MEC omisso no pós-pandemia, evasão escolar, atrasos na aprendizagem e universidades falidas: especialistas apontam desafios de Lula na educação

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Efeitos do período prolongado de fechamento das escolas ainda serão sentidos a curto e a longo prazo. É preciso que o Ministério da Educação assuma uma postura de ‘protagonista’ para coordenar um esforço nacional de recuperação dos alunos, explicam educadores.

Enquanto as escolas brasileiras ficaram fechadas, em média, por 279 dias na pandemia, faltou ao Ministério da Educação (MEC) uma postura de articulação nacional para conter a tragédia que se desenhava (e que ainda perdura em 2022): falta de acesso ao ensino remoto, aumento das desigualdades, evasão de alunos e defasagens de aprendizagem. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pelo g1 nesta reportagem, que lista quais devem ser as prioridades na educação durante o futuro governo Lula, a partir de 2023.

“Precisamos voltar a ter um MEC que discuta problemas reais”, afirma Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do movimento Todos pela Educação.

Em resumo, os especialistas dizem que “um novo capítulo da educação será escrito” caso haja também, além do fortalecimento do ministério:

• ações articuladas para a recuperação da aprendizagem de crianças e jovens (dados mostram que, na pandemia, mais do que dobrou a porcentagem de crianças de 8 anos que não sabem ler e escrever palavras como “vovô”);
• recomposição do orçamento da educação básica, que, em 2023, tem a menor previsão de verba dos últimos 11 anos, segundo consultorias da Câmara e do Senado;
• combate à evasão (o Unicef mostra que 11% das crianças e adolescentes estão fora da escola no Brasil);
• investimentos em segurança alimentar (estudo mostra que valores do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE – estão defasados);
• foco na formação e nas carreiras de professores;
• valorização das universidades públicas, afogadas em sucessivos cortes de orçamento;
• mudanças estruturais, reforço de políticas de primeira infância e de alfabetização.

Até a última atualização desta reportagem, o MEC, procurado pelo g1, não havia comentado as críticas dirigidas a ele.

Apoio do MEC aos estados e municípios: ‘Precisamos recuperar a capacidade administrativa’

Ao longo da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas eleições do último domingo (5), cinco ministros foram nomeados para o MEC – o penúltimo, Milton Ribeiro, chegou a ser preso após um escândalo envolvendo a interferência de pastores na distribuição de verba da pasta.

“O próximo ministro deve resgatar a credibilidade institucional [do ministério] e o papel de apoiar estados e municípios na implementação de políticas públicas. Sem um MEC coordenador e protagonista, teremos o que vimos nos últimos anos: cada um dos entes trabalhando de maneira apartada, enquanto o ministério lava as suas mãos e deixa todos [abandonados] à própria sorte”, diz Nogueira Filho.

Gregório Grisa, professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), afirma que é importante aprovar o chamado “Sistema Nacional de Educação”, atualmente em pauta no Congresso, para promover uma maior articulação entre os governos municipais, estaduais e federal.

O especialista afirma também que “precisamos recuperar a capacidade administrativa dos órgãos ligados ao MEC”, como:

• o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), alvo de denúncias de assédio a servidores e de tentativas de interferência ideológica em provas oficiais, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem);
• a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), palco de dezenas de demissões de funcionários em 2021, após divergências nos critérios de avaliação e de abertura de cursos de mestrado e doutorado;
• o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), tido como “a pérola do MEC”, envolvido no escândalo do ex-ministro Milton Ribeiro.

Recuperação da aprendizagem: crianças de 8 anos não sabem ler ‘vovô’

No Brasil, a porcentagem de crianças do 2º ano do ensino fundamental que ainda não sabem ler e escrever nem mesmo palavras isoladas (como “mesa” e “vovô”) mais do que dobrou de 2019 a 2021, mostram os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), divulgados pelo Inep em setembro deste ano.

O mesmo levantamento mostra que, em matemática, 2 de cada 10 alunos de 8 anos não sabem somar e subtrair.

São apenas dois exemplos da defasagem de conteúdos agravada pela pandemia de Covid-19. Será preciso agir com coordenação nacional para reverter o quadro, explica Nogueira Filho, do Todos Pela Educação.

