Maior parte dos recursos do Fundef é desviada

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Estimativas do Ministério Público indicam que, de cada R$ 4 destinados ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), R$ 3 são desviados e apenas R$ 1 é corretamente aplicado. Os recursos do Fundef previstos para 2004 somam R$ 28,7 bilhões, equivalentes ao Produto Interno Bruto (PIB) do Paraguai e o suficiente para construir 700 mil casas populares ou 2,8 milhões de salas de aula. De acordo com o Ministério Público (MP), esses valores são disputados por “máfias“ de fornecedores, empresas de fachada e “políticos inescrupulosos“ espalhados na maior parte dos 5.561 municípios brasileiros.  
 
Os fraudadores atuam geralmente no varejo, fazendo desvios de pequenas quantias, de forma contínua, por anos seguidos. Mas já foram detectadas algumas quadrilhas com ramificações nacionais, especializadas em falsificar planilhas de gastos e forjar prestações de contas.  
 
Na Bahia, por exemplo, o Ministério Público abriu inquérito contra o empresário Adail Viana Santana, acusado de comandar uma quadrilha especializada em fraudar licitações para fornecimento de produtos, prestação de serviços e treinamento de professores com recursos do Fundef. Ele é acusado também de montar um esquema de notas fiscais frias, fornecidas por laranjas, a fim de justificar gastos fictícios.  

No Estado do Tocantins, as empresas de consultoria Alternativa e Interativa respondem a inquérito policial pelo mesmo motivo, aberto a pedido do procurador da República Mário Lúcio de Avelar, especializado em crimes contra a administração pública. Ele constatou que as duas empresas montaram um esquema de falsificação do número de alunos para a obtenção de mais recursos estaduais e federais. Até agora, 40 prefeituras tocantinenses foram indiciadas por envolvimento com irregularidades. Com ramificações em São Paulo, Minas, Pará, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Brasília, essas empresas desenvolveram um software para falsificação de planilhas e prestação de contas.  
 
“O Brasil está tomado por máfias que atuam em todas as fontes de recursos públicos. São quadrilhas com o mesmo perfil e modo de funcionar das que assaltavam os cofres da Sudene e da Sudam. Uma das mais vorazes é essa que atua no Fundef“, diz Avelar.  

Neste ano de eleições municipais são cada vez mais visíveis os ataques ao fundo, criado para melhorar as condições precárias do ensino fundamental no País. O Ministério Público, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) levantaram indícios de que a sangria é generalizada e os mecanismos de fiscalização são deficientes ou estão instrumentalizados pelos fraudadores. “Entre os ralos do dinheiro público, os que mais preocupam o governo são o Fundef e o DNIT (Departamento Nacional de Infra-Estrutura do Transporte)“, afirma o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. 
 
Fraudes  
De 1999 até agora, o Ministério da Educação (MEC) recebeu mais de 2 mil denúncias de irregularidades no Fundef. Como não tem fiscalização própria, o MEC encaminha as denúncias ao Ministério Público, à CGU e aos Tribunais de Contas dos Estados. De acordo com o MP, parte da pilhagem é destinada ao caixa dois de campanhas eleitorais e outra vai para o patrimônio pessoal dos fraudadores. Até agora, apenas 34 prefeitos foram presos, cassados ou respondem a processo de cassação por conta dos desvios.  
 
O prefeito de Formoso do Rio Preto (BA), Pedro Guedes Filho, pode ser o próximo da lista. O Ministério Público notou na prestação de contas do município que, em apenas quatro meses, foram usados R$ 368,9 mil na reforma de cinco escolas rurais. As escolas do município são pequenos módulos de 50 metros quadrados, que custam em torno de R$ 10 mil cada um. Uma inspeção constatou que as reformas não foram feitas e apenas uma fração do valor declarado foi aplicada na melhoria das instalações. Em contrapartida, o valor de algumas faturas anexadas ao processo, ao qual o Estado teve acesso, coincide com os pagamentos de material de campanha do sobrinho do prefeito. Procurado na prefeitura e em sua residência, Pedro Guedes não foi localizado nem retornou as ligações. A investigação comprovou que as fraudes ocorrem no município há mais de três anos. “Quem faz um cesto faz um cento“, afirma o procurador da República Luiz Francisco de Souza, autor da denúncia. Diante das evidências de fraude, a CGU abriu auditoria especial para investigar o que vem ocorrendo. A investigação recebeu o carimbo de prioridade porque o autor das denúncias, um vereador, está ameaçado de morte. Ameaças de morte não são raras e, às vezes, são consumadas. No município de Satuba, em Alagoas, o professor Paulo Bandeira, de 42 anos, foi torturado e, depois de morto, teve o corpo esquartejado, após denunciar desvio de verbas do Fundef pela prefeitura, no início de 2003. O prefeito Adalberon de Moraes foi indiciado como mandante do crime e preso. Dos 281 municípios investigados por auditorias da CGU desde abril do ano passado, constataram-se desvios no Fundef em mais de 90% dos casos. A CGU só audita os municípios que recebem repasses federais. A prefeitura de Malhada de Pedras, na Bahia, utilizou, durante três anos, notas fiscais frias, no valor total de R$ 100 mil, para comprovar despesas com recursos do fundo.  
 
