Mercado de livro cresce e pressiona por profissionalização das editoras

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Depois de uma década de incertezas, o mercado editorial dá sinais de ter voltado a crescer de maneira mais firme. É o que vai revelar a mais recente pesquisa conjunta do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) e da CBL (Câmara Brasileira do Livro), a ser divulgada nos próximos dias. Alguns números do levantamento foram adiantados à Folha por Paulo Rocco, presidente do sindicato que reúne editoras do país. 
 
A pesquisa aponta um aumento do faturamento total das empresas de R$ 2,572 bilhões para um número próximo de R$ 3 bilhões, que reflete também um aumento das aquisições por programas governamentais. Mas o aumento foi de fato “puxado“ pelo mercado. Em obras gerais (excluindo didáticos, religiosos e técnicos), houve um acréscimo de 9,51% no faturamento e um aumento no número de exemplares vendidos de 4,68%. 
 
Os números refletem a intensa movimentação da área. Depois da onda “das espanholas“ (a entrada dos grupos Planeta e Santillana/Prisa), no começo dos anos 2000, agora o mercado vem sendo sacudido pela compra e fusões de editoras, movimento que é impulsionado pela Ediouro. 
 
Esse grupo brasileiro, fundado em 1939, tem liderado um processo agressivo de aquisições, preparando-se para entrar na bolsa de valores. Só neste ano, fechou a aquisição da Nova Fronteira, fez uma associação com a Nova Aguilar e negocia agora a compra dos selos Arx, Futura e Caramelo, da Siciliano. O último lance desse processo teria sido a entrada na Ediouro da Governança & Gestão Investimentos, administradora de fundos de “private equity“ de Antonio Kandir. Luiz Fernando Pedroso, diretor-superintendente da Ediouro, confirma a participação de Kandir no conselho editorial do grupo, mas nega que tenha havido mudança na sociedade. 
 
O acirramento da competição no mercado de livros força a profissionalização das editoras. Ainda marcado pela tradição de empresas familiares e pela falta de transparência, o setor amadureceu a ponto de comportar empresas em bolsa? 
 
Pedroso diz que para isso “as editoras têm de aumentar de tamanho [escala], profissionalizar-se e implementar um ambiente de “melhores práticas“ e inovação“. Paulo Rocco acha que a opção da Ediouro é um caso isolado e não enxerga concentração, considerando que a compra e fusão nesse segmento “sempre existiu“. 
 
Roberto Feith, da Objetiva, que representa o grupo Santillana/Prisa, lembra que países mais ricos passaram pela concentração. “Não digo que isso vai ocorrer aqui, mas é uma tendência“. A Objetiva tem evitado os leilões cada vez mais caros das “promessas de best-sellers“ e aposta no crescimento de longo prazo. 
 
Investiu no selo Alfaguara, para literatura de qualidade, e prepara o lançamento de dois selos, um de auto-ajuda e outro de livros de bolso -outra tendência no mercado, já seguida pela L&PM e pela Companhia das Letras, e que também terá a entrada agressiva da Record em setembro. 
 
“Concentração do mercado ou abertura de capital em bolsa não têm a ver com profissionalização“, diz Luciana Villas-Boas, diretora editorial da Record. “O que tem a ver com a profissionalização é a concorrência, que obriga o proprietário ou os sócios do empreendimento a contratar executivos que conheçam o livro como produto e como bem simbólico, que conheçam o negócio. Nem residualmente sobrevive hoje aquele editor que só publica suas próprias preferências e acha que o marketing conspurca o livro“, diz. 
 
Para Villas-Boas, “a economia está em um bom momento, e setores da classe média acabam o mês com um pouco mais de dinheiro no bolso“. Além disso, “o dólar baixo diminui agradavelmente o custo de insumos fundamentais, como o papel e o direito autoral do livro traduzido“. 
 
 
Empresas evitam divulgar seus números 
 
Há entre os editores visões contraditórias sobre crescimento, estagnação ou crise no mercado editorial, e a principal razão é a carência de dados confiáveis. Como as empresas têm capital fechado, não são obrigadas a divulgar seus números de vendas, faturamento ou lucro. 
 
A pesquisa anual do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) e da CBL (Câmara Brasileira do Livro) é feita a partir de dados enviados pelas próprias editoras. Não se questiona a idoneidade no tratamento dos dados, analisados pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Mas há editoras que dizem, sob a condição de não serem citadas, que os números não refletem a realidade, já que todas querem “esconder os números da concorrência“. 
 
Um dos maiores críticos dessa insegurança nos dados é Fabio Sá Earp, economista da UFRJ que há anos acompanha a evolução do mercado editorial. Ao analisar as pesquisas anuais Snel/CBL, Earp chegou a conclusões bem diferentes daquelas divulgadas pelos patrocinadores dos levantamentos, que evitavam falar em crise. Ele destacou que, de 1998 a 2005, houve uma queda brutal no faturamento total das empresas (de R$ 4,6 bilhões para R$ 2,5 bilhões, já levando em conta a inflação no período). 
 
Mas o economista considera que 2005 foi um ano de inflexão e que, baseado nos números da próxima pesquisa, pode afirmar que 2006 marcou uma virada. “Sempre fui visto como aquele que trazia as más notícias. Com a confirmação desses números, ficaria contente de anunciar que o mercado realmente voltou a crescer“. 
 
 
Editoras familiares lutam por renovação 
 
Sextante foi fundada pelo filho de José Olympio e já vendeu mais de 1,4 milhão de exemplares de “O Código Da Vinci“. “Escreveram uma vez que éramos uma editora nova para não-leitores. Recebemos isso como um elogio“, diz Marcos Pereira. 
 
