A pesquisadora Gabriela Moriconi fala à Abrelivros em Pauta sobre o novo relatório “Formação continuada de professores: evidências sobre a eficácia”, divulgado pela organização Dados para um Debate Democrático na Educação (D3E) e elaborado por ela em parceria com Rodnei Pereira, amos da Fundação Carlos Chagas.
Gabriela explica que o estudo se baseia em pesquisas nacionais e internacionais e busca sintetizar evidências sobre os elementos que tornam a formação continuada mais eficaz. O relatório parte de duas pesquisas de referência — uma brasileira e outra liderada por Linda Darling-Hammond (Stanford) — e identifica oito características comuns a formações eficazes, como o foco no conteúdo pedagógico, o uso de aprendizagem ativa, o apoio especializado e a continuidade.
Na conversa, a pesquisadora destaca a importância de políticas públicas que garantam tempo, estrutura e apoio aos docentes, especialmente nas redes públicas de ensino. Ressalta que práticas como a aprendizagem ativa e o trabalho colaborativo entre professores devem deixar de ser exceções para se tornarem parte do cotidiano escolar. Gabriela também defende a articulação entre formação, currículo e materiais pedagógicos, apontando que o alinhamento entre esses elementos fortalece o trabalho docente e potencializa os resultados da aprendizagem. Confira!
A formação continuada é amplamente reconhecida como essencial, mas por que ainda sabemos tão pouco sobre quais modelos realmente funcionam na prática docente?
Porque raramente avaliamos as iniciativas para saber se elas, de fato, alcançaram os objetivos propostos. É comum que se avalie a satisfação dos professores com a formação, usando questionários ao final do curso. Esse é um passo importante, mas a avaliação da formação continuada não pode se resumir a isso. É preciso avaliar também as condições adequadas para a participação dos professores na formação; se os professores aprenderam o que estava previsto; se as condições para a implementação dessas práticas em seu contexto estavam presentes; se eles, de fato, incorporaram as práticas aprendidas em seu trabalho; e se houve impacto no desenvolvimento e na aprendizagem dos estudantes desses professores.
O relatório aponta oito características de formações eficazes. Como esses elementos podem ser incorporados nas políticas públicas de formação de professores em larga escala?
O relatório foi baseado em revisões de estudos focados em iniciativas de formação continuada de menor escala, geralmente em um conjunto pequeno de escolas. No entanto, é possível perceber a necessidade de garantir esses elementos em qualquer tipo de formação, seja de pequena ou larga escala. Por exemplo, em uma formação em larga escala, é necessário que o acompanhamento e o apoio de profissionais especializados sejam garantidos para todos os participantes. Para que isso ocorra, além de garantir profissionais em número suficiente para fazê-lo, é preciso que seja desenhada uma estrutura em que esses profissionais especializados também sejam acompanhados e apoiados por um conjunto de formadores-coordenadores. Formações em cascata, nas quais é feita apenas uma formação inicial aos formadores e, depois, esses profissionais são responsabilizados por realizar todos os encontros formativos de forma isolada, têm poucas chances de atingir os objetivos propostos.
O estudo destaca a valorização da aprendizagem ativa e da troca entre pares. Como garantir que essas práticas se tornem parte do cotidiano escolar, e não exceções?
Há diversas condições que precisam ser garantidas para que isso aconteça. A começar pela garantia do tempo, por exemplo. Há redes de ensino que ainda não garantiram que um terço da jornada de trabalho dos professores seja reservado para o trabalho extraclasse, e ainda não deram condições para que esse trabalho possa ocorrer na escola – parte dele com o coletivo de professores da escola. Além disso, é preciso garantir que esse tempo coletivo seja organizado de forma produtiva, por um profissional, que pode ser o coordenador pedagógico, mas que deve ser alguém que também tenha tempo e que receba formação para fazer o acompanhamento e o apoio às práticas pedagógicas dos professores, e para promover essas trocas entre pares.
O apoio especializado, como mentorias e tutorias, aparece como um diferencial importante. Como viabilizar esse tipo de apoio em redes públicas com diferentes realidades e recursos?
Continuando na linha da resposta anterior, existem iniciativas no Brasil em que o coordenador pedagógico, ou um professor coordenador de área, está sendo formado e acompanhado por mentores/tutores, para que eles próprios atuem como mentores/tutores de um conjunto de professores de suas escolas. Novamente, estamos falando de um processo contínuo de formação e acompanhamento do trabalho — não de uma formação pontual, em um momento isolado no tempo, que alguém deva simplesmente reproduzir.
Outra alternativa, que encontramos em diversos países — e também em algumas iniciativas aqui no Brasil, dada a restrição de recursos — é focar os programas de mentoria/tutoria no apoio aos professores ingressantes nas redes de ensino, justamente aqueles que estão nesse momento tão crítico que é o início do exercício da profissão.
A pesquisa destaca a importância da coerência entre a formação, o currículo e os materiais utilizados. Como essa articulação pode fortalecer o uso pedagógico dos livros e conteúdos educacionais em sala de aula?
A preocupação, nesse aspecto, é com as orientações ou diretrizes que são fornecidas aos professores. O ponto aqui é que, caso a formação continuada esteja focada em um tipo de abordagem que não esteja alinhada com os materiais pedagógicos, por exemplo, os professores provavelmente terão que optar por se basear em um deles, em detrimento do outro. Nesse sentido, a literatura aponta que a coerência entre todas essas fontes de diretrizes aos professores contribui para que eles possam direcionar seus esforços para uma mesma finalidade, aumentando as chances de que esses esforços sejam bem-sucedidos.
Vale destacar que isso não significa que os materiais ou a formação devam ser prescritivos, como uma receita de bolo que os professores devam seguir, mas, sim, que haja esse alinhamento ou diálogo entre as políticas educacionais da rede onde o professor atua — e não um conflito entre elas.
Acesso à síntese e evidências do estudo: https://d3e.com.br/wp-content/uploads/sintese_2503_evidencias-formacao-continuada-professores.pdf