MEC bate recorde de compra de livros

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O mercado do livro didático no país chegará ao fim de 2007 com um recorde de 152 milhões de exemplares comprados para uso em salas de aula de escolas públicas e privadas. O crescimento em relação a 2002, ano com o maior número de vendas até então, é de 5%. O Ministério da Educação (MEC) praticamente sustenta esse mercado de R$ 1,3 bilhão e é considerado o maior comprador de livros do mundo.  
 
Isso porque são raros os países em que a aquisição é feita de maneira centralizada como aqui. O governo compra livros para todas as escolas públicas do Brasil, o que significa adquirir 80% do total de coleções comercializadas no mercado ano a ano. O processo é realizado pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Criado em 1995 no governo Fernando Henrique Cardoso, o sistema atraiu atenção nesta semana por ter recomendado por anos uma coleção de história com ideologias socialistas.  
 
O restante dos livros didáticos vai para escolas particulares. O preço pago pelo MEC é 10% do cobrado de instituições privadas e pais de alunos. Os 128 milhões de livros que chegarão ao ensino fundamental e médio em 2008 custaram R$ 746 milhões ao governo, R$ 5,80 por unidade, em média.  
 
Por causa do PNLD, recaiu sobre o MEC a responsabilidade de deixar mais de 20 milhões de alunos estudarem com a coleção Nova História Crítica, de Mario Schmidt. Elas aprenderam que Mao Tsé-tung foi “grande estadista” e a burguesia busca o lucro pessoal. O livro integrava o guia de obras recomendadas desde 1998. “O ministério não contrata avaliadores. O processo de avaliação não envolve servidores do MEC”, disse o ministro da Educação, Fernando Haddad.  
 
A avaliação das centenas de obras que se candidatam a fazer parte do guia foi descentralizada depois dos primeiros anos do programa, quando professores iam a Brasília para analisar os livros, conta o ex-ministro Paulo Renato Souza. Hoje, uma universidade federal fica responsável por avaliar cada disciplina. A própria instituição chama para o trabalho doutores, professores da rede pública e especialistas de vários estados. Nenhum deles pode ter ligação com editoras.  
 
 
Avaliação aos pares 

Dois professores opinam sobre cada coleção, sem saber quem é o colega que faz o mesmo e, principalmente, sem ter idéia de que livro está avaliando. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) cuida para que as coleções sejam enviadas a eles sem capa ou identificação do autor. As opções aprovadas formam um guia, com base no qual os professores da rede pública escolhem o livro que desejam utilizar. “Se não for avaliação por pares, o programa está fadado ao fracasso e vamos reinaugurar a censura no Brasil”, diz o ministro.  
 
Como são sempre grupos diferentes que analisam as obras a cada ano, uns acabaram liberando e outros, rejeitando a Nova História Crítica. “Deveria ser montada uma comissão do MEC para uma olhada geral nos livros aprovados, porque tem muito professor que faz bobagem”, diz Paulo Renato. “Esse programa conseguiu colocar livros de qualidade e baratos nas escolas. Esse fato não pode deixar a imagem de que o PNLD é ruim”, rebate o presidente da Associação Brasileira de Editores de Livros, João Arinos.  

´Não fazemos patrulha ideológica´
O Estado de São Paulo – Renata Cafardo

A historiadora Margarida Maria Dias de Oliveira esforça-se para manter o sigilo que ronda a avaliação dos livros didáticos no País. Segundo regras do Ministério da Educação (MEC), nada pode ser dito sobre as coleções excluídas e consideradas inadequadas para as salas de aula brasileiras. A intenção é não estigmatizar autores ou condenar editoras. Mas a polêmica recente em torno da coleção Nova História Crítica, analisada e rejeitada pela equipe supervisionada por Margarida na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), abriu brechas.

Com cuidado, a professora especialista em ensino de história disse ao Estado que o livro do autor Mario Schmidt lembrava coleções escritas nos anos 80, quando, com o fim da ditadura, foram produzidos materiais repletos de conceitos maniqueístas e noções marxistas. “Não excluímos o livro porque defende essa ou outra posição, mas porque tem informações desatualizadas, conceitos não mais trabalhados, estereótipos, simplificações explicativas”, afirma. A seguir, trechos da entrevista.

Quais os critérios para a avaliação de um livro didático de história?

Um bom livro trabalha bem com fontes históricas, com a problematização, mas mostra que essa história é uma possibilidade e pode haver outras. Ele não pode incidir em erros como anacronismos, ou seja, explicar fatos passados com os valores de hoje. Analisa-se também a linguagem, as imagens usadas, se a obra está desatualizada, se é coerente com o que autor propõe pedagogicamente e se tem conceitos errados.

A coleção ‘Nova História Crítica’ tem uma tabela dizendo que, no capitalismo, a burguesia toma as decisões e busca lucro pessoal. E, no ideal marxista, tudo é feito com honestidade para agradar toda a população. Isso é um erro conceitual ou uma posição ideológica?

