Livros didáticos: após meses ‘no escuro’, editoras dizem que MEC vai esclarecer como selecionará obras usadas na escola pública

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Duas entidades relacionadas ao desenvolvimento de livros didáticos usados no ensino público brasileiro disseram que o Ministério da Educação (MEC) reapareceu, após meses em silêncio, e afirmou que vai tirar dúvidas a respeito das obras que poderão ser usadas nas escolas em 2023.

Segundo a Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (Abrelivros) e a Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos (Abrale), o edital do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), publicado no início do ano, trazia contradições e lacunas que inviabilizavam a produção das obras para alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental.

Esses estudantes corriam o risco de estudar com material desatualizado em 2023, sem a menção a acontecimentos importantes, como a pandemia de Covid-19.

O G1 procura o governo há uma semana para esclarecimentos sobre o caso, mas não recebeu resposta até a última atualização desta reportagem.

É normal que surjam dúvidas a partir do edital do PNLD – afinal, é realmente um documento longo e detalhado. O problema é que, de acordo com as entidades, o MEC não respondia aos e-mails e cartas enviados por elas.

A demora em obter um retorno impedia que as editoras preparassem, até o prazo estipulado (5 de agosto), as opções de materiais para estudantes e professores usarem na rede pública em 2023.

Todos trabalhavam “no escuro”, tentando entender o que o edital estava de fato exigindo.

Reunião com avanços

A Abrelivros e a Abrale tiveram de lançar um manifesto, neste mês de junho, expondo detalhadamente quais eram as lacunas do documento e as consequências de não receberem esclarecimentos do governo.

A pressão parece ter surtido efeito: no fim da terça-feira (22), segundo as duas entidades, houve uma reunião delas com representantes da Secretaria de Educação Básica, da Secretaria de Alfabetização (Sealf) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Os órgãos do governo comprometeram-se a publicar uma nota técnica ainda nesta quarta-feira (23), flexibilizando as exigências do programa, tirando as dúvidas e ampliando os prazos de entrega.

“Eles nos disseram que trabalharam bastante para rever as inconsistências do edital. Agora, estamos no compasso da espera. Hoje é o dia D: aguardamos o envio da nota do MEC para saber qual será o tamanho do ‘retrabalho’ [do que foi produzido enquanto não havia respostas]”, diz Silvia Panazzo, presidente da Abrale.

O prazo original para as editoras entregarem os livros para o PNLD 2023 terminava em 5 de agosto deste ano e incluía um volume enorme de material. Na reunião, segundo a Abrale e a Abrelivros, ficou combinado que a data será prorrogada por 10 dias.

Além disso, houve um desmembramento dos objetos – primeiro, serão apresentados os livros principais dos professores e alunos (nas versões digital e impressa); depois, em outubro, os demais itens (principalmente conteúdos audiovisuais, mais trabalhosos). Essa divisão era uma reivindicação das editoras.

Agora, espera-se que o MEC esclareça as dúvidas do edital.

Como funciona o PNLD

Para definir quais obras serão adotadas pelos colégios municipais, estaduais e federais, o Brasil segue o PNLD. É um sistema reconhecido para estipular critérios e selecionar livros que sejam adequados para o uso em sala de aula.

A cada quatro anos, as editoras produzem novos materiais para determinado ciclo escolar. Elas precisam obedecer a todas as regras definidas no edital do PNLD e, a partir disso, entregar seus livros “candidatos”. Se eles se encaixarem às exigências, entram em uma espécie de “cardápio” de obras aprovadas, para que os professores de cada escola escolham as que desejam usar com seus alunos.

Em 2023, as crianças do ensino fundamental I (1º a 5º ano) ganharão, a princípio, uma nova leva de livros de cada disciplina.

Ainda faltam dois anos, mas o processo já deveria estar a todo vapor: as editoras precisam apresentar sua produção até agosto de 2021. E aí tudo é analisado e aprovado ou não pelo comitê do PNLD.

Quais serão os riscos se o MEC não tirar as dúvidas das editoras?

