confronto entre fônicos e construtivistas. Essa é a opinião de dois especialistas em alfabetização ouvidos pela Folha: Antônio Augusto Gomes Batista, professor da Faculdade de Educação da UFMG e diretor do Ceale (Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita), e a psicóloga e antropóloga Elvira de Souza Lima, consultora internacional na área de educação. Ambos já trabalharam diretamente em projetos que buscavam diagnosticar e apresentar soluções para a alfabetização.  
 
“A questão do método foi considerada a partir dos anos 80 como uma discussão de segundo nível, quase desnecessária. Relatórios internacionais mais recentes, no entanto, têm mostrado que os resultados tendem a ser melhores quando o professor explora essa abordagem fônica. Não podemos ignorar essas pesquisas mas também não podemos esquecer que elas abordam apenas um aspecto da aprendizagem“, diz Batista.  
 
O professor dá como exemplo a experiência inglesa. “Na Inglaterra, depois que adotaram o método fônico, o governo investiu mais na formação do professor quando percebeu que a simples mudança de metodologia não estava sendo suficiente para que os bons resultados aparecessem.“ Lima concorda.  
 
“Se a complexidade de se apropriar de um sistema simbólico fosse só uma questão de método, uma simples mudança resolveria o problema. Mas temos vários subsídios, como essa pesquisa do projeto Geres, que revelam que a questão é mais ampla, profunda e complexa.“ Para ela, descobertas recentes no campo da neurociência demonstram que o desenvolvimento biológico recebe interferências da experiência cultural do indivíduo.  
 
“O desenvolvimento do cérebro é função da cultura. Este é um fato primordial, esquecido muitas vezes pela argumentação que usa o conhecimento da neurociência para justificar esta ou aquela posição“, diz Lima. Para entender as causas, diz ela, é preciso ter uma postura interdisciplinar. 
 

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