História do livro escolar no Brasil, das traduções do francês às obras impressas com vários recursos digitais

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A história dos livros escolares no Brasil já percorreu dois séculos. Em seus primórdios, no início do século XIX, os livros didáticos eram restritos aos colégios de nível secundário frequentados pela elite – sendo as obras traduzidas do francês e escritas também por autores brasileiros, muitos deles professores do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, então a capital do país. Realidade totalmente diferente do cenário atual, como mostra o Anuário Abrelivros 2022, lançado em 19 de abril. Atualmente, a cada ano, os livros chegam às mãos de dezenas de milhões de estudantes e professores, da Educação Infantil ao Ensino Médio, de escolas públicas e particulares em todo o país.

As reformas do ensino e do Estado brasileiro, acompanhando a História do país, marcaram a trajetória dos nossos livros didáticos. Na segunda metade dos anos 1800, no auge do Império, surgem livros como “As lições de história do Brasil”, de 1861, do professor e romancista Joaquim Manuel de Macedo. E já se observava também, num país de imensa maioria de analfabetos e voto censitário (proibido a pobres, negros e mulheres), a preocupação com a alfabetização da população. Um exemplo de produção didática dessa época são as “Cartas sistemáticas para aprender a ler”, de 1867, tida como a primeira cartilha de fato brasileira.

Nos anos 30 do século passado, o governo Vargas iniciou uma modernização do Estado, incluindo reformas administrativas e educacionais, com destaque para cartilhas de alfabetização. É desse período a cartilha “Na roça”, de Renato Sêneca Fleury, lançada em 1935. E o grande marco é a criação, em 1937, do Instituto Nacional do Livro (INL), cuja missão era editar obras literárias e estimular novas bibliotecas públicas. E, dois anos depois, surge a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), para regular e fiscalizar as obras nas escolas.

Após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1961, houve a expansão da rede pública de escolas e um aumento da aquisição e distribuição de obras escolares. E, em 1966, por meio do acordo com a Usaid (agência dos EUA para o desenvolvimento internacional), foi possível criar a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (Colted), assegurando recursos para distribuir 51 milhões de exemplares em três anos.

Nos anos 1970, consolidaram-se a expansão das matrículas e as ações de compras e distribuição de livros, sem, porém, recursos para atender os alunos a cada ano letivo. Como mostra o primeiro Anuário da Abrelivros, nessa época se destacam cartilhas com foco no sistema alfabético e ortográfico. Uma delas é “Caminho suave”, de Branca Alves de Lima, lançada em 1948 e muito popular até o final da década de 1980. Em 2011, a obra chegou à sua incrível marca de 131 edições (veja o infográfico “Linha do tempo do livro escolar”, na edição digital e gratuita do Anuário, no link: https://www.abrelivros.org.br/anuario/).

Com o fim do regime militar e a redemocratização do país nos anos 80, o propósito da universalização do ensino e a reforma dos currículos escolares passaram a dominar o debate na Educação. É quando surge o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), em 1985, ampliando o atendimento às crianças e aos jovens e atribuindo papel de destaque ao professor na escolha dos livros escolares. E a Constituição Cidadã, de 1988, consagra o conceito de Educação para todos.

Mas foi em meados dos anos 90 que o PNLD tornou-se política de Estado como ferramenta para democratizar a Educação. Os livros escolares passaram a ser avaliados sistematicamente por especialistas de diferentes áreas. Com o “Guia dos livros didáticos”, de 1996, a avaliação pedagógica virou condição para a participação de editoras e autores no programa.

Nas décadas recentes, o PNLD foi sendo ampliado nas diferentes etapas de ensino e se consolidou como política pública. Em 2004, por exemplo, surgiu o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), enquanto, em 2009, outro marco foi o Decreto do Livro, que institucionalizou os programas do livro didático.

A expansão paulatina do PNLD, com avaliações bem estruturadas e rigorosas das obras, elevou a qualidade do livro escolar no país com reflexos positivos nas escolas e, também, nas editoras. Outro marco importante foi o PNLD EJA (Educação de Jovens e Adultos): criado em 2009, chegou a alcançar quase 5 milhões de alunos em 2014, mas nos anos recentes foi suspenso devido à revisão de marcos legais da Educação e da atualização dos livros, segundo informes do FNDE.

Outra iniciativa foi o PNLD Campo, que entre 2013 e 2018 distribuiu livros específicos a estudantes de escolas públicas da área rural, sendo descontinuado, em 2019, em decorrência também da revisão dos marcos legais da Educação.

Atualmente, os livros escolares – didáticos e literários – ganharam vários aperfeiçoamentos (em conteúdo, formato, projeto gráfico e recursos digitais), sendo essenciais para professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem. Nos últimos PNLDs, é notória ainda a preocupação com a oferta de livros voltados para a formação do professor, que ganhou mais ênfase a partir de 2019. E no caso do PNLD 2022, a Educação Infantil também foi contemplada, pela primeira vez, com um programa específico.

Preocupado em acompanhar as recentes evoluções tecnológicas, o PNLD, cuja história tem origens há oito décadas, é cada vez mais relevante para o país superar seus desafios na Educação, levando conteúdos educacionais de qualidade a todas as escolas públicas. Está claro que é importante o programa estimular metodologias diversificadas em meio às intensas transformações digitais de nossa sociedade, aceleradas durante a pandemia.

Nesse cenário, é imprescindível o acesso de crianças e jovens à literatura, à riqueza da produção literária brasileira. Assim, precisamos assegurar que o PNLD literário em curso contemple essa diversidade literária, dando asas aos alunos para a imaginação e o conhecimento.

Temos de garantir o acesso de todos os estudantes a uma educação de qualidade, direito básico para formar cidadãos conscientes e qualificados para o novo mercado de trabalho. Só assim poderemos reduzir as enormes desigualdades no Brasil, contribuindo para um desenvolvimento de fato sustentável.

Ângelo Xavier, presidente da Abrelivros

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