Se a pasta não se manifestar, há o risco de:

as editoras não entregarem livros novos, o que inviabilizaria o programa e deixaria crianças do ensino fundamental I com obras desatualizadas em 2023, que não mencionariam fatos atuais importantes, como a pandemia;

o mercado editorial sofrer um baque significativo, já que a venda de livros didáticos movimenta mais de R$ 1,3 bilhão por ano (valor de 2020);

haver um número reduzido de opções de materiais para os professores escolherem.

“Nós preparamos um documento com 12, 14 páginas de ordem prática, e enviamos à Secretaria de Educação Básica em março. Isso nunca foi respondido. O FNDE [que financia o programa] comentou algumas questões, mas a parte de execução e de conteúdo ficaram sem esclarecimentos. A gente não conseguia avançar sem ter essas respostas”, afirma Angelo Xavier, presidente da Abrelivros.

“Agora, com essa reunião, entenderam a complexidade do que estavam pedindo.”

Panazzo, da Abrale, conta que “esse silêncio por tanto tempo não costumava acontecer”.

“Todos os editais geram dúvidas, é normal. O que nos causa estranhamento é essa ausência de retorno, tanto tempo depois do envio das primeiras questões”, diz.

“Foi importante ter essa conversa de terça-feira. Não me lembro de algum outro encontro com tanta representatividade de órgãos gestores.”

Que tipo de dúvida as editoras têm?

O PNLD 2023 traz inovações em relação às últimas edições do programa:

versão digital dos livros dos alunos;

inclusão de um caderno de acompanhamento de práticas;

aumento expressivo do conteúdo audiovisual (como videoaulas);

adequação ao Plano Nacional de Alfabetização (PNA), aprovado em 2019, com mudanças na concepção de linguagem e de uso de textos de apoio.

Segundo a Abrale e a Abrelivros, as novidades levantaram dúvidas quanto a:

partes repetidas de certos conteúdos;

limites de páginas incompatíveis com a quantidade de matéria a ser escrita;

formatos das publicações;

critérios de adaptação ao formato digital das obras.

“Desde fevereiro, há um trabalho muito intenso de entender as demandas trazidas pelo edital e de produzir esses materiais. A apreensão é grande, porque é um volume muito significativo de produção. Só em livros de alunos e de professor, são 10 diferentes”, afirma Panazzo.

Segundo ela, os autores dos materiais didáticos trabalharam às cegas. Sem as respostas às dúvidas, eles tentavam adivinhar o que o edital está de fato exigindo.

“Se a tentativa deles não for a mais adequada, isso pode fazer com que o livro seja reprovado. E é um investimento de tempo, de equipe e de produção que pode ser jogado fora. O impacto é enorme, porque esse autor vai ficar de fora do mercado editorial das escolas públicas até o próximo PNLD”, explica.

Antes da reunião, havia o “medo de morrer na praia e de não conseguir entregar obras adequadas”, afirma Xavier, da Abrelivros.

Sem o PNLD, haveria um impacto financeiro para as editoras?

Sim. Elas fazem apostas: investem tempo e dinheiro na produção de protótipos que são inscritos no PNLD. O retorno financeiro só virá caso esses livros sejam aprovados no programa e escolhidos pelas escolas.

Sem os esclarecimentos devidos, dizem as editoras, o risco de reprovação aumenta significativamente. Isso faz com que todos os gastos não sejam compensados. São autores, diagramadores e ilustradores, por exemplo, que podem ficar sem uma remuneração.

Os tipos de contrato variam de editora para editora: há modelos em que o autor ganhará dinheiro proporcionalmente ao número de exemplares vendidos ou então receberá antes (e aí o prejuízo financeiro ficaria exclusivamente com a empresa).

“O PNLD representa de 40% a 50% do faturamento de uma editora. Fora que é muito frustrante produzir material e não vê-lo sendo usado nas escolas públicas. Ficar só no mercado privado é deixar mais de 80% dos alunos brasileiros de fora”, diz Vinicius Neves, diretor de marketing da SM Educação.

Os números deixam claro como o PNLD movimenta o segmento editorial no Brasil.

O PNLD 2023 seria um meio de compensar os prejuízos trazidos pela pandemia, quando a venda de livros didáticos caiu após um ano de suspensão das aulas presenciais, diz a Abrelivros.

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