Consultadas pelos fiscais, as 12 empresas apontadas como fornecedoras de produtos asseguraram que nunca realizaram tais negócios. A prefeitura gastou ainda R$ 610 mil no pagamento de salários de 209 pessoas que nem sequer têm vínculo com o magistério do município. A cada três meses, a CGU sorteia um grupo de 50 municípios a serem auditados por amostragem nas diversas regiões do País. No caso do Fundef, só são verificadas as contas se a prefeitura tiver recebido recursos federais para o fundo. O elevado número de fraudes detectadas levou o ministro do Controle e da Transparência, Waldir Pires, a propor uma ampla mobilização dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – para desfazer a descrença da sociedade em relação à luta do Estado contra a corrupção. “É preciso que nossa mobilização seja rápida e eficaz na responsabilização dos maus gestores para que a sociedade recupere a crença nos administradores e rompa a posição de imobilismo, segundo a qual nada pode ser feito contra os corruptos“, diz. 
 
Toneladas de elásticos  
A Bahia rivaliza com o Tocantins na disputa do Estado campeão em fraudes. Na última edição do Programa de Fiscalização a partir de sorteios públicos, o município de São Francisco do Conde apresentou o maior número e as mais graves irregularidades. Entre os absurdos encontrados, a prefeitura comprou 5 toneladas de elásticos para dinheiro. Os fiscais constataram que a compra foi superdimensionada e os elásticos nunca foram entregues. Em dez meses, a prefeitura também comprou 36 mil pincéis atômicos, no valor total de R$ 17,3 mil, quando o consumo não chega a 1.200 unidades por ano. Em Alto Alegre do Pindaré, também na Bahia, a prefeitura apresentou as notas de construção de uma escola com duas salas de aula no povoado de Boneca Queimada, pela empresa VCR, no valor de R$ 92 mil. Só que no povoado não há escola construída pela prefeitura. A escola municipal funciona precariamente num barracão cedido pela Igreja Católica.  
 
Por imposição legal, 60% dos recursos do Fundef destinam-se à remuneração e à qualificação profissional dos professores. Os 40% restantes são para aquisição de equipamentos, construção e reforma de escolas. Uma comissão da Câmara, presidida pelo deputado Gilmar Machado (PT-MG), constatou que as fraudes ocorrem em todas as fases. “O número de alunos matriculados é inflado para a obtenção de mais verba, os materiais são superfaturados e as listas de professores são falsificadas“, afirma Machado. Em Igarapé Grande, no Maranhão, a prefeitura foi condenada a devolver R$ 108,7 mil, por não Ter aplicado corretamente nem a parte destinada ao pagamento do magistério nem a fatia da manutenção e desenvolvimento do ensino. Em Porto de Moz, no Pará, a Prefeitura também simulou folhas de pagamento a servidores e terá de devolver mais de R$ 250 mil. Além disso, o Censo Escolar foi superestimado em quase mil alunos. Em 49 dos 50 municípios fiscalizados na quarta edição do Programa de Sorteios constatou-se que os conselhos comunitários e as comissões de fiscalização municipais não têm atuação efetiva. Muitos dirigentes dos conselhos são indicados pelos prefeitos, o que pode comprometer a imparcialidade das decisões. Em Pau D Arco, Tocantins, a presidente do conselho é secretária de Assistência Social e mulher do prefeito. 
 
 
 

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