Daqui a um ano, em abril de 2025, a cidade do Rio de Janeiro se tornará a Capital Mundial do Livro por 12 meses. É a primeira vez em 24 anos que uma cidade de língua portuguesa recebe este título da UNESCO. A nomeação não apenas celebra as realizações e a vocação da cidade em relação à literatura, mas também destaca o compromisso em fazer ainda mais por essa causa. Em meio à celebração, é fundamental refletirmos sobre como acelerar os avanços educacionais que vivemos em nosso país, considerando o recuo causado pela pandemia.
Algumas melhorias já são significativas. O analfabetismo funcional (uma pessoa analfabeta ou que possui menos de cinco anos de escolaridade) medido pelo IBGE por meio da PNAD entre pessoas de 15 anos ou mais de idade caiu de 18% em 2012 para 12% em 2022. A meta do Plano Nacional de Educação era chegar a 10% este ano.
Uma outra forma de mensurar este dado foi proposta pelo Instituto Paulo Montenegro e a Ação Educativa, a partir de uma avaliação realizada em uma amostra representativa da população brasileira, o Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional). Entre sua primeira edição em 2001-2002 e a mais recente em 2018, o percentual de analfabetismo funcional caiu 10 pontos percentuais, de 39% para 29% da população brasileira. O dado do Inaf parte dos resultados de uma avaliação, e não da autodeclaração do entrevistado, por isso diverge dos do IBGE.
Em 2018, a taxa de analfabetismo pela PNAD era de 14%, uma diferença de 15 pontos percentuais para o dado do Inaf. Ainda assim, ambos caminham na mesma direção. Além disso, tanto um quanto o outro revelam as grandes disparidades regionais, etárias, de renda e raça que ainda prevalecem no nosso país. O Brasil tem avançado tanto no aumento da escolaridade quanto na redução do analfabetismo, mas ainda precisa combater as muitas desigualdades que as médias nacionais escondem.
Para além do analfabetismo, precisamos também olhar para os desafios da leitura no país. É extremamente preocupante constatar que, de acordo com a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil realizada pelo Ibope, o percentual de leitores (leu pelo menos um livro nos últimos 3 meses) caiu de 55% para 52% entre 2007 e 2019, e de não-leitores (não leu nenhum livro nos últimos 3 meses) subiu de 45% para 48%. Como não temos resultados mais recentes, não é possível quantificar o impacto que a pandemia teve neste indicador. Como o percentual de leitores se manteve relativamente estável, para conseguirmos sair da inércia precisaremos investir, enquanto país, na articulação entre todos os setores, público, privado, filantrópico e acadêmico, para promover a leitura. Iniciativas não faltam, mas podemos avançar na orquestração entre elas.
Uma medida crucial para melhorarmos tanto o alfabetismo quanto a leitura é incentivarmos a leitura desde a primeira infância, período crucial para o desenvolvimento da linguagem. Se todas as crianças tivessem acesso a leituras diárias de livros de literatura desde o nascimento, certamente seu processo de alfabetização seria favorecido. Muitas habilidades cruciais se desenvolvem nesse processo, como o vocabulário, a compreensão oral, a compreensão da estrutura da língua, a consciência fonológica, entre muitas outras. A leitura de livros literários não apenas promove o desenvolvimento cognitivo, mas também estimula o vínculo afetivo, a empatia, a criatividade, a imaginação e a capacidade de expressão das crianças. É durante os primeiros anos de vida que os alicerces da leitura e da escrita são estabelecidos.
Ao ingressar na educação infantil, desde a creche, o acesso à literatura precisa estar presente na leitura diária de livros de história. Infelizmente, um estudo da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), realizado em 12 cidades brasileiras, revelou que em 55% das turmas de educação infantil essa prática não foi observada (FMSCV, 2021). A existência do programa do Governo Federal, PNLD Literário (sucessor do Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE), que distribui acervos de livros de literatura infanto-juvenil para as escolas desde 1997, leva a crer que não se trata de falta de acesso e sim de inserção dessa atividade de leitura na rotina diária.
Ao lançar o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, com ações desde a educação infantil até o 5º ano, mas reforçando a necessidade de alfabetizarmos as crianças até o 2º ano do Ensino Fundamental, o Ministério da Educação soma esforços e recursos aos estados e municípios para que até 2030 ao menos 80% dos alunos de todas as redes municipais do Brasil estejam alfabetizados até os 8 anos.
Os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2º ano de 2023 ainda não foram divulgados, mas há expectativa de que consigamos voltar pelo menos aos índices de 2019, pré-pandemia. Essa “recuperação” é um passo inicial fundamental para alcançarmos as metas de 2030. O estado do Rio de Janeiro lançou recentemente os dados do Alfabetiza RJ, que avaliou os alunos das redes municipais ao final do 2º ano, e com 52% dos alunos alfabetizados, superou os 49% alcançados em 2019. Uma ótima notícia que esperamos que se repita em todos os outros estados.
Precisamos aproveitar o ano de 2025, com o Rio de Janeiro como Capital Mundial do Livro, para fortalecermos a agenda da alfabetização e da leitura em todo o país. Ao investirmos na educação, estamos investindo no futuro de nossa sociedade, promovendo o desenvolvimento humano pleno e construindo um mundo mais justo e menos desigual para todos.