Meninas lideram abandono de escola

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

Justo no dia de uma prova importante, Sabrina (nome fictício), 16, aluna do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, teve um exame de ultra-som marcado pelo médico. “Não sabia o que escolher. Precisava fazer o exame e a prova.“ Optou pelo exame. E, uma hora depois, foi informada de que estava grávida de quatro meses. “Saí da clínica desorientada. Ainda assim corri pra escola e consegui entrar na sala atrasada. Eu, com aquilo na cabeça, tive de resolver 45 questões difíceis. Respondia e chorava, respondia e chorava“, conta.  
 
“Nem acreditei quando vi o resultado: não fui mal, não.“ Grávida, ela decidiu seguir os estudos. Sabrina é, segundo uma pesquisa inédita da Unesco (órgão da ONU para educação, ciência e cultura), uma exceção: levantamento feito com mais de 10 mil jovens nos 26 Estados do país apontou que as meninas deixam mais a escola do que os meninos na faixa etária dos 15 a 17 anos.  
 
As três principais causas para o afastamento prematuro da escola são necessidade de trabalhar, gravidez não-planejada e dificuldades de aprendizado. Uma gravidez não-planejada fez com que Verônica Ribeiro da Silva, 18, parasse de ir à escola, aos 16 anos. “Achei que o pessoal ficaria comentando a gravidez. Fiquei com vergonha e larguei a escola.“  
 
A Unesco traçou o perfil do jovem brasileiro fora dos bancos escolares com idade de 15 a 17 anos, faixa própria para a freqüência no ensino médio -grande gargalo da educação básica. Seus dados apontam que há mais de 1,5 milhão de jovens nessa faixa etária fora da escola e inverte o senso comum que diz que há mais meninos que meninas atualmente sem estudo por conta da necessidade de trabalhar.  
 
Entre os jovens de 15 a 17 anos que abandonaram os estudos, 56% são meninas. Por outro lado, a pesquisa reitera a noção de que os negros são desfavorecidos pelo modelo educacional de hoje: 72% dos jovens que estão fora da escola são negros ou pardos.  
 
Gravidez e abandono – “Não tenho dúvidas de que o desequilíbrio entre o número de homens e mulheres fora da escola está, em grande parte, na questão da gravidez precoce“, avalia Eliezer Pacheco, presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). De fato, após deixar os estudos, Verônica -hoje com dois filhos por conta de uma segunda gravidez não-planejada- constatou que mais de 15 amigas suas viveram o mesmo drama: engravidaram adolescentes e, segundo ela, a maioria deixou a escola. “A gravidez é um fator conhecido de abandono escolar“, afirma o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza.  
 
Para ele, é preciso que os ministérios da Educação e da Saúde atuem em conjunto em programas de prevenção nas escolas e que o governo injete verbas em organizações da sociedade civil que auxiliam essas jovens. Tudo para garantir que o jovem complete o ensino médio, que, “há pelo menos 15 anos vem sendo exigido como pré-requisito para qualquer tipo de emprego“.  
 
Albertina Duarte Takiuti, coordenadora do programa Saúde do Adolescente da Secretaria de Estado da Saúde, especialista em gravidez na adolescência, explica que a gestação precoce é uma situação turbulenta em um período da vida já conturbado. “A gravidez muitas vezes substitui o interesse das meninas pela escola. É preciso muito apoio da escola, da família e da sociedade para que ela tenha segurança para continuar os estudos.“ Para ela, a escola é um fator protetor para as jovens que estão grávidas ou que já tiveram filhos. “Freqüentando a escola, ela continua a integrar um grupo e a ter outros interesses e atividades que não sejam apenas a maternidade“, diz. “Jovens que abandonam a escola voltam a engravidar mais rapidamente que aquelas que prosseguem estudando.“  
 
O caso de Verônica é emblemático. Após o primeiro filho, não voltou à escola. Três meses depois, estava grávida novamente. “A segunda gravidez é muito determinante. Depois dela, a menina não volta para a escola mesmo“, diz Takiuti. Isabel (nome fictício), 17, ao contrário, fez sua matrícula logo que saiu da maternidade, aos 14 anos, e hoje enfrentará a segunda gestação dentro da sala de aula.  
 
Mudança de comportamento – Suzanna Caveraggi, pesquisadora do Núcleo de Estudos Populacionais (Nepo) da Unicamp, explica que a mudança no comportamento sexual dos jovens não foi acompanhada nem pelo Estado nem pelas famílias. Para ela, porém, esse é um período de adaptação que deve, em breve, alterar os dados sobre gravidez precoce.  
 
De 1991 a 2000, houve um aumento de 25% na fecundidade de jovens de 15 a 19 anos. Já de 2002 para 2003, de acordo com dados do IBGE sobre registro civil, houve um aumento de 12% nos partos de adolescentes -menor que a média da década anterior. “O que interessa nesse caso não é o aumento ou não da gravidez precoce, mas o planejamento de uma estrutura social em que essas meninas possam permanecer na escola“, diz a pesquisadora. “A falta de perspectiva dessas jovens pode ser anterior à gravidez e residir no desemprego e na baixa qualidade da escola.“ 
 
 
 
Colégio “expulsa alunos“, afirma autora de estudo  
Folha de São Paulo 
 
A pesquisa da Unesco feita em 26 Estados do país, em capitais e no interior, mostra que 21% dos jovens que estão fora da escola já a haviam abandonado anteriormente uma vez e 14% já saíram da escola três ou mais vezes. “Há uma política de entra-e-sai na escola. Nesse caso, o jovem sai porque vai repetir, porque estudar está chato ou porque está com algum problema na escola“, afirma Miriam Abramovay, autora do estudo da Unesco, a agência das Nações Unidas especializada em educação.  
 
Dificuldades de aprendizado, a exemplo da gravidez precoce e da necessidade de trabalhar, são as principais razões que fazem o jovem abandonar a escola, segundo especialistas da Unesco. “Não podemos culpar apenas mecanismos externos à escola por essa exclusão. A própria escola expulsa esses alunos. Ela não quer a linguagem deles, ela não fala o que eles querem escutar. Na verdade, a escola é contra o jovem, a cultura juvenil, a forma de eles se vestirem. É contra o piercing, o boné, a tatuagem, o skate. Assim, o jovem não consegue suportar ficar lá dentro“, critica.  
 
Pior desempenho – Um estudo do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) mostrou que os estudantes negros têm pior desempenho escolar que os brancos. “Como não há diferença intelectual entre brancos e negros, é a questão do preconceito e da discriminação que influencia no aprendizado“, diz Eliezer Pacheco, presidente do Inep.  
 
A pesquisa da Unesco sobre os jovens de 15 a 17 anos que estão fora da escola aponta um dado considerado “impressionante“ por Pacheco: 72% dos jovens que abandonaram os estudos são negros ou pardos. “A escola tem mecanismos pérfidos de exclusão desses jovens“, explica Abramovay. “Pode ser por problemas econômicos, por conta de gravidez ou porque negros e pardos não têm lugar na escola mesmo, já que são alvo de brincadeiras que não parecem agressivas, mas que são na realidade.“ (FM) 
 
 
 
Coordenadora do Estado propôs criação de creches para atender jovens mães  
Folha de São Paulo  
 
Albertina Duarte Takiuti, coordenadora do programa Saúde do Adolescente da Secretaria de Estado da Saúde resolveu se adiantar e, mesmo antes da posse de José Serra (PSDB) e de seu secretariado, conversou com o titular de Educação, José Aristodemo Pinotti, sobre a criação de creches nas escolas para abrigar os filhos de estudantes adolescentes.  
“Sugeri essa medida ao doutor Pinotti e ele se mostrou bastante sensível. Aí teríamos creches nos CEUs [Centros Educacionais Unificados] e nas escolas municipais para que elas não precisem deixar o filho com outra pessoa para estudar“, conta Takiuti.  
 
Para ela, permanecer na escola é um fator de proteção para as adolescentes que engravidam precocemente. “Fizemos uma pesquisa que apontou que as adolescentes que abandonam a escola voltam a engravidar mais rapidamente“, diz. “Estimulando as jovens a permanecerem na escola, o programa da Casa do Adolescente, em São Paulo, conseguiu reduzir em 26% a gravidez entre adolescentes do Estado e em mais 10% a segunda gravidez.“  
 
Outras causas – Trabalho e dificuldade no aprendizado também foram apontados como causa do abandono escolar de jovens de 15 a 17 anos que estão fora da escola. “O ensino médio funciona como um gargalo. A maioria dos jovens está matriculada no ensino fundamental, mas apenas 30% passa para o ensino médio“, afirma Miriam Abramovay, autora da pesquisa.  
 
“Muitas vezes, o problema não é da qualidade do aluno, mas da escola, que o exclui, que diminui sua auto-estima e dificulta a relação entre o conhecimento adquirido na escola e o mundo exterior a ela“, avalia Denise Carreira, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.  
 
Paulo Renato Souza, ex-ministro da Educação, destaca que o número de matrículas no ensino médio dobrou nos últimos nove anos. “Com a universalização do ensino fundamental [que abriga hoje 97% dos alunos em idade escolar adequada], a tendência é de aumento da demanda, mas há uma quebra de continuidade dos alunos na passagem do ensino fundamental para o médio por conta de condições econômicas ou da própria estrutura do ensino, que afasta quem não está estimulado“, diz. Para o ex-ministro, criar programas de ajuda financeira ao alunos deste nível, como foi feito na Argentina, e políticas para grupos de risco, como o das adolescentes grávidas, são saídas viáveis.  
 
Falha no financiamento, falta de professores e carência de cursos noturnos. Esses foram três fatores citados pelo secretário da Educação Básica do MEC, Francisco das Chagas Fernandes, para explicar por que o ensino médio é considerado um gargalo da educação. “O ensino médio está desprotegido, sofre com falta de professores em algumas áreas e com os baixos salários. Estamos redefinindo seu financiamento com a proposta do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica“, disse (FM). 

Menu de acessibilidade