Igualdade na diversidade

Levantamento do Unicef mostra que fatores como raça, sexo e localização geográfica podem tornar muito difícil a vida de crianças e adolescentes  
 
Uma das marcas registradas da população brasileira, a diversidade, pode ser uma barreira social no país. Números levantados pelo relatório “Situação da Infância e Adolescência Brasileira“, levantamento inédito do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ) a partir de dados do Censo 2000, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que fatores como raça, sexo, localização geográfica, situação econômica, tempo de estudo da mãe ou o fato de serem portadoras de alguma deficiência podem tornar muito difícil a vida de crianças e jovens.  
 
Os resultados deste levantamento e os caminhos que podem ser seguidos para superar os problemas serão analisados de hoje até sexta-feira no 1º Seminário Criança Esperança – Igualdade na Diversidade, promovido pelo Unicef e pela Rede Globo, em Brasília. Mais de cinqüenta especialistas no assunto, técnicos de governos e representantes de organizações não-governamentais, além de Rigoberta Menchú Tum, Prêmio Nobel da Paz em 1992, e Reiko Niimi, representante do Unicef no Brasil, vão discutir por que uma criança brasileira pode ser praticamente condenada a viver mal pelo resto da vida apenas por ser não ser branca ou ser filha de uma mulher que estudou durante poucos anos. O Brasil é um dos países com maior diversidade racial e cultural, o que é considerado por estudiosos como uma grande riqueza nacional. A questão é que isso vale apenas para o discurso. Na prática, esta diversidade não só não é valorizada, mas também é punida pelo preconceito e pela discriminação. Uma criança negra tem menos chances de estudar que uma branca; uma portadora de deficiência terá maior dificuldade para conseguir emprego que um não-portador; alguém que nasceu na zona rural tem maior probabilidade de ser pobre do que alguém que nasceu na cidade. A conclusão é que o acesso aos direitos sociais é mais restrito a quem não é branco, nascido no meio urbano, tem uma mãe com muitos anos de estudo e vive em um lar com renda familiar alta. O relatório preparado pelo Unicef mostra como este problema afeta desde cedo 61 milhões de crianças e adolescentes que vivem no país. Basta uma boa olhada nos números para ver que, desde pequeno, o brasileiro já tem algumas portas fechadas diante de si pelo simples motivo de ser um representante desta diversidade antropológica. “A diversidade está presente na sociedade brasileira desde a sua formação“, diz o sociólogo Marcos Kisil, do Instituto para o Desenvolvimento Econômico e Social (Ides). “Mas temos que reconhecer que hoje crianças e adolescentes podem ter a vida pré-determinada por processos de exclusão social baseados na raça, no sexo e na localização geográfica.“  
 
Em um corte mais geral, descobre-se que crianças e adolescentes pobres estudam menos, vão trabalhar mais cedo e têm menos acesso à infra-estrutura e bens de consumo, por isso acabam, na maioria dos casos, longe dos bons empregos e da possibilidade de ter uma vida confortável. As crianças que vivem entre os 20% mais pobres da população vão menos à escola que aquelas fazem parte dos 20% mais ricos: entre 7 e 14 anos, a proporção dos que não freqüentam as aulas é de 9% em comparação a 1%. Dos 12 aos 17 anos ela sobe para 20% e 4%, respectivamente. O resultado é que aos 17 anos, a média de estudo é de quatro anos para os mais pobres e sete anos para os mais ricos .  
Mas a situação piora quando se mergulha nos números e observam-se as particularidades que afetam a diversidade humana do país. O preconceito racial se revela de maneira clara. Há mais crianças negras pobres (ou seja, que vivem em famílias com renda per capita de até meio salário mínimo) do que brancas. O placar é de 58% contra 33%. Adolescentes negros também têm menos chances de estudar: 17% deles estão fora da escola entre os 12 e 17 anosem comparação a 12% dos brancos da mesma idade. Nesta faixa etária, a média de estudo dos negros também é menor: cinco anos, contra seis dos brancos e sete dos asiáticos. 
 
Eles também têm menos acesso a recursos como água, esgoto, telefone e computador.  
 
A mãe é outro ponto fundamental neste processo. Os dados do Unicef mostram que, na maioria dos casos, a desigualdade passa dela para o filho como uma herança maldita. Quanto menos tempo a mãe estudou, pior para o filho. Três em cada quatro crianças filhas de mães que estudaram menos de um ano são pobres (entre aquelas mães que estudaram mais de onze anos, a proporção é de uma criança em cada cem). Em termos de tempo de estudo, a regra se repete: 13% das crianças de 7 a 14 anos cujas mães estudaram menos de um ano, estão fora da escola; já entre os filhos de mães que estudaram 11 anos ou mais, a proporção cai para apenas 1%.  
 
O que fazem estes adolescentes que estão fora da escola? Entre os filhos de mães que não estudaram, 13% trabalham, enquanto 3% dos filhos de mães que estudaram por 11 anos ou mais estão no mercado. Filhos de mães que não estudaram também têm mais chances de ficar doentes e menos acesso a recursos como água, esgoto e telefone. “São necessárias políticas afirmativas específicas para corrigir desigualdades como essa“ diz a socióloga Jacqueline Pitanguy, diretora do Cepia – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação. Políticas afirmativas significariam priorizar o atendimento a esta camada da população.  
 
A lógica por trás dos números é simples. Até pelo menos os seis anos, a criança vive basicamente do convívio com a mãe. Se ela teve boa instrução, são grandes as possibilidades de saber cuidar melhor da criança, ter um bom emprego que garanta o sustento econômico e incentivar o filho a estudar também. Se a mãe não estudou, no entanto, as chances de tudo isso acontecer caem drasticamente. “A mãe tem de ser alvo prioritário das políticas públicas: quando isso acontecer, o país vai andar“, diz a pediatra Zilda Arns, coordenadora nacional da Pastoral da Criança. 

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