Livro interativo limita capacidade de imaginação, diz diretor da Feira de Frankfurt

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Um livro que fala, canta, tem ilustrações animadas e tecnologia 3D. Há dez anos essas características seriam fantasia de filmes de ficção. Mas, daqui a outros dez, elas devem vigorar –e com a força total de um mercado em expansão.

 

O livro digital multimídia –que compila outros atrativos além da leitura trivial, como dublagem e animações– mal começou a ser desenvolvido na rota do mercado e, mesmo assim, já foi alvo de críticas pela possível subtração da capacidade imagética dos leitores.

 

A opinião é compartilhada por Juergen Boos, diretor da Feira do Livro de Frankfurt, um dos maiores eventos mundiais voltados ao segmento, que ocorre anualmente na Alemanha.

 

Em entrevista à Folha, Boos fala da limitação que o e-livro multimídia traz à imaginação do leitor. Mas acrescenta: “para livros profissionais ou de não-ficção, isso pode ser uma tremenda vantagem”.

 
FOLHA – Pesquisas recentes mostram que o leitor não quer pagar por conteúdo on-line, e que até deixaria de ler algumas publicações, caso elas optassem por esse caminho. O que o senhor pensa a respeito disso?

JUERGEN BOOS – A cultura do gratuito que existe on-line se tornou um problema existencial para pessoas e instituições que vivem da produção e exploração da propriedade intelectual. Consideramos nossa responsabilidade transmitir o valor real da propriedade intelectual para os usuários, para que também haja uma disposição de pagar por conteúdo on-line em um futuro próximo.

Em qualquer caso, é necessário chegar a uma solução o mais rápido possível, em que tanto provedores de conteúdo quanto usuários possam coexistir.

Isto significa que editoras vão ter que experimentar mais e mais modelos com novo pagamento no futuro –por exemplo, pay-per-view, publicidade ou conteúdo exclusivo.

 

FOLHA – Dentro dessa perspectiva, qual o futuro dos direitos autorais no mercado editorial?

BOOS – Editoras do mundo todo estão perdendo bilhões de dólares em vendas devido à pirataria –e a maior prioridade é o controle deste problema, encontrando uma solução que seja adequada para editores e fornecedores de conteúdos. A proteção de conteúdo é sempre central, independentemente do meio ou a forma em que ele é transmitido.

 

FOLHA – O senhor acha que o modelo Creative Commons oferece um tipo de vantagem financeira para a indústria editorial?

BOOS – O Creative Commons é uma abordagem interessante, na minha opinião. No passado, autores concediam seus direitos à editora –e ela tentava explorar toda a gama de direitos.

Hoje, o autor concede os direitos de edição da cópia de seu livro para a editora de livros tradicionais, os direitos de um audiobook a uma editora de audiolivros, os direitos de e-books para a Amazon ou outra plataforma. Em outras palavras, o negócio de direitos está se tornando cada vez mais fragmentado.

Em geral, o negócio está produzindo mão-de-obra com mais intensidade, e as partes envolvidas devem conversar entre si com mais frequência. Não faz muito sentido a concessão de direitos de uso diferentes para diferentes conteúdos.

Mas os editores, sem dúvida, vão colher menos benefícios financeiros a partir deste modelo; no lugar disso, os autores vão ganhar vantagem.

 

FOLHA – O que o senhor pensa sobre o iPad? O que ele representa para o mercado editorial?

BOOS – O iPad é um dispositivo fascinante. O que eu acho problemático, no entanto, é o fato de que se trata de um sistema fechado, que não permite a troca com outros sistemas.

Assim, estou certo que muitos mais dispositivos aparecerão no mercado nos próximos meses, que serão comparáveis ao [sistema do] iPad em termos das suas funções de multimídia, e que vão criar concorrência.

Em princípio, não existem limites para esse desenvolvimento, e estou realmente ansioso para ver quais os produtos que vão surgir nos próximos meses.

 

FOLHA – O senhor acredita no conceito dos livros multimídia que incorporam animação, gráficos, narração e interatividade?

BOOS – O e-book ainda está nas fases iniciais de desenvolvimento, e oferece inúmeras possibilidades.

A integração de fotos, animações e outros elementos interativos será certamente um aspecto que fará com que esta mídia seja particularmente atrativa no futuro.

 

FOLHA – Dentro desse conceito, o senhor crê que os leitores possam perder sua capacidade de criar suas próprias imagens e construção narrativa na leitura de livros multimídia?

BOOS – Quando eu leio um romance, a minha imaginação embarca em uma jornada. Eu imagino como um personagem deve se parecer, a figura definida do personagem e que tipo de voz que ele ou ela possa ter.

Eu fico total e completamente imerso na história. O e-book multimídia impõe limites para minha imaginação, desde o início, porque eu sou abastecido com imagens precisas.

Por outro lado, para livros profissionais ou de não-ficção, isso pode ser uma tremenda vantagem.

Mas espero sinceramente que a nossa capacidade de explorar o poder de nossa imaginação, como um resultado [da leitura], não se perca por completo.

 

FOLHA – Com dispositivos digitais, o custo do livro reduz drasticamente. Sob esta ótica, qual a perspectiva para o mercado editorial?

BOOS – Não ocorre, necessariamente, a situação de que a produção de um e-book é substancialmente mais barata do que um livro impresso. Sim, o processo de impressão não faz parte da equação, mas o processo de produção de um e-book é mais complexo, pois ele deve ser preparado de forma completamente diferente.

Acima disso, na Alemanha existe o problema adicional do preço fixo do livro [a regulamentação alemã exige que todos os livros, digitais ou não, sejam vendidos sob mesmo preço; descontos são ilegais no país].

Exatamente como os preços dos e-books devem ser determinados já é objeto de intenso debate na indústria.

 

FOLHA – Existe a possibilidade de ocorrer a supressão do livro impresso?

BOOS – Quando o audiobook chegou no mercado, as pessoas também pensaram inicialmente que eles iriam substituir os produtos impressos –mas eles se revelaram complementares.

Estou convencido de que o livro impresso não morrerá, mas que o livro eletrônico vai se tornar um componente adicional e substancial da nossa socialização por meios de comunicação –como foram antes o rádio, a TV e a internet.

 

FOLHA – Qual o panorama atual das vendas de livros eletrônicos?

BOOS – Um estudo recente sobre os e-readers prevê que haverá cerca de 50 modelos no mercado em 2010.

Com base em estimativas conservadoras, o número de leitores eletrônicos vendidos na Alemanha, em meados de 2011, será em torno de 170 mil. E cerca de 65 mil livros eletrônicos foram vendidos nos primeiros seis meses de 2009 na Alemanha.

Os números são simples. A partir deles, podemos deduzir que a demanda do cliente sobre a informação está aumentando, mas a vontade de comprar ainda é pequena. No entanto, tudo pode mudar em breve.
Com relação ao Brasil, infelizmente, não há dados disponíveis no mercado. Será muito interessante observar o desenvolvimento desse mercado aí.

 

FOLHA – O que o senhor pensa a respeito da criação de um formato padrão para arquivos de e-book?

BOOS – Os usuários não querem sistemas fechados –caso eles tenham boas alternativas. Por isso acho que um formato padrão e-book será estabelecido a longo prazo –como foi o caso da indústria da música com o formato MP3, por exemplo. Qual será esse formato é algo que ainda está sendo visto.

 

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