É uma posição ideológica, com certeza.

É possível um livro de história sem nenhum posicionamento?

Não é possível em nenhuma área. Há estereótipo e preconceito até em livro de matemática. Não existe isenção, não existe imparcialidade. Mas o papel dessa avaliação não é fazer patrulha ideológica. Nós não excluímos o livro porque defende essa ou outra posição. Excluímos porque o livro tem informações desatualizadas, conceitos que não são mais trabalhados, estereótipos, simplificações explicativas. O trecho que você comentou é uma simplificação explicativa.

Essa questão ideológica foi discutida durante a avaliação?

Não podemos divulgar o parecer de exclusão, mas se isso aconteceu é porque o livro tinha muitos problemas. Uma das proibições é haver doutrinação religiosa, política ou propagandas de produtos. Também não podem ter fotos de bebidas, por exemplo. Isso é critério de exclusão. Se o parecerista entendeu que alguma frase tinha doutrinação política, ele colocou na avaliação, mas eu não posso dizer.

Tivemos acesso ao parecer e uma das observações dos avaliadores era de que o livro tinha “conceitos ultrapassados de historiadores de esquerda”. Historiadores de esquerda são ultrapassados?

Não, de forma alguma. Mas uma certa noção de esquerda simplificada, ortodoxa, está ultrapassada. Isso era comum nos anos 80, quando vivíamos o fim da ditadura e a redemocratização. Esses livros fizeram muito sucesso. No afã de se contrapor à historia tradicional da ditadura, um marxismo mais simplificado chegou às escolas. Hoje não é mais assim, há um maniqueísmo diminuto nas boas coleções. Os livros didáticos tiveram uma mudança qualitativa impressionante. Mas nenhum livro é perfeito.

Por que esse livro foi aprovado por outras equipes?

Os critérios mudam, os editais mudam. Desde 1995, os livros foram se aperfeiçoando e os editais também. Houve mudança no número de erros que poderiam ser encontrados. O País também começou a se preocupar mais com questões afirmativas, com questões de cidadania e tudo isso incide na avaliação. Além disso, as comissões são diferentes e são autônomas.

Pais e professores aprovam coleção criticada
O Estado de São Paulo – Elisangela Roxo

‘Nova História Crítica’ proporciona visões diferentes do passado e leva a debates saudáveis

Para pais de alunos e professores de escolas que adotam a coleção Nova História Crítica, de Mário Schmidt, ouvidos pela reportagem do Estado, não há nada de errado na obra. Eles afirmam que o livro não é o elemento mais importante das aulas e acreditam que o material faz as crianças terem contato com visões diferentes da história.

A professora da disciplina na Escola Municipal João Domingues Sampaio, na Vila Maria, zona norte de São Paulo, Edna Maria Marino, não vê problemas no material didático. Em sua opinião, Schmidt produziu um livro “plural”, que mostra outros lados. “Poderia ser uma das minhas primeiras opções para o ano que vem, se não tivesse saído da lista de recomendação do MEC”, diz. Para Edna, é difícil trabalhar a leitura com os alunos em sala de aula. Um material didático com textos mais complexos do que os do livro de Schmidt, que tem uma linguagem informal, dificulta o aprendizado, já que os estudantes não têm o hábito de ler.

O professor de história da Escola Estadual Fernão Dias Paes, em Pinheiros, zona oeste, Marcelo Marins, conta que já foi questionado por pais sobre questões ensinadas nos livros. “Nem todos estão preparados para as perguntas que as crianças fazem quando voltam para casa”, diz. O episódio ocorreu depois das aulas de História Antiga, em que o autor levanta a possibilidade de o movimento de marés ser a explicação para o milagre bíblico da abertura do Mar Vermelho por Moisés.

LIÇÃO DE CASA

Chung I Feng, autônomo e pai de dois estudantes de 7ª e 8ª séries da Escola Benjamin Constant, colégio particular na Vila Mariana, acredita que as idéias apresentadas no material didático não são um problema. “Ideologia a gente forma em casa”, afirma.

Ele conta que a filha Amy Chung, na 8ª série, fez várias perguntas sobre socialismo depois das aulas, mas conclui que esse é um debate bastante saudável.“Vivemos numa democracia, por isso as crianças precisam conhecer de tudo um pouco.”

A mesma opinião é compartilhada por Isabel Olivieri, professora de educação infantil e mãe da aluna da 7ª série Isabela Olivieri. “O livro não é o elemento mais importante da classe. O diálogo pode ser recurso que complementa a formação das crianças e as faz mais críticas.”

Apesar de não ser uma fã da disciplina, Isabela concorda. “Estamos estudando África, o que é legal para entender um pouco sobre a desigualdade.” A mãe conta, orgulhosa, que a menina voltou para casa cheia de perguntas. “Acho saudável quando isso acontece. Não vejo problema nenhum com esse livro (de Schmidt)”, arremata Isabel.

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