A saída de Carlos Augusto Lacerda da Nova Fronteira, no início deste ano, é um lance simbólico dentro de um setor marcado tradicionalmente pelas “dinastias“ familiares. A editora fundada em 1965 pelo seu avô, o político Carlos Lacerda, agora pertence à Ediouro. 
 
Enquanto editoras tradicionais se profissionalizam ou são “engolidas“ por grupos maiores, afastando famílias tradicionais do mercado, outras conseguiram se reinventar e hoje ocupam um espaço crescente. 
 
O exemplo mais vistoso desse “renascimento“ é a Sextante, “pequena grande editora“ fundada em 1998 que provocou uma reviravolta no segmento de auto-ajuda. Dos 30 livros da lista de mais vendidos da Folha desta semana, incluindo ficção e não-ficção, sete são da Sextante. O sucesso não veio por acaso. Dr. Geraldo (Geraldo Jordão Pereira), o patriarca da editora, é filho de José Olympio, um dos nomes formadores do mercado brasileiro. 
 
Depois de se endividar, a tradicional José Olympio acabou absorvida pela Record. Dr. Geraldo tentou nos anos 90 investir no mercado infanto-juvenil, com o selo Salamandra (atualmente abrigada no grupo Objetiva/Santillana), mas também precisou abrir mão do sonho de uma casa editorial focada em crianças, uma novidade. 
 
O recomeço em novas bases, com os filhos Marcos e Tomás e com a mulher Regina, foi a grande mudança. A Sextante nasceu como uma proposta radical que levou à fama de “toque de Midas“ da família. 
 
O mais famoso best-seller da casa é “O Código Da Vinci“, que já vendeu 1,333 milhão de exemplares (1,477 milhão, levando em conta a edição ilustrada). E isso mesmo com o “sucesso desastroso“ do filme com Tom Hanks, que “matou“ o fenômeno editorial (depois da adaptação, as vendas do livro de Dan Brown despencaram em todo o mundo). Outro sucesso da casa, “O Monge e o Executivo“, completa na próxima semana a marca de 1,5 milhão de exemplares vendidos. 
 
A família Pereira leva a sério idéias como universalidade. “Escreveram uma vez que éramos uma editora nova para não-leitores. Recebemos isso como um elogio“, diz Marcos Pereira. Para ele, “todos os livros têm de ser acessíveis em matéria de preço e em facilidade de leitura“. 
 
O sucesso não veio apenas por uma visão particular de mercado. A família, que trabalha junto, acredita e se empolga com todos os livros que edita. Eles são lidos e discutidos por todos. E só se investe em livros que empolgam e convencem. 
 
Tomás Pereira dá o tom que marcou nova proposta: “Nossa idéia é discutir espiritualidade, não necessariamente religião“. A formatação para a editora, explica, surgiu com o livro “Uma Ética para o Novo Milênio“, do Dalai Lama. “Nesse livro ele faz bem essa distinção entre religião e espiritualidade. Isso nos guiou“, diz. 
 
 
Zahar cresce mantendo velhos hábitos 
 
A “química familiar“ também funcionou para a família Zahar, que dirige uma das editoras mais tradicionais do mercado, com origem nos anos 50. Ana Cristina Zahar, filha do patriarca Jorge Zahar (1920-1998), lembra-se da época em que “todos os editores eram amigos, havia ética e existia espaço para todos“. 
 
Ela dirige com a filha Mariana a editora no mesmo prédio que há décadas abriga a casa pioneira em livros de ciências sociais no Brasil, no centro da cidade, com vista para o Aterro do Flamengo e a baía da Guanabara. Hábitos antigos, como o almoço conjunto com todos os funcionários no terraço do edifício, continuam sagrados. “Agora, como cresceu, precisamos fazer o almoço em dois turnos“, diz Mariana. 
 
“Na França não existem mais empresas familiares no mundo editorial. Na Argentina acabou completamente“, diz Cristina. A Zahar soube modernizar a sua proposta editorial, baseada em títulos de não-ficção. Apostas em segmentos como arqueologia, em que poucos se aventuram, têm dado certo. O investimento no “catálogo de fundo“, livros já lançados há muito tempo, também é apontado por Mariana Zahar como um dos segredos do sucesso da editora. 
 
Muitas empresas se concentram nos novos lançamentos, buscam um novo best-seller e tendem a relegar a sua lista de livros já lançados. Roberto Feith, da Objetiva, por exemplo, lembra que os editores que compraram o “novo best-seller“ sempre fizeram a aquisição sem saber que estavam levando um novo sucesso. 
 
O segredo de uma casa como a Zahar, segundo Mariana, “é manter o equilíbrio entre a inovação e a valorização do catálogo“. “Editora hoje virou um negócio de descobridores de “hits’“, brinca Mariana. Além de pioneira, a Zahar virou na década de 70 a grande referência em humanidades e era apontada pelos órgãos de repressão como a grande referência para os estudantes. “Meu pai sempre me dizia que o que o editor precisa ter é sensibilidade com o fenômeno cultural, procuramos manter isso“, diz Cristina. 
 
A morte do fundador provocou dúvidas sobre o futuro da editora. Mas isso é passado, e a volta por cima pode ser traduzida em números. Segundo Mariana, desde 1998 houve um aumento de 352% no faturamento, já descontada a inflação. A Zahar também influenciou outros editores. O velho Jorge Zahar foi uma espécie de padrinho de Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, que até hoje mantém um acordo comercial de distribuição com a Zahar. 

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