“Apesar de o governo federal atual ter se retirado de campo, temos estados e municípios que fizeram lição de casa e que estão avançando. O próximo MEC tem referências em que se inspirar. Deve identificar boas experiências e induzir e apoiar para que outras cidades façam algo parecido”, diz.

Combate à evasão: mais de 2 milhões de alunos fora da escola

Em pesquisa de setembro de 2022, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirmou que 11% das crianças e adolescentes entre 11 e 19 anos estão fora da escola no Brasil. São 2 milhões de alunos longe das salas de aula.

“O governo federal precisa, junto com estados e municípios, garantir que todos façam uma busca ativa escolar bem estruturada [para trazer os estudantes de volta] e elaborem políticas de auxílio financeiro para os jovens do ensino médio, porque muitos são forçados a colocar a educação em segundo plano para trabalhar”, diz Nogueira Filho.

Com a defasagem de conhecimentos aumentada na pandemia, pode aumentar o desinteresse dos adolescentes pelas aulas — outro elemento de risco para um possível abandono nos próximos anos.

Nas creches, os números também preocupam: entre 2019 e 2021, houve uma diminuição de quase 338 mil matrículas.
Segundo Beatriz Abuchaim, especialista em educação infantil e gerente de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, “o número de matrículas na educação infantil vinha crescendo na série histórica”.

“A queda é um fenômeno preocupante que requer compromisso e prioridade absoluta dos gestores para ser revertida”, diz.

Políticas de permanência nas escolas: alunos precisam de merenda e de acolhimento

Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec (ONG que trabalha pela equidade na educação pública), reforça que o desafio não é apenas combater a evasão (seja qual for a faixa etária do aluno). É preciso também garantir condições de permanência nas escolas, como:

• ações de acolhimento emocional;
• políticas de alimentação adequada (com reajustes nos valores transferidos para a merenda);
• aprendizagem alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC – documento que estipula os conteúdos que obrigatoriamente devem ser oferecidos aos alunos) e ao novo ensino médio.

“É possível identificar severos cortes no orçamento que afetam sobretudo a educação básica. No Brasil, 68% das cidades têm menos de 20 mil habitantes e precisam de recursos do MEC para garantir o atendimento aos alunos”, diz Altenfelder.

“Os alunos mais afetados são os que já estavam em situação de vulnerabilidade, como pobres; pretos, pardos e indígenas; e habitantes das zonas rurais e das regiões Norte e Nordeste do país. Eles devem ser a primeira prioridade.”

Para 2023, a educação básica tem a menor previsão de verba dos últimos 11 anos, segundo dados compilados pelas consultorias de orçamento da Câmara e do Senado. O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA), enviado pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, prevê R$ 11,3 bilhões ao setor, sem considerar a complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Investimento em universidades públicas: ‘É uma questão de sobrevivência’

No ensino superior, o principal desafio será a recomposição orçamentária, após os sucessivos cortes e bloqueios, diz Ricardo Marcelo Fonseca, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

“É uma questão de sobrevivência. Precisamos que o novo MEC compreenda o papel do ensino superior como estratégico para o futuro”, diz.

“E entram aí questões sempre importantes: adequada remuneração dos professores, formação de funcionários e reajuste das bolsas da pós-graduação.”

Grisa, do IFRS, lembra que são as universidades que vão formar também os profissionais que atuarão nas escolas.
“Precisamos de programas de indução à docência mais robustos, porque vivemos um apagão elevado de professores em algumas regiões. Isso vai se agravar nos próximos anos. Devemos incentivar a juventude [a essa carreira].”

Nogueira Filho, do Todos Pela Educação, também coloca a questão dos professores como “condição absolutamente necessária para um projeto transformador de educação”.

“O esforço deve ser para mudar radicalmente a formação inicial dos docentes, além de induzir que os estados e municípios repensem essas carreiras, em critérios de remuneração, condições de trabalho e políticas de desenvolvimento profissional.”

Publicado por Luiza Tenente, G1 em 07/11/2022.

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