Impasse do novo ensino médio ameaça produção de livros didáticos

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O impasse sobre o modelo do ensino médio no Brasil, além de dificultar o planejamento das escolas, ameaça a produção de livros didáticos. A elaboração do material para os mais de 6,4 milhões de alunos nessa etapa do ensino na rede pública do país está travada, aguardando a definição do governo Lula sobre quais mudanças curriculares irá propor, alterações estas que ainda serão votadas pelo Congresso. A depender do que for aprovado, os estudantes podem ficar sem o material didático adequado em 2024, 2025 e até em 2026.

A discussão se dá em torno do novo ensino médio, que começou a ser implantado para os alunos do 1º ano em 2022. O país teria ao final de 2024 a formatura da primeira geração que estudou sob as novas regras. O governo Lula, no entanto, pressionado por críticas de estudantes e professores, suspendeu o calendário de implementação do novo ensino médio e passou a discutir um outro modelo. O “novo ensino médio”, sendo assim, já poderia até ser chamado de “velho”. E o que deve entrar em vigor será uma segunda versão do modelo, um “novo ensino médio 2.0”.

Se o “novo ensino médio 2.0” entrar em vigor em 2024, os alunos estarão com o material desatualizado. Essa hipótese não é a mais provável, porque as mudanças ainda nem foram enviadas ao Congresso. Mas, ainda que o “novo ensino médio 2.0” só entre em vigor em 2025, os novos livros dificilmente estarão prontos até lá.

A produção do material é organizada pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), do MEC (Ministério da Educação), e dura cerca de dois anos. O processo começa com a publicação de um edital, e a produção é submetida à rigorosa supervisão da pasta. Quando ficam prontos, os livros ainda tem que ser escolhidos pelas escolas para depois serem comprados com verbas do FNDE (Fundo de Desenvolvimento da Educação), do MEC.

Esses livros são reaproveitados durante quatro anos, medida que economiza recursos públicos. Os estudantes os utilizam durante um ano letivo e os repassam à turma seguinte. Após esse ciclo, chega às escolas uma outra safra, que passou pelo mesmo processo de produção do PNLD.

Os livros que estão sendo utilizados pelo ensino médio atualmente chegaram às escolas em 2021, adequados ao “novo ensino médio” velho. A substituição desses livros deveria acontecer em 2025. Para isso, a produção teria que ter começado no início deste ano. Mas, em razão do impasse sobre o modelo, ela não começou.

O edital para 2025 deveria ter sido publicado no final de 2022. A minuta havia sido elaborada antes das eleições, segundo a Folha apurou, mas, com a vitória de Lula e a sinalização da equipe de transição de governo de que o ensino médio seria reformulado, o MEC optou por não publicar o edital.

Em abril, o governo Lula publicou uma portaria suspendendo o calendário de implementação do “novo ensino médio” velho. Uma consulta pública foi realizada até julho, e, atualmente, o MEC elabora um projeto de lei, com alterações no modelo, para encaminhar ao Congresso.

Como já estamos em setembro, não deverá haver tempo hábil para se produzir os livros do “novo ensino médio 2.0” até 2025, de acordo com Ângelo Xavier, presidente da Abrelivros (Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais), que reúne as principais editoras de livros escolares do país.

“O PNLD 2025 não deve acontecer e pode ser postergado em pelo menos um ano, se transformando em PNLD 2026”, afirmou Xavier à Folha. E, para que o PNLD 2026 seja viável, explicou o editor, é preciso que o edital seja publicado até novembro.

Se não for –o que é possível, considerando a tramitação no Congresso–, nem em 2026 os livros estarão prontos. Assim, mesmo que o “novo ensino médio 2.0” só comece a valer em 2025, os alunos terão que utilizar o material do “novo ensino médio velho” por pelo menos um ano e talvez até por dois anos. Em outras palavras, uma geração inteira deverá estudar com material adequado apenas no 3º e último ano.

As divergências entre os livros podem ser consideráveis, a depender do grau de mudanças. A principal delas deve ser na carga horária. No caso do “novo ensino médio” antigo, o currículo é dividido em duas partes. Uma é a formação básica, comum a todos os alunos, com as matérias regulares, como matemática, português etc. A outra é a das formações específicas (itinerários formativos), em os alunos escolhem uma área. A formação básica ocupa 60% da carga horária, ou seja, 1.800 horas. Os itinerários, 40%, ou 1.200 horas.

O “novo ensino médio 2.0” deve manter essa divisão, mas ampliar a carga da formação básica e reduzir a dos itinerários. Com isso, é possível que os livros atuais tenham conteúdo insuficiente. Há, ainda, a possibilidade de que matérias excluídas pelo “novo ensino médio velho”, como espanhol, sejam retomadas, e aí não haveria material didático para essas aulas.

Também discute-se a redução dos itinerários. O “novo ensino médio velho” traz cinco (matemática; linguagens; ciências da natureza; ciências humanas; técnico), além de permitir que a criação de outros. Com essa infinidade de opções, não há no PNLD a produção de livros para os itinerários. Se o “novo ensino médio 2.0” reduzir para dois ou três itinerários fixos, o governo pode determinar que haja livros específicos para cada um.

O descompasso entre o material didático e o formato do ensino médio preocupa os autores. “O edital do PNLD 2021 pediu um formato excessivamente complexo, que foi questionado por nós, autores, e tem recebido queixas dos professores. Caso esses materiais vigorem por mais um ano, os livros problemáticos serão mantidos além dos quatro anos habituais”, apontou à Folha Maria Cecilia G. Condeixa, presidente da Abrale (Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos).

O impacto financeiro desse impasse já é grande para as editoras de didáticos, o que pode refletir na qualidade do material. A produção de materiais didáticos exige especialização e é complexa, o que faz com que menos de 20 empresas participem do PNLD. O programa é hoje responsável por cerca de 40% do faturamento do mercado editorial no país –o que corresponde a um total de cerca R$ 2 bilhões anuais.

Para as editoras menores, a produção dos didáticos chega a representar mais de 70% do faturamento, sendo que algumas são integralmente dedicadas a isso. É o caso da Palavras. “Estamos com muitos profissionais parados”, afirma Cândido Grangeiro, um dos fundadores da editora. “Com essa produção travada, muitos acabam arrumando outros trabalhos, e é difícil encontrar pessoas especializadas nessa área.”

Questionado, o MEC encaminhou uma nota do FNDE. “O processo de revisão do novo ensino médio está sendo pautado pela participação democrática, uma ação que o MEC compreende como fundamental, em respeito a toda a movimentação social em torno do tema. A publicação dos editais para a aquisição dos livros deverá respeitar o que for definido. Está previsto, ainda este ano, audiência pública para tratar do tema.”

Publicado por Laura Mattos – Folha de S. Paulo em 14/09/